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Um parque para o mundo

20 Nov 2020
By Ana Murcho

O que é nacional é bom. E o Parque do Barrocal, um projeto do atelier português Topiaris, é a prova disso mesmo. Na mais recente edição dos World Architecture News Awards, a Topiaris levou para casa o prémio principal na categoria de Paisagem Urbana.

O que é nacional é bom. E o Parque do Barrocal, um projeto do atelier português Topiaris, é a prova disso mesmo. Na mais recente edição dos World Architecture News Awards, a Topiaris levou para casa o prémio principal na categoria de Paisagem Urbana.

Fotografias de Pedro Martins
Fotografias de Pedro Martins

"O projeto do Parque do Barrocal teve início em 2016, na sequência do atelier Topiaris ter ganho o concurso lançado pela Câmara de Castelo Branco com o objetivo de construir no Barrocal uma unidade de recreio e lazer e, simultaneamente, de conservação da natureza.” É assim que começa a monografia onde se apresenta a fenomenal e impressionante história deste empreendimento singular, onde nada foi deixado ao acaso. Tal como referem duas das arquitetas envolvidas, Catarina Viana e Teresa Barão, intervir em 40 hectares de uma unidade paisagística tão singular, integrada em territórios classificados do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO e da Reserva da Bioesfera Transfronteiriça Tejo | Tajo Internacional, uma espécie de “ilha de natureza entre espaços antropomórficos, a Urbe e o Arge, à qual se ligam memórias singulares e coletivas tão profundas dos seus habitantes”, foi um dos maiores desafios profissionais de sempre do atelier.

Face a uma extensa área, que parecia remeter de forma óbvia para o universo dos parques naturais, a proximidade da cidade obrigou a que se pensassem novas tipologias que conjugassem o recreio, a sustentabilidade, o lazer, e a natureza. O primeiro passo, então, foi “desbravar” a zona, percorrê-la de fio a pavio, e descobrir os seus recantos. Os trilhos do Barrocal, uma das suas mais valias, já existiam, mas careciam de recuperação. Eram eles que guiavam o caminho até ao marco geodésico, o ponto mais alto da zona, onde é possível ter uma outra perceção do tempo – e do espaço. Porque, à volta, o que existia eram quilómetros e quilómetros de vegetação, rochas e rochedos, folhas de todas as formas e feitios, fauna e flora desconhecidas (ou inesperadas?), e cores, muitas cores, que mudam ao ritmo das estações do ano.

Era crucial conhecer o Barrocal, saber da sua evolução ao longo do tempo, e do papel que representou, e ainda representa, na cidade e na região. Como se pode ler na monografia que apresenta o projeto, “com cerca de 425 metros de altitude, variando cerca de 30 metros em relação às zonas de relevo mais aplanado de Castelo Branco, o Barrocal é, na sua essência, um sítio de interesse geológico.” Mas não é só. O processo de estudo deu conta da existência de ocupação humana passada, e prova disso “são os fragmentos cerâmicos e de artefactos de sílex e pedra polida, da Idade do Bronze final, encontrados no Santuário Rupestre na zona sul do Barrocal, a 200 metros do marco geodésico. A presença humana do Barrocal revela-se ainda noutras situações, como a existência de clareiras com prados rasteiros, provavelmente associados ao pastoreio e à agricultura em zonas mais aplanadas, que a presença de pequenos núcleos de olival confirma.”

Face a todas estas contingências, era importante traçar metas, entre elas: respeitar, salvaguardar e valorizar o local; promover o aprofundamento do conhecimento científico e a divulgação do património natural e paisagístico nas suas diferentes áreas e dimensões; constituir uma tipologia de “Parque de Natureza” em plena cidade, inovador, único devido às suas características naturais em meio urbano e prepará-lo para ser visitado de forma a garantir a sua fruição em condições de conforto e segurança, sem pôr em causa a proteção e sustentabilidade dos recursos e sistemas que o integram; promover uma gestão racional do parque, tendo em vista a sua sustentabilidade ao longo do tempo, com base num uso equilibrado, compatível com a conservação e valorização dos recursos existentes.

 

Como fazê-lo, tendo em conta a geomorfologia do sítio? Esse foi o maior desafio. A Topiaris decidiu que “o caráter do Barrocal requeria um sentido de intervenção minimalista, poético, e respeitador dos recursos e valores presentes, estes sim os atores principais desta paisagem singular. Quase de imediato surgiu a ideia de criar percursos de passeio e pontos de observação para o estudo e interpretação da paisagem, dos elementos que a compõem e da sua evolução, integrados numa unidade organizada, preparada para acolher de forma confortável e segura os visitantes. Por outro lado, o projeto teria de assegurar a proteção máxima desses mesmos valores e das suas dinâmicas naturais, uma vez que se trata de recursos intrinsecamente frágeis ao pisoteio e a usos humanos intensivos. Por essa razão, e para salvaguardar o parque de vandalismos e usos menos próprios ocorridos no passado, preconizou-se a instalação de uma vedação periférica com um gradeamento sólido, mas transparente. Não foi pensado como uma barreira entre o Barrocal e a cidade, mas sim como um ato que visa a proteção e segurança do Barrocal.”

 

Este é um parque onde todos são bem-vindos. “O acesso aos percursos que compõem a estrutura principal do Parque foi projetado em passadiço metálico. Com cerca de 180 metros de comprimento, este elemento foi designado por Chave do Barrocal, pela sua forma particular em ziguezague, necessária para atenuar as pendentes associadas a uma diferença de nível de cerca de 16 metros. Este elemento, que se impõe pela forma e materialização, foi imaginado como um gesto de convite à entrada e à descoberta da parte superior do parque. Porque os parques – e aqui incluem-se jardins e outro tipo de zonas verdes – como referem as arquitetas, são cada vez mais relevantes no atual contexto pós-pandemia em que vivemos, e são locais cada vez mais procurados pelos habitantes das cidades. E são espaços “cada vez mais democráticos e transversais”, explica Catarina Viana.

De volta ao Barrocal. É daqui que se acede ao Parque Infantil e à Clareira do Olival (estacionamento), “através de um caminho de saibro que se inicia numa pequena ponte de madeira sobre uma linha de água temporária. Daqui será possível também chegar às zonas de merendas previstas para a segunda fase  [de construção] do parque. A inclusão de um Parque Infantil surge como forma de integrar usos fortemente associados ao quotidiano da cidade e com fácil acesso a partir do exterior. O Parque do Barrocal é, para além de um espaço de educação e ciência, uma zona lúdica e recreativa onde as crianças têm um lugar privilegiado.”

 

Um dos ex-líbris do projeto será o Mirante do Barrocal, o ponto mais alto do Parque. Este compete, taco a taco, com o Túnel do Lagarto, “devido ao seu traçado serpenteante, adaptado à geomorfologia do local, e também, pelo ripado de madeira que o cobre de forma particular. Esta estrutura proporciona um jogo de luz e sombras muito especial, projetado no pavimento de saibro, que vai mudando ao longo do dia e das estações do ano. O Túnel do Lagarto constitui, tal como a Chave do Barrocal, um convite à exploração de áreas mais além do Parque e através dele é possível aceder ao Caminho dos Penedos.” Muito mais há para contar, e para descobrir, sobre este sítio mágico, construído com a conservação da natureza em mente, mas para usufruto de todos. Para usufruto do mundo. Deixemos que os mais curiosos se dirijam até ele para, com os seus próprios olhos, perceberem a imensidão desta obra-prima.

Ana Murcho By Ana Murcho

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