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Quando se trata de Moda, não vale a pena nadar contra a corrente, as tendências do passado voltam sempre a subir à superfície.
Já vivi tempo suficiente para ver o renascimento das tendências que fui condicionado a odiar. Após uma pré-adolescência assombrada pela ideia de calças de cintura descida, ver este espécime sinistro disfarçado de roupa nas passerelles, lojas e ruas, é uma experiência traumática. O terror que me enche a alma é suficiente para catalisar interrogações e teorias perigosamente próximas de conspirações. Por capricho de que divindade cruel é que somos forçados a repetir o mesmo ciclo? Que força misteriosa nos obriga a vestir roupas semelhantes, à medida que a firmeza do nosso corpo perde a batalha com a gravidade? Este estado maníaco faz da nossa mente um quadro de cortiça e dos nossos pensamentos os fios vermelhos que unem um número preocupante de fotografias.
Queremos encontrar os culpados que nos colocaram neste ciclo de Moda maquiavélico. Hesitamos em simplesmente culpar o fator nostalgia. O termo, que é o bode expiatório para matérias tão sérias como a ascensão dos movimentos de extrema-direita, e tão levianas como o declínio de Hollywood, é complexo. A sentimentalidade do passado é subtilmente contaminada pelo conservadorismo do passado. Os testemunhos de "nasci na geração errada", proclamados assim que se ouve os The Rolling Stones ou se tem (mais) um encontro falhado no Tinder podem ser sinistros. Mas a Moda parece fugir a esta complexa dualidade. Os uniformes do passado raramente vêm associados aos valores de quando foram vestidos pela primeira vez. E, sinceramente, o nosso problema não são os valores sociais da era Y2K, apenas a revelação das nossas love handles.
O desespero interno é tal que somos obrigados a recorrer à ajuda externa. Mona Mrad é professora académica na Universidade de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos. Com um doutoramento em marketing, Mrad é especialista em sociologia da Moda. A primeira clarificação que faz durante a nossa entrevista é dececionante. "Infelizmente não há ninguém para culpar." Em vez disso, a socióloga propõe uma resposta que tem tanto de frustrante como de complexa. "As tendências da Moda são baseadas em mudanças sociais, culturais, económicas, políticas, ambientais, etc." De acordo com Mrad, a Moda não é diferente de outras tendências culturais, estabelecendo-se como um mero "espelho da forma como entendemos o mundo que nos rodeia."
A especialista ancora a sua tese em exemplos históricos. "Se pensarmos no período da Primeira Guerra Mundial, o minimalismo era popular porque o conforto era priotário face à elegância, é nessa época que se vê a ascensão de nomes como Coco Chanel. Após a Segunda Guerra Mundial, a popularidade do New Look de Christian Dior entende-se pelo clima do pós-guerra, numa sociedade desesperada para voltar atrás no tempo.” Os fatores políticos do passado explicam as silhuetas, padrões e texturas populares. Segundo Mrad, existem várias teorias que elaboram estas correlações: “George Taylor inventou a teoria da bainha.” A tese do economista cria uma ligação entre o clima económico de um período histórico e o comprimento das bainhas das saias. "A teoria baseia-se nos anos 20. A década, extremamente próspera em termos económicos, viu as saias a subirem, as pernas eram para serem mostradas da mesma forma que o dinheiro era para ser gasto. Passada uma década, em 1990, a Grande Depressão, alterou os padrões económicos da população e, como consequência, a altura da bainha das saias.” A teoria é apenas uma das formas que Mrad usa para explicar a panóplia de fatores que podem afetar algo que, à primeira vista, parece ser básico ou superficial. Pergunta-mo-nos se alguém já pensou em equacionar a altura da cintura das calças de ganga a algo. Mrad diz que ainda não.
É nas explicações anteriores que encontramos as justificações para as tendências atuais. De acordo com a especialista, "se pensarmos nas macrotendências da indústria da Moda podemos observar um retorno a um minimalismo clássico." Para a socióloga, a reação é mais que natural, é um efeito direto da pandemia. “Online, as pessoas vivem obcecadas com a ideia de construirem guarda-roupas cápsula, repletos de clássicos que possam usar para sempre." É esta noção que explica o recente fascínio pela chamada Moda de luxo. “Quando as pessoas têm menos para gastar, passam a fixar-se na ideia de peças como investimentos, é nestas alturas que observamos a crescente popularidade de marcas como Chanel ou Hermès. Os bens destas marcas são vistos, não apenas como um sinal exterior de riqueza, mas como fugas ao ciclo de consumo.” Se alguma dúvida persistir, a socióloga sugere pensarmos na largura das nossas calças de ganga. “A ganga é um dos exemplos mais compreensíveis deste ciclo: a cada cerca de cinco a dez anos notamos que a tendência muda. Pense-se nos anos 2010, quando a tendência eram calças extremamente justas. À medida que entrámos nos 2020, as calças foram-se alargando. A pandemia foi o beijo da morte para as calças de ganga que se colavam às pernas, deixando de fazer sentido quando passámos a estar tão habituados a ficar confortáveis em casa."
Mas, mesmo que acreditemos nas teses da socióloga (algo que estamos inclinados a fazer), persistem algumas dúvidas. Se tudo está relacionado com o mundo que nos rodeia, quer dizer que a indústria da Moda, em si, é impotente face à sua criação? O que aconteceu ao fantástico discurso de Miranda Priestly? Estaria Meryl Streep a vender-nos uma fantasia quando rastreou a popularidade do cerúleo (não azul, não turquesa, não lápis lazúli)? Bem, de acordo com Mona Mrad, o valor dos desiguers não pode ser completamente descartado. "Ainda que se relacione com fatores que lhe são externos, a Moda não deixa de ser uma faceta cultural com um nível relativo de autonomia" A socióloga elabora: “Em termos académicos existem duas formas de justificar tendências: o trickle down (gotejar) e o bubble up (borbulhar).” A primeira segue o padrão descrito por Miranda Priestly, quando "um designer cria ou traz de volta algo que se torna extremamente popular e que, portanto, é recriado e imitado pela sua competição e, com tempo, por marcas progressivamente mais baratas." A segunda, o chamado bubble up, surge quando a popularidade de uma tendência afeta a "elite do mundo da Moda" posteriormente. Mrad concretiza a sua tese com um exemplo: “Pense-se em streetwear, o estilo não veio das marcas de luxo, veio de culturas de grupos minoritários, mas que, com o tempo, assumiu controlo sobre todos os estratos da indústria." E clarifica: "Não é que a Moda não tenha nada a ver com a produção de tendências, é esta quem as produz, mas são os fatores económicos, sociais, políticos e culturais que as fazem ser populares."
A sociologia tem um eleito peculiar sobre o indivíduo. Basta ler um qualquer texto de Bordieu ou Foucault para nos sentirmos apenas como pequenas formigas destinadas a seguir o caminho traçado pelas massas. Serão estas tendencias, que tão pouco parecem estar relacionadas com o sentido de estilo do qual tanto nos orgulhamos, impossíveis de evitar? Mrad explica que “não somos escravos do que todos os outros fazem, todos temos em nós um sentido de individualidade, mas seria utópico pensar que não sofremos às mãos da pressão social.” Esta força onnipresente condiciona-nos de formas que não conseguimos compreender. De acordo com Georg Simmel, um dos sociólogos mais influentes do século XX, o nosso sentido de estilo deriva da tensão entre duas forças que, ainda que opostas, são basilares à nossa existência social — a necessidade de nos distinguirmos uns dos outros e a propensão para nos imitarmos uns aos outros. Este equilíbrio extremamente sensível explica, em parte, o ciclo de vida de uma tendência. Quando vemos um grupo reduzido de pessoas a usar um estilo de calças de ganga, achamos que fazer o mesmo nos inclui nesse círculo, mas, a partir do momento em que a tendência assume proporções de fast fashion o interesse esmorece-se, sendo substituído pelo medo de sermos iguais aos outros. De acordo com Mrad, o ciclo de vida de uma tendência, assim como a probabilidade que temos em participar na mesma, foi revolucionado pelas redes sociais. "Costumavam ser as pessoas à nossa volta, nas nossas cidades e comunidades que nos inspiravam, mas, hoje em dia, abrimos uma aplicação e estamos a receber informação visual de pessoas que estão a milhares de quilómetros de distância." É a nova realidade - se por um lado faz com que "fugir" a uma tendência seja bem mais difícil, já que somos confrontados com esta dezenas ou centenas de vezes por dia (dependendo do autocontrolo com o Tik Tok), é também mais fácil tornarmo-nos trendsetters. "De certa forma, é como se fôssemos celebridades, temos um alcance que, no passado, se encontrava reservado apenas os mais ricos e famosos," descreve Mrad.
Originalmente publicado no The Bolssom Issue, disponível aqui.
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