A Moda dança e uma fotografia tenta captar este movimento remotamente, na pele de bailarinas e mulheres artistas em confinamento. Um movimento com direção artística de Dani Calicchio e fotografia de Kassius Trindade.
A Moda dança e uma fotografia tenta captar este movimento remotamente, na pele de bailarinas e mulheres artistas em confinamento. Um Movimento com direção artística de Dani Calicchio e fotografia de Kassius Trindade.
Em meados de 2010, a performer formada em Artes Corporais Dani Calicchio iniciou uma pesquisa acerca dos diálogos existentes entre Dança e Moda em parceria com o diretor cénico José Possi Neto. Por volta de 2015, Dani e o fotógrafo autodidata Kassius Trindade, atualmente marido e mulher, deram início a uma exploração fotográfica permanente sobre Dança, Moda e Fotografia a que chamaram Dance in Pause, fotografando dezenas de bailarinos em estúdio fotográfico.
Com o início da atual pandemia mundial e depois de terem que abrir mão do seu estúdio fotográfico pela crise financeira instalada, a dupla decidiu retomar o projeto remotamente utilizando o recurso da fotografia via FaceTime. A ideia foi entrar em movimento para gerar um movimento. Um movimento artístico urgente e profundamente feminino, envolvendo 40 mulheres artistas e fazendo uma referência simbólica à quarentena. Entre as artistas convidadas estão atrizes, bailarinas e coreógrafas de grandes companhias de dança e do teatro musical brasileiro. Um movimento que é um exercício de esperança ao nos colocar diante de tanta poesia e da grandeza da criação artística.
Quais foram as motivações que vos levaram a começar o projeto Dance in Pause? E porque é que decidiram explorar a ligação entre Dança, Moda e fotografia, especificamente?
A semente deste projeto nasceu em 2008, quando eu apresentei ao diretor artístico José Possi Neto um projeto coreográfico de uma dança repleta de pausas e frames, projetada para ser feita dentro de uma vitrine. E ele disse-me: “Sabe que está a falar de Moda? Isto é muito bom. Vamos fazer um projeto audiovisual chamado Dançando a Moda”. E produzimos um material muito requintado e vanguardista na época, apresentando-o a canais de televisão com a proposta de se tornar um programa, mas o Brasil não estaria interessado em algo tão à frente de seu tempo. Em 2010, casei-me com o fotógrafo Kassius Trindade e o projeto , a partir dali, transformou-se num projeto fotográfico.
Certo dia, precisávamos de produzir uma foto para apresentar num evento de Dança, mas eu não pretendia revelar minha identidade e disse: “Kassius, podemos colocar o foco de luz nas formas da minha dança e não exatamente no meu rosto?” E ele criou o conceito de luz que seguiu connosco durante todo o desenvolvimento do projeto, que teve a participação de outros bailarinos e recebeu o nome de Dance In Pause. No início desta quarentena, após termos entregue o nosso estúdio por falta de recursos financeiros e no meio de muita tristeza, saímos desta escuridão aprendendo a fazer arte a partir dos escombros. Retomámos o projeto e decidimos fotografar 40 mulheres artistas nos seus quartos, dançando com os seus lençóis e usando as suas camas como um palco, tudo isto fotografado através de videochamada.
O que significa para vocês o título Dance in Pause?
O nome Dance In Pause foi criado em 2015 e já existia muito antes da quarentena, mas traduz muito bem a fotografia de uma dança feita num momento de pausa, de silêncio como este. O nome veio a partir do resultado da própria fotografia, que nos mostrava que existia um movimento antes do momento fotografado e outro que estaria por vir. Por isto o termo pause e não stop. A foto não é o fim do movimento, ela é um pedaço do caminho do movimento.
Falam de um Movimento. Que mensagem procuram passar com este Movimento que tem lugar no quarto das artistas, em confinamento?
Percebemos que se tratava de um Movimento quando tomámos consciência de que estávamos alinhados com discursos poderosos muito parecidos com os de grandes instituições mundiais, como a ONU Mulheres, vários sites de apoio e empoderamento feminino e outros tantos movimentos contemporâneos com propósitos complementares. Não se trata de ativismo feminista, mas de lançar um olhar importantíssimo sobre a urgência da atuação feminina e as suas qualidades num mundo tão duro. Após cada “sessão fotográfica”, sentíamos que estávamos a ouvir os gritos destas mulheres, que às vezes choravam, às vezes celebravam a vida, mas que acabavam sempre por elaborar os seus sentimentos e por se lembrar do caminho para reestabelecer o seu equilíbrio e o seu poder para atravessar situações adversas como esta. Ao criarmos uma comunidade interessada nestas imagens e no que elas evocam, também criamos um Movimento, onde cada membro acaba por partilhar com outros criando uma rede mais ampla. Mesmo que em algum momento venhamos a fotografar homens, o que é muito possível, esta temática permeará os nossos discursos, visto a necessidade de se falar exaustivamente sobre o protagonismo feminino.
Gal Freire
Gal Freire
A quarentena, tudo o que esta implica e as suas consequências, afetou e afeta muito os artistas e a cultura. Como é que navegaram na quarentena? Como é que se mantiveram ativos criativamente?
Ainda estamos a viver em isolamento social aqui no Brasil e o Dance In Pause tem sido um respiro pessoal e profissional para nós que o produzimos, para as mulheres fotografadas e para o espectador. Ao propormos um espaço de criação coletiva e de produção de poesia e beleza, acabamos por trazer à tona a função da Arte na vida humana, isto é, a capacidade de fabular, regenerar, desconstruir e reconstruir, apontar caminhos, curar. Desta forma, o Dance In Pause tornou-se um portal para superamos as dores e dificuldades profundas deste momento a partir do encontro, da junção de forças, da escuta, do diálogo, estas coisas simples e essenciais, mas de um poder de transformação espetacular.
Como é que imaginam o futuro deste projeto?
A nossa intenção é continuar a empoderar mulheres através desta experiência de dança e fotografia a partir de um contato muito humano, acolhedor. Quando nos propusemos a abrir espaço para falar sobre a situação da mulher artista em confinamento, não era claro para nós que, no fundo, estaríamos a falar também de todas as mulheres do mundo, já que uma mulher no seu quarto elaborando as suas dores, as suas dificuldades, os seus prazeres, é uma imagem universal. Independentemente do projeto ganhar um lugar mais comercial (peças publicitárias, projetos patrocinados, etc…) ou mais artístico (exposições e publicações de arte), o importante é chamarmos a atenção (para além das imagens em si) para o discurso por detrás das fotos, que é um assunto planetário.
Marisa Bucoff
Marisa Bucoff
Retratar movimento através de uma fotografia (que é um meio estático) não é fácil, mas é no movimento do corpo que podemos observar o movimento da roupa no corpo, a forma como os tecidos se comportam... qual é o papel que a Moda teve/tem na vossa carreira artística?
Há alguns anos atrás, o Kassius foi fotógrafo de Moda numa revista no interior de São Paulo no Brasil, onde eu era a stylist dos mesmos editoriais. Além de artista, tive também uma loja em segunda mão maravilhosa e aprendi a desenhar e a costurar roupas, lançando uma pequena marca. A Moda sempre fez parte das nossas vidas permeando as nossas histórias, mas com o projeto Dance In Pause, ela ganhou protagonismo. É muito curioso mas, para nós, fotografar corpos nus não parece fazer sentido. A Moda traz um elemento que pode, a partir do corpo que a move e juntando-se ao acaso, produzir poesia. Quando um tecido é colocado em movimento a partir da força motora dos músculos, ele cria no espaço formas, esculturas, entidades que aguçam a imaginação do espetador, deslocando-o para o universo das abstrações e do imaginário, tão necessário para oxigenar nossa visão ordinária e quotidiana.
A Moda dança?
Tudo, se vivo, move, pulsa, respira. Para nós, Dança é qualquer mínimo movimento ou gesto corporal. E Moda também é movimento, não só quando encontra o corpo de um modelo na passarela ou nas fotos, mas na sua capacidade de acompanhar e traduzir os desejos e anseios do Homem. Então, neste sentido, a Moda dança sempre, pois é fluxo e, como a Dança, só existe porque existe um corpo para lhe dar vida.
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