Moda  

O rei vai (quase) nu: a (in)compatibilidade das tendências com a vida real

05 Feb 2025
By Pedro Vasconcelos

Desfile: Bottega Veneta; Prada; Louis Vuitton, tudo primavera/verão 2025; Fotografia: Launchmetrics Spotlight. Artwork: João Oliveira.

A Moda é determinada por aqueles que podem. Nós, o resto dos mortais, só podemos seguir atrás.

As semanas de Moda são eventos peculiares. Encantados pela mitologia do seu glamour, os convidados destes prestigiosos eventos partilham uma variedade peculiar de amnésia. Entre primeiras filas lotadas e after parties suadas, esquecemo-nos do mundo que existe para lá das fronteiras das passerelles. Que paradoxo, como é possível que tais pessoas se esqueçam dos que alimentam a máquina na qual andam? Os clientes são frequentemente esquecidos. Aliás, vamos mais longe, a audiência não só é esquecida, como é ativamente antagonizada. Wearable torna-se o insulto da mais alta ordem. O seu oposto — no caso da Moda, roupas conceptuais — é bem mais desejável. Marcas inteiras estabelecem-se pelo seu amor ao dramático. Comme des Garçons, Schiaparelli, Noir by Kei Ninomiya: muitos são aqueles cujo apelo é a Moda enquanto arte. Mas, como Dries van Noten denota: Moda não é apenas arte, é uma arte aplicada. Calças, por mais volumosas que sejam, camisas, por mais inusitadas que possam ser, têm sempre um propósito base — cobrir o corpo. Mas, mesmo assim, este imperativo é condicional durante as semanas de Moda. Raramente se pensa no consumidor final ou na forma como uma pessoa dita normal pode adaptar o que estes profetas dizem sobre as tendências da próxima estação. Isto é, alguns raramente pensam. Eu, em toda a glória do meu défice de atenção, mantenho um olho reservado para entender o que vejo à minha frente no quotidiano de todas as outras semanas que não são da Moda.

Não se julga a criatividade do substrato mais alto da Moda, muito pelo contrário, agradece-se a mesma. Mas entende-se também o seu contexto. Pela natureza artística do meio, existe uma necessidade latente de constante inovação. Não basta repetir ciclos, é necessário criar novidade atrás de novidade. Entre as marés expectáveis, designers das maiores maisons atiram as suas âncoras para ver o que prende. E, quando mais que um se propõe a alterar o curso da forma como pensamos, por exemplo, em calças, não podemos deixar de o notar. Esqueça-se o debate entre jeans justas e largas, a conversa expandiu-se: uma perna ou duas? Em Milão, Matthieu Blazy fê-lo de forma discreta. Ou melhor, da forma mais discreta de todos os nomes prestes a ser mencionados. Conjugado com um blazer estruturado que se transforma num vestido assimétrico após a cintura, as calças quase passaram despercebidas. Ênfase no quase. Imediatamente, dezenas de vozes anunciaram o nascimento de algo novo. Mas, por mais altas que estas possam ter sido, foram afogadas pela multidão fascinada pelos assentos animados e a presença de Jacob Elordi — a Moda é raramente e apenas o foco num desfile. Qualquer negação plausível tornou-se impossível uma semana depois durante o desfile da Louis Vuitton. Numa passerelle feita a partir das clássicas trunks da maison, Nicolas Ghesquière fez da runway um campo de diversões, repleta de acessórios inovadores e silhuetas únicas. Entre estas, as calças com apenas uma perna apareceram em várias versões, cada uma sentida como uma confirmação da tendência. Ao contrário de Blazy, que fez das calças parte de um look, Ghesquière destaca-as, contrastando as mesmas com tops simétricos e peplums geométricos — um clássico no espólio do designer. Ao contrário do seu contraparte italiano, o diretor criativo da Louis Vuitton apostou num material menos rígido, mais fluido, para que as calças assumissem uma qualidade leve. Se o designer franco-belga fortificou a tendência, a dupla por detrás da Coperni sedimentou-a. O desfile, que fechou não só a semana de Moda parisiense como o fashion month, decorreu na Disneyland Paris. E, mesmo com a distração do castelo da Cinderela e Kylie Jenner na passerelle, as calças assimétricas foram a belle of the ball.

Mas calma, pousem-se as tesouras, não é necessário cortar nada (pelo menos ainda). Se existir um desejo latente de interpretar as tendências vistas nos desfiles, existem formas menos berrantes (e perigosas) de o fazer. Quando se trata de experimentação, é sempre mais inteligente pensar nas tendências de styling. Esta estratégia tem um objetivo duplo: por um lado, não implica o desperdício de dinheiro e ajuda a entender que, por vezes, as tendências são feitas para nascer e morrer na passerelle. Olhemos então o que se pode fazer com o armário (sem necessidade de sacrificar nenhuma perna). Tanto Daniel Lee na Burberry como a dupla de Miuccia Prada e Raf Simons na Prada têm um conselho fantástico: parkas sobre vestidos ornamentados. Numa escolha estética que revela o ambiente emocional, party wear é escondido atrás de active wear. Na capital britânica, Lee combinou um vestido com franjas repletas de lantejoulas lilás por detrás de um casaco encerado. Em Milão, o objetivo não é tanto esconder como confundir. Prada combinou um vestido cravejado de lantejoulas, espelhos redondos e cut outs, com um impermeável amarelo-canário. A ideia do styling dos dois é semelhante — os opostos atraem-se. As boas notícias é que a tendência é facilmente replicável e instantaneamente reconhecível, isto é, para aqueles que sabem — a Moda iykyk é sempre mais atraente. Mas, se o objetivo for participar numa tendência menos óbvia, os deuses da Moda têm sido benevolentes. Com uma simples camisa, é possível participar em vários movimentos. A inspiração vem de diferentes fontes: Los Angeles, Milão, Paris e Antuérpia. Na Bottega Veneta e ERL, duas camisas são melhores que uma. Basta colocar uma sobre a outra, deixando uma completamente abotoada e a outra aberta o suficiente para que se veja a que se esconde debaixo. Recomenda-se a utilização de diferentes cores e padrões, assim como uma gravata para criar o efeito Blazy. Na Dries Van Noten e Christian Dior, as camisas usam-se ao contrário. O efeito cria uma silhueta curiosa e fácil de recriar. Se o objetivo for elegância, olhe-se para os exemplos de Maria Grazia Chiuri, mas, se o interesse for o objetivo, ponha-se Van Noten no moodboard. Se mesmo assim insistir em usar tesouras, recomenda-se prudência. Não se corre com tesouras e não se corta para lá da coxa. Em caso de dúvida, siga-se o styling de Blazy e a filosofia de Ghesquière.


Originalmente publicado na edição What's Next, de dezembro de 2024, da Vogue Portugal, disponível aqui.

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