Ah, Sex & The City: a série que nos ensinou a amar, a sofrer e, jamais esquecer, a reivindicar o direito das mulheres aos sapatos. Lançada no final dos anos 90, tornou-se o guia não oficial da mulher moderna, moldando a cultura pop com diálogos afiados e visuais de deixar qualquer um de queixo caído. Tentativas modernas, como Emily in Paris, até podem esforçar-se para imitar o brilho da série original, mas falta-lhe alma. A mesma que fez de Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha verdadeiras amigas de copo e confidência.
Aproveitei ter este artigo entre mãos para rever pela enésima vez O Sexo e a Cidade (1998-2004). Eu, que sou alguém que se farta facilmente de livros, filmes e televisão, já vi e revi esta série umas boas dezenas de vezes. Consigo encontrar sempre um novo insight, uma nova piada e, sobretudo, uma mudança na forma de olhar para certas situações ao longo dos anos. Considere-se a relação entre Carrie e Big: quantas vezes já tomei diferentes partidos sobre eles? Depois, há os espelhos, aquelas situações em que nos revemos perfeitamente. Lembro-me de Samantha, apaixonada pelo carismático Richard, confessando às amigas que o perdoa após uma traição: “Sei que me ama / Acredito que se arrependeu / Acredito que se vai esforçar.” Carrie, sempre perspicaz, responde: “A opção é tua e todas devemos respeitar.” E logo em seguida, remata: “Que tal isto para um artigo? ‘Mulheres Desesperadas que Acreditam em Tudo.’” Este tipo de cenas são aos milhares, e cada vez que assisto à série, sou levada a pensar de maneira diferente. O Sexo e a Cidade é icónica, e se Girls (2012-2017), de Lena Dunham, chegou perto de ser icónica, foi graças à sua abordagem mais realista e crua - e também, sejamos honestos, a Lena Dunham. Girls foi same same, but different. Coisa que Emily in Paris (2020-...) está a milhas de distância de conseguir fazer. Sex and the City foi pioneira e revolucionária. A realidade imitou a ficção ou, melhor, confirmou-a. Com Emily in Paris e a sua sucessão de clichês sociais, a ficção imitou a realidade, e não propriamente de forma brilhante. A verdade é que existe um conjunto de diversos fatores que se entrelaçam, tornando O Sexo e a Cidade no fenómeno cultural único que é.
Em primeiro lugar, o seu pioneirismo. O Sexo e a Cidade foi revolucionária na forma como abordou a sexualidade feminina, a amizade entre mulheres e a independência no contexto urbano. Naquela época, quando a cultura de revistas e a Moda estavam em ascensão, a série destacou-se pela sua coragem e inovação. As personagens são, sem dúvida, um dos aspetos mais importantes do êxito da série. Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha são muito mais do que figuras ficcionais; tornaram-se amigas e confidentes, partilhando lágrimas e gargalhadas com o público. Cada uma delas representa diferentes facetas da experiência feminina, e essa diversidade ressoou profundamente entre as espectadoras. As suas histórias, recheadas de complexidade e vulnerabilidade, criaram uma ligação emocional que muitas tentativas de imitação não conseguiram replicar.
Aquelas mulheres tornaram-se arquétipos, simbolizando as lutas e triunfos da vida moderna, e, assim, continuam a ser relevantes. Os diálogos memoráveis também merecem destaque. A série é conhecida pela sua escrita espirituosa e conversas perspicazes que refletem as nuances da vida contemporânea, dos relacionamentos e das ambições pessoais. O Sexo e a Cidade não se limita a ser uma história sobre Moda e romance; explora questões profundas e, muitas vezes, dolorosas que muitas mulheres enfrentam na realidade. Quando falamos de Sex and the City, é impossível ignorar momentos que, de certa maneira, nos marcaram. Um deles é quando Jack Berger, um dos namorados de Carrie na sexta temporada, depois dos gestos “F#$% You” lançados à mensagem da ex-namorada no seu telefone, explica a Carrie que a ex quer "closure". Foi, na verdade, a primeira vez que entendi este termo enquanto conceito na minha vida, essa necessidade de uma "conversa final" depois do término de um relacionamento - se esta é necessária ou não, ainda não cheguei lá. A série introduzia, de maneira casual, conceitos profundos e complexos que, até então, não faziam parte do vocabulário emocional de muitas pessoas. A forma como O Sexo e a Cidade abordava questões como estas é o que a torna tão memorável e diferente das tentativas modernas de imitação. Outro episódio que vem à memória ocorre quando Carrie apresenta Berger às amigas. Durante uma conversa com as "miúdas", especialmente com Miranda, esta pergunta-lhe por que razão um engate ainda não lhe ligou, conforme prometido. Berger lança então o aclamado statement: "He is just not that into you” — em português “Ele não está assim tão interessado”. Esta citação não só ressoou com os espectadores, mas também deu origem a um filme com o mesmo título, solidificando ainda mais a sua relevância na cultura popular. E, claro, não podemos esquecer a cidade de Nova Iorque. A Big Apple não representa apenas um cenário, mas um personagem ativo na narrativa. A cidade desempenha um papel crucial, moldando as experiências e o crescimento das protagonistas. Outras séries tentaram replicar isto, como Emily in Paris com a capital francesa, mas sem o mesmo impacto. Em Sex and the City, Nova Iorque torna-se um verdadeiro personagem, com as suas ruas e locais icónicos que intensificam a história. A Moda, por sua vez, é uma forma de expressão das personagens. Carrie Bradshaw, em particular, usa-a para comunicar a sua identidade e desejos. Os figurinos tornaram-se ícones, contribuindo para o apelo cultural duradouro da série. Em contraste, Emily in Paris parece mais superficial, tratando a Moda como um acessório em vez de um elemento narrativo profundo. Em O Sexo e a Cidade, a Moda não é apenas uma questão de aparência; é um reflexo das emoções e das experiências das personagens. O seu impacto cultural é inegável. O êxito de televisão capturou o espírito de uma época, mas as suas temáticas - como a busca pela felicidade e o equilíbrio entre carreira, amor e amizade - são intemporais. As tentativas modernas de imitar O Sexo e a Cidade falham porque não conseguem recriar a autenticidade emocional e cultural que a série original oferecia no seu contexto. A narrativa de Emily in Paris é repleta de clichês e não consegue aprofundar as complexidades da vida moderna de forma significativa.
Sex and the City foi mais do que uma série de televisão; foi um momento cultural que refletiu e influenciou uma geração. A série continua a ser uma fonte de inspiração e reflexão, reafirmando a sua posição como um marco na história da televisão. Ao longo dos anos, permanece relevante, convidando novas audiências a explorar as suas histórias e a encontrar nas suas personagens um espelho das suas próprias vidas. E, ao recordarmos a relação entre Carrie e Big, não podemos deixar de lado a famosa frase “Ever Thine, Ever Mine, Ever Ours.” As palavras, que pertencem originalmente a Ludwig van Beethoven, ecoam a complexidade do amor, a entrega e a busca pela conexão no meio de altos e baixos. Esta é uma mensagem que não ressoa apenas com a história deles, mas com a experiência humana em geral - o desejo de pertença, de amar e de ser amado. Esta é a verdadeira essência de O Sexo e a Cidade: uma celebração das relações humanas, da amizade feminina, da sexualidade e da independência, temas que continuam a ressoar com força nos dias de hoje. O Sexo e a Cidade é, e sempre será, uma série icónica que, de alguma forma, continuará a guiar as gerações futuras na exploração do que significa ser mulher na sociedade contemporânea. O seu legado não é apenas um testemunho da cultura da época, mas uma afirmação de que, apesar de todas as complicações e desafios, o amor e a amizade permanecem como pilares fundamentais nas nossas vidas. É esta capacidade de conectar, de fazer rir e chorar, de provocar reflexão e discussão, que garante a Sex and the City um lugar eterno no coração das mulheres e na história da televisão.
Publicado originalmente na edição "The Icons Issue" da Vogue Portugal, de novembro 2024, disponível aqui.