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Paixão ou propósito? Como encontrar sentido na vida profissional

20 Feb 2025
By Pureza Fleming

O trabalho ideal é um mito ou uma meta atingível? Em tempos onde a paixão pelo que se faz parece ser o caminho para a realização profissional, especialistas questionam se esta busca constante pode ser, na verdade, uma fonte de ansiedade. Refletimos, ao longo deste texto, sobre a relevância da paixão, o peso do propósito e o impacto do equilíbrio no bem-estar laboral.

"Encontra um trabalho que ames, e não terás que trabalhar um único dia na tua vida.” Atribuída a Confúcio, esta frase tornou-se um ideal amplamente repetido, evocando a ideia de que a paixão pelo trabalho é a fórmula para uma vida profissional realizada. No entanto, no mundo atual, marcado por exigências crescentes, desafios de equilíbrio entre vida pessoal e carreira e uma produtividade quase ininterrupta, esta visão romântica do trabalho pode parecer distante da realidade de muitos. A ideia de alinhar propósito e profissão continua a inspirar, mas também levanta reflexões sobre o peso dessa expectativa. Será que a paixão é o único elemento indispensável para alcançar uma carreira significativa? Ou será que encontrar satisfação no trabalho pode vir de pequenas conquistas, de desafios superados e do impacto criado, mesmo quando a paixão não é constante?

Segundo Ana Ruivo, CEO e cofundadora da TEAM 24, uma empresa de apoio psicológico às empresas, a pressão para "encontrar paixão" pelo trabalho é um fenómeno relativamente recente na sociedade, trazido essencialmente pelos millennials e gerações mais novas. "O sentimento de encontrar um propósito, de alinhar os valores pessoais com os organizacionais e também de gostar do que se faz, é cada vez mais frequente, sobretudo para alcançar o chamado equilíbrio entre vida pessoal e profissional. É uma premissa muito válida e que nos faz crescer enquanto pessoas e profissionais, mas, como tudo na vida, se levada ao extremo, deixa de ser algo que nos move para a ação e passa a ser agente de bloqueio e de criação de desmotivação e ansiedade." Para Ana, a paixão pelo que se faz é apenas um fator entre muitos que tornam um trabalho significativo. "Sendo a paixão algo volátil e relativo, podemos gostar de fazer mais do que uma coisa e até de coisas diferentes em diferentes fases da vida. Por isso, a estratégia mais adequada para nos sentirmos realizados profissionalmente é encontrarmos um propósito para aquilo que fazemos, sentir o reconhecimento dos pares e da liderança, criar pequenos objetivos para que cada conquista seja sentida como uma vitória pessoal e coletiva e, acima de tudo, sentir que fazemos parte da empresa, que estamos alinhados com a sua missão e que o nosso trabalho contribui para essa missão." Vânia Borges, diretora de recursos humanos na Adecco Group Portugal, acrescenta: "Antes de iniciarmos uma carreira profissional, não sabemos bem o que vamos encontrar, por isso, é normal que se criem algumas expectativas irrealistas relativamente ao emprego. Num emprego, haverá tarefas que se poderão amar, mas outras que serão uma frustração. O equilíbrio encontra-se quando percebemos que umas não podem ser feitas sem outras e que o resultado final será sempre mais bem-sucedido quando todas forem feitas com o mesmo empenho." Segundo Vânia, trabalhar com "gosto pelo que fazemos" facilita o sucesso profissional. "Isso leva-nos a estar motivados, a querer acrescentar sempre mais e a sentir um entusiasmo natural pelo que estamos a fazer. Contudo, uma dedicação desmesurada ao trabalho terá sempre consequências negativas, tanto a nível pessoal como profissional. Em tudo na vida é necessário equilíbrio. Contribuir em excesso para a empresa pode levar a frustração e desencanto com a função, mesmo que esta tenha sido inicialmente um sonho."

Por outro lado, não é possível estabelecer uma causa-efeito direta entre a idealização do trabalho perfeito e condições como o burnout. Ana Ruivo esclarece: "O burnout é um esgotamento físico e mental causado essencialmente por excesso de trabalho, mais propriamente por exposição contínua e constante, no local de trabalho, a fatores de risco como o stress, a pressão, a carga de trabalho e as relações interpessoais. A necessidade de buscarmos um trabalho perfeito e ideal que nos apaixone pode levar à desmotivação e, indiretamente, a baixa autoestima e a alguns sintomas depressivos, mas não tem relação direta com o burnout." Lidar com a desilusão, no entanto, é um processo contínuo, não só no trabalho, mas em todos os aspetos da vida. "Não há fórmulas mágicas para gerir a desilusão. O que há é um caminho de autoconhecimento e desenvolvimento de autoestima. A pessoa deve conseguir encontrar sempre um propósito no que faz e buscar alternativas caso não se sinta realizada. Colocar as coisas em perspetiva ajuda a gerir a forma como sentimos os aspectos menos positivos."

Pergunto ainda a Ana Ruivo o que pesa mais para o bem-estar profissional: trabalhar com algo que se ama ou sentir-se competente e valorizado, mesmo sem paixão evidente? A resposta é pragmática: "Nas ciências sociais não há respostas exatas, mas eu diria que é mais fácil viver com estabilidade emocional e mental com um trabalho pelo qual não sou apaixonada, mas onde sou competente, reconhecida e valorizada, do que com um trabalho pelo qual sou apaixonada, mas onde não me sinto válida nem importante." Ana evoca a Pirâmide das Necessidades de Maslow, teoria que apresenta a hierarquia das necessidades humanas e que pode ser aplicada ao ambiente de trabalho. "Nesta teoria, temos cinco estádios, onde a 'paixão pelo trabalho' não entra, mas a competência, reconhecimento e autorrealização, sim. Podemos dizer, de forma simples, que, para sentir satisfação no trabalho, preciso de salário e boas condições (necessidades fisiológicas), estabilidade e progressão na carreira (necessidades de segurança), boas relações interpessoais (necessidades sociais), reconhecimento e respeito (necessidades de estima) e, por fim, crescimento pessoal e autorrealização." Esta visão pode justificar a crescente procura por carreiras que alinhem propósito pessoal e profissional. Vânia Borges reforça: "Questões que antigamente não eram levantadas, como a pegada ecológica e os programas de diversidade, passam a ser requisitos colocados pelos candidatos. As novas gerações dão uma importância a este alinhamento de propósito que antes não era tão visível." A paixão é um elemento importante, mas não exclusivo, no caminho para uma carreira significativa. Competência, reconhecimento e propósito mostram-se igualmente essenciais para alcançar o bem-estar profissional. Em última análise, talvez não seja o trabalho que amamos que nos define, mas a forma como encontramos propósito e equilíbrio no que fazemos.

Originalmente publicado na edição The Passion Issue, de fevereiro de 2025, da Vogue Portugal, disponível aqui.

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