Opinião  

Ocupação: full-time mom

27 May 2024
By Pureza Fleming

© Getty Images

A decisão de uma mulher se tornar numa stay-at-home mom é como um mergulho na escuridão; uma encruzilhada onde o coração e a mente esbarram. Para algumas, é uma escolha de coragem, um compromisso com o bem-estar da família; para outras, uma jornada de descoberta e desafio. No meio dessa complexidade, emerge a necessidade de compreensão e apoio, honrando a diversidade de caminhos que as mães escolhem seguir.

A cena passa-se na quarta temporada da incontornável série O Sexo e a Cidade. Charlotte e Miranda conversam sobre a decisão de Charlotte largar o seu trabalho na galeria para se dedicar a ser uma dona de casa exímia e, eventualmente, uma mãe ainda melhor. Miranda, chocada, questiona a sua tomada de decisão. Ao longo do episódio a sensação é de que a própria Charlotte se questiona, mas ao mesmo tempo todos sabemos, enquanto espectadores, que Charlotte foi talhada para aquilo. Ser mãe (a tempo inteiro) está-lhe na alma e está tudo certo. Tal como o próprio termo indica, uma stay-at-home mom refere-se a uma mãe que opta por se manter em casa para cuidar dos seus filhos a tempo inteiro, em oposição a trabalhar fora de casa de forma remunerada. “A escolha de ser uma stay-at-home mom pode ser influenciada por uma variedade de fatores, como preferências individuais, valores familiares, necessidades das próprias crianças, bem como circunstâncias financeiras. Enquanto algumas mães optam por permanecer em casa durante os primeiros anos de vida dos filhos, outras podem fazê-lo por um período mais longo, dependendo das necessidades da família”, esclarece Carolina de Freitas Nunes, psicóloga na Cognilab. Catarina Perestrelo Pinto, 43 anos, é mãe de dois filhos pequenos. Enquanto personal concierge, organizar viagens é um dos core business do seu trabalho — “não consigo estar parada a 100%”, confessa. Conta à Vogue Portugal que se encontrava a trabalhar no momento em que as águas rebentaram: “Estava ao computador a escrever um artigo para o [meu blog de viagens] Cate & the City. Liguei à médica e disse que achava que o bebé ia nascer. Ela disse: ‘Tussa para ter a certeza’. As águas rebentaram e ali ficámos: eu, o computador e as águas” (risos). Com o nascimento do primeiro filho, esse seu espírito irrequieto abrandou. Para Catarina, há uma altura em que acompanhar o bebé é valioso: “Enquanto [o bebé] é pequenino precisa de mais proteção, tempo de qualidade.” Foi então que a personal concierge colocou o trabalho um pouco de parte. Para si, a família é a base de tudo na vida, a grande estrutura, o amor maior. “Ter filhos é uma benção, tenho o dever e obrigação de dar o meu melhor. E poder passar tempo com os meus filhos é uma benção maior. Ter a qualidade de vida que tenho hoje é, também, uma grande conquista. Sinto que os estou a preparar para uma vida de sucesso, com confiança e autoestima, tendo uma mãe tão presente e que os acompanha”, remata. 

Constança Clara teve o seu segundo filho com 33 anos — o primeiro tinha nascido, nada mais nada menos, do que 16 meses antes. Foi nesta altura que a profissional das artes plásticas, atividade que sempre conjugou com a reabilitação de imóveis e decoração de interiores, teve de tomar decisões. Chegara o dia em que teria de optar pela atividade profissional que gerava mais dinheiro — a reabilitação — e deixar as artes para último plano. “O que começou por ser ‘dar um tempo de seis meses às artes’ para me dedicar à maternidade, passou a ser 'fechar atelier por completo'.” O papel de uma stay-at-home mom envolve uma ampla gama de responsabilidades, incluindo cuidados com os filhos, gestão da casa e apoio emocional à família. “Estas mães desempenham, frequentemente, um papel central na vida familiar, fornecendo suporte emocional e orientação aos filhos, além da gestão das tarefas diárias necessárias de manutenção da casa”, expõe a psicóloga Carolina de Freitas Nunes. Para Catarina, o mais desafiante desta decisão foram as questões financeiras, motivo que a levou a desenhar um negócio que não a obrigasse a viajar e que lhe permitisse estar mais presente na vida dos seus filhos. “Criei o Baby Jump, uma ginásio na Quinta da Bicuda, em Cascais, onde as mães tecem um laço maior com os seus filhotes; ao mesmo tempo, estes brincam e desenvolvem a sua parte motora, enquanto criam laços de socialização com outros bebés.” Tal como expõe Carolina de Freitas Nunes, “para muitas mulheres a maternidade é uma experiência única que desperta um desejo marcado de estar presente nos primeiros anos de vida dos seus filhos. A decisão de ser mãe a tempo inteiro é normalmente tomada ao longo de um tempo e com várias considerações e etapas. Há casais que discutem este tema antes do nascimento dos filhos, outros que decidem apenas na altura que a licença de maternidade está a decorrer ou a finalizar. Esta decisão é, muitas vezes, multifacetada e pode ser influenciada por uma variedade de fatores psicológicos, sociais e económicos”, continua. Apesar de tudo, o medo é real — e é natural que assim seja. Para a maioria das mulheres que optam por ficar em casa com os seus filhos, o maior receio é a perda dos rendimentos do seu trabalho, logo a sua autonomia financeira.

Outras razões incluem o isolamento social: “O papel de cuidadora a tempo inteiro pode ser solitário, especialmente se a mãe não tiver uma rede de suporte social robusta ou oportunidades frequentes para interagir com outras pessoas fora do ambiente doméstico”, desenrola aquela psicóloga. Constança sabe que na altura fez aquilo que era necessário para cuidar da sua família, mas confessa ter-se sentido infeliz. “Custou-me deixar de ter espaço e tempo para me dedicar a uma atividade que fazia por paixão e à qual investi tanto em formação e experiência profissional. Sempre acreditei que caso conseguisse manter uma prática artística ao longo da minha vida, um dia poder-me-ia sustentar apenas das artes. E essa crença dava-me energia para conjugar duas atividades profissionais, uma que gera dinheiro — a reabilitação — e outra por paixão e investimento futuro — as artes. Quando chegaram os filhos, tive de optar pela atividade profissional que gera dinheiro imediato e deixei de ter tempo para continuar a investir na construção do meu portefólio artístico.” Ao longo das últimas décadas, houve mudanças significativas no contexto socioeconómico e cultural que impactaram a decisão da mulher se tornar uma stay-at-home mom. Antigamente, era mais comum que as mulheres deixassem o mercado de trabalho para cuidar dos filhos a tempo inteiro. Hoje, as mulheres têm mais oportunidades profissionais e, logo, mais pressão para equilibrar trabalho e família. Além disso, o apoio institucional e político, bem como o acesso à informação, mudaram a perceção sobre as opções disponíveis para as mulheres. A psicóloga da Cognilab assevera que parece haver uma tendência de diminuição no número de mulheres que decidem ser mães a tempo inteiro em Portugal, comparativamente com há 20 ou 30 anos: “Esta mudança está alinhada com as transformações sociais e culturais que promovem uma maior igualdade de género e partilha de responsabilidades entre pais e mães.” Carolina de Freitas Nunes aponta como sendo uma das principais vantagens de se ser uma stay-at-home mom, o maior envolvimento na criação dos filhos. “Ao estar em casa a tempo inteiro, a mãe tem a oportunidade de participar ativamente no desenvolvimento e educação das crianças. Além disso, a flexibilidade de horário é um benefício significativo, permitindo que a mãe se adapte à rotina de acordo com as necessidades individuais da família. Isto pode reduzir o stress relacionado com o trabalho, proporcionando um ambiente mais tranquilo em casa. Outro aspeto positivo é a possibilidade de construir laços emocionais mais fortes com os filhos, estando mais presente para os apoiar emocionalmente.” Cada caso é um caso e todas as fórmulas são vencedoras. Constança acredita que os filhos escolhem as famílias onde nascem e que isso faz com que todas as experiências na infância, “boas e más”, possibilitem ao ser humano aprender, crescer e transformar-se em algo melhor.

Para a artista plástica, “até aos seis, sete anos de idade, são criadas as bases do ser humano adulto e, por isso, dedicar-me nesta fase aos meus filhos é um investimento que estou disposta a fazer a qualquer custo. Quem sabe uma vez criados e autónomos eu possa voltar a ter tempo para me dedicar às artes. Enquanto artista, sempre senti que os meus filhos são a obra-prima mais bonita a que alguma vez me dediquei.” Ser uma stay-at-home mom é uma escolha, mas não deixa por isso de ser um trabalho — e dos difíceis. Em suma, digamos apenas que a expressão “mãe que trabalha” é redundante.


Artigo publicado originalmente no The Mother Nature Issue da Vogue Portugal, de maio de 2024, e disponível aqui.

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