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Na dúvida, use vermelho

14 Jan 2021
By Ana Murcho

É a cor do amor, do sexo, da vida, da esperança, do entusiasmo. É a cor do amanhã, do futuro, da aventura, do romance. É a cor do Natal, do encantamento, da sensualidade, da diversão. O vermelho é tudo isto e, ainda por cima, é a cor fetiche da Moda, que anda de quatro por ela desde que se coseram os primeiros trapos.

É a cor do amor, do sexo, da vida, da esperança, do entusiasmo. É a cor do amanhã, do futuro, da aventura, do romance. É a cor do Natal, do encantamento, da sensualidade, da diversão. O vermelho é tudo isto e, ainda por cima, é a cor fetiche da Moda, que anda de quatro por ela desde que se coseram os primeiros trapos.

© Branislav Simoncik para a Vogue Portugal, setembro de 2018
© Branislav Simoncik para a Vogue Portugal, setembro de 2018

William Ralph Blass (1922-2002) foi um dos mais visionários, e bem sucedidos, designers norte-americanos. Conhecido como “the King of 7th Avenue” - numa referência à famosa avenida nova-iorquina de onde brotavam as mais fascinantes criações de Moda – no auge da sua carreira, entre as décadas de 60 e 80, era um dos preferidos das celebridades e das ladies who lunch, que nele confiavam para conceber peças cujo impacto se prolonga muito para lá da primeira vez que são usadas. Blass, que recebeu inúmeros prémios pelo seu trabalho, é uma referência incontornável em qualquer retrospetiva sobre a “indústria do efémero” na segunda metade do século XX. E, no entanto, para muitos o seu nome é apenas algo que se cola a uma frase repetida até à exaustão: “When in doubt, wear red.” Que é como quem diz, “em caso de dúvida, use vermelho.”

Porquê vermelho? A pergunta deveria ser: porque não vermelho?

É a primeira cor que os humanos percecionam, depois do preto e do branco. É a primeira cor que os bebés veem, antes de qualquer outra. É a primeira cor que aqueles que, devido a lesões cerebrais, sofrem de daltonismo temporário, voltam a ver. É a cor da vida, no seu êxtase. É a cor da vitória, dos sonhos, da magia. É a cor da liberdade, das possibilidades infinitas. É a cor da mulher que entra numa sala e, apenas pela sua presença, consegue suspender a respiração de todos os presentes. É a cor do amor.

Em 2017, a jornalista Charlotte Sinclair escreveu um texto intitulado “The Power of Red”, publicado na edição inglesa da Vogue, onde fazia, precisamente, um elogio ao vermelho: “Estamos conectados ao vermelho. Não há outra cor tão fundamental, tão fundida com as nossas tentações humanas [mais] primitivas. O vermelho não faz prisioneiros. Ele é a encarnação do ênfase, o sublinhado duplo, o sinal de stop, o alerta, o bloqueio na estrada, o alarme, o perigo, o entusiasmo, o sexo, a paixão, o incitamento, a excitação. É a cor de reis e rainhas, guerra e império, teatro e poder. É o Diabo e o sangue de Cristo, o Inferno e o Espírito Santo, o impulso animal e o coração que bate, a poeira vermelha e o núcleo de magma do planeta. É a cor da vida e da ação, o equivalente cromático de um beijo de batom (com língua) e de um nariz que sangra. Vermelho é adrenalina, fogos de artifício, rutura com as convenções. É vergonha e violência, rubor e raiva. O vermelho é a abreviatura das grandes paixões: pense nos vendedores de rosas vermelhas do lado de fora dos restaurantes ao sábado à noite, em corações do amor e em cuecas vermelhas.”

"É a cor da mulher que entra numa sala e, apenas pela sua presença, consegue suspender a respiração de todos os presentes."

 

Se não lhe apetecer pensar em cuecas vermelhas, pense no Capuchinho Vermelho (suspeita-se que o seu capuz de tom escarlate tenha origem num costume antigo, e rural, de vestir as crianças com peças de roupa vermelha para evitar perdê-las de vista), pense em Jessica Rabbit, em Betty Boop, ou em Marilyn Monroe naquele vestido de lantejoulas com decote em V e racha para maiores de 18 em Gentlemen Prefer Blondes (1953), que destruiu qualquer dúvida sobre o conceito de “imortalidade” que pudéssemos ter.

Se não lhe apetecer pensar em cuecas vermelhas, pense em Julia Roberts em Pretty Woman (1990), em Scarlett O’Hara em Gone With The Wind (1939), em Audrey Hepburn em Funny Face (1957): três versões distintas do poder que emana quando se veste vermelho. Ou pense em Tilda Swinton no poster do novíssimo Almodóvar, The Human Voice (2020), num Balenciaga crimson red (carmesim) que desafia as leis da gravidade.

A Moda e o vermelho

Carla Buzasi, managing director no WGSN (Worth Global Style Network), um dos maiores observadores de tendências do mundo, considera que a prevalência do vermelho é algo natural. Em entrevista à Vogue, a trend forecaster explica, de forma simples, o fenómeno: “Eu acho que, como qualquer outra cor primária, o vermelho entra e sai de moda como um básico, mas o facto de existirem muitas versões diferentes dele significa que temos uma versão do vermelho em quase todas as estações.”

Na estação fria de 2014, por exemplo, a dupla Viktor & Rolf fez uma coleção de Alta-Costura em que todos os vestidos apresentados tinham um denominador comum – o vermelho. Este outono/inverno, como não podia deixar de ser, a cor esteve um pouco por todo o lado: Alberta Ferretti, Alexander McQueen, Altuzarra, Balenciaga, Bottega Veneta, Chalayan, Christopher Kane, Givenchy, Marc Jacobs, Miu Miu, Preen by Thornton Bregazzi, Rodarte, Saint Laurent e Valentino (sobre o famoso vermelho-Valentino debruçar-nos-emos adiante) foram os designers que mais usaram, e abusaram, da cor, nomeadamente em looks totais, que exigem altas doses de confiança e… audácia. Isto porque o vermelho nunca será uma cor neutra, que desaparece sem deixar rasto. “Embora existam muitas associações diferentes ao vermelho, o que acho mais interessante é que ele tem associações. Não é uma cor passiva, de forma alguma. Exige uma resposta emocional.” E, como tal, é a cor em que acabamos por pensar quando os sentimentos são mais fortes – haja ou não um final feliz. Por isso, sublinha Buzasi, o amor dificilmente poderia ser cor-de-rosa. “O vermelho é a versão mais dramática do amor: o drama, a paixão, o desgosto.” 

Desgostos à parte, o vermelho é a cor que nos dá força – que nos eleva o espírito. O criador Jean-Charles Worth (1881-1962) um dos membros da extinta House of Worth, uma das mais importantes casas de haute couture francesa, sabia-o bem. Ele foi um dos pioneiros no uso do tom “grenadine”, correspondente ao Pantone 17-1558, em meados dos anos 20 do século passado. Depois da austeridade imposta pela Segunda Guerra Mundial, na década de 60 a cor voltou a popularizar-se com o “Mondrian dress”, de Yves Saint Laurent, e com as “love boots” de Elio Fiorucci. E, entretanto, chegou Valentino Garavani, devoto confesso da cor, que descreve como “a última cura para a tristeza.”

Em 2007, a propósito da exposição “Master of Couture”, o criador italiano explicou a sua relação com a cor: “O vermelho é uma cor que não é tímida. Quando era jovem, fui ver a ópera Carmen em Barcelona e todo o cenário era vermelho – as flores, os trajes – e eu disse para mim mesmo: ‘Quero manter esta cor na minha vida.’ Por isso, misturei um tom com as pessoas que fazem os tecidos – ele contém uma certa quantidade de laranja – e o Valentino Red tornou-se uma cor oficial da Pantone.” Para além dele, também Azzedine Alaïa e Alexander McQueen souberam manipular, sem medo de cair em excessos, uma cor que começou por ser usada para realizar aquilo que hoje apelidamos de body painting: de acordo com descobertas científicas, os caçadores da Idade da Pedra (há mais de 40 mil anos atrás) serviam-se de argila vermelha para fazer pinturas corporais.

No Paleolítico, as pessoas eram queimadas com pó vermelho, para exorcizar os espíritos malignos. E, como é do conhecimento geral, a cor servia também para pinturas rupestres, que se espalham pelos cinco continentes. Ainda que, com o tempo, o vermelho tenha adquirido significados diferentes em culturas diferentes (na China ainda se usa vermelho nos casamentos, por se acreditar que atrai a sorte, na Rússia é possível associar o tom à revolução comunista) a cor tem, desde há muito, um papel central na iconografia Cristã – por ser “a cor do sangue de Cristo”, ainda hoje os cardeais a usam nos seus trajes. Na Idade Média, os reis vestiam de vermelho para demonstrar as suas ligações divinas e o seu “direito” a reinar.

Quem ainda não perdeu o direito a reinar foi Christian Louboutin, ou melhor, as suas maravilhosas red soles. Que tiveram origem num feliz acaso. O shoemaker contou à Vogue inglesa que foi devido ao protótipo falhado de uns sapatos, intitulados Pensées, inspirados na famosa série Flowers, de Andy Warhol. Quando recebeu a amostra, Louboutin ficou desiludido com o impacto da cor que tinha idealizado tinha no produto final. “Demorei um bocado a perceber que era a cor do bloco que compunha a sola preta.” Enquanto ele ponderava nos motivos daquele flop, a sua assistente pintava as unhas. “Peguei no seu verniz vermelho e pintei as solas. Ela não ficou feliz, mas a adição de cor foi uma revelação. O conceito original ressurgiu completamente.” Afinal de contas, perguntava o designer naquela entrevista, “quando você se vira para ver uma mulher afastar-se, o que é que vê? Um contorno, um andar e as solas.” Nenhuma outra cor tem esse impacto. Nenhuma.

Alguns dos melhores (e mais inesquecíveis) looks de Lady Diana Spencer têm como base o vermelho. Do impressionante vestido Jacques Azagury que usou para a gala da American Red Cross, três meses antes da sua morte, passando pelo “illusion dress”, assinado por Jan van Velden, que escolheu para a sua primeira viagem a solo enquanto membro da realeza, nunca esquecendo o impecavelmente cortado fato de saia e casaco (com botões dourados), de Catherine Walker, com que surgiu em julho de 1989, num evento em West Yorkshire, no Reino Unido. Foi ela, a “Princesa do Povo”, uma das precursoras no uso do vermelho como símbolo de poder. Depois dela,  nomes como Hillary Clinton, Angela Merkel ou Michelle Obama nunca viraram costas a esta cor em momentos cruciais das suas vidas públicas.

O mesmo serve para Alexandria Ocasio-Cortez, a mais jovem mulher a ser eleita para o Congresso americano (tinha 29 anos na altura), que fez do batom vermelho a sua imagem de marca. “Ser mulher [ainda é] algo bastante politizado aqui em Washington. Existe uma ideia falsa de que se te preocupas com maquilhagem, ou se os teus interesses estão relacionados com beleza e moda, isso é de alguma forma frívolo. Mas, na verdade, acho que essas são algumas das decisões mais importantes que tomamos - e tomamo-las todas as manhãs. Por isso, uma das razões pelas quais comecei a usar os lábios vermelhos foi o facto de quando estava na corrida para a minha primeira eleição, fora da nossa comunidade ninguém sabia quem eu era […] e uma das coisas que percebi foi que, quando andas sempre a correr de um lado para o outro, às vezes a melhor maneira de realmente parecer bem é com um bold lip.”

Da próxima vez que tiver dúvidas, já sabe. Escolha vermelho.

Ana Murcho By Ana Murcho

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