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Make punk great again: revisitamos a história do movimento

27 Oct 2021
By Pureza Fleming

O estilo punk não é, nem nunca foi, para ser vestido, mas antes para ser encarnado. É das tais coisas que, ou se tem, ou não se tem.

First rule of punk is you don’t follow the rules. Second rule of punk is you don’t follow the rules. O que, traduzido para bom português, significa anarquia e rebeldia pura e absoluta. Muito mais do que um estilo, o punk foi um movimento cujas regras só existiam para serem quebradas e a despreocupação com a roupa era o lema a seguir. O estilo punk não é, nem nunca foi, para ser vestido, mas antes para ser encarnado. É das tais coisas que, ou se tem, ou não se tem. E, não se tendo, blusão de cabedal nenhum nos pode salvar.

© Getty Images
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Se nos debruçarmos um bocadinho sobre o tema, ficamos a pensar: caramba, nós não somos assim tão modernos, tão irreverentes ou sequer insubordinados. Não tanto quanto queremos parecer sempre que nos vestimos de uma determinada maneira. Facto incontestável: vestimo-nos sempre, mas sempre, para transmitir uma mensagem — de quem somos, daquilo que gostamos e que defendemos, dos nossos valores e ideais. Então, se refletirmos um bocadinho acerca de certos estilos de Moda e dos seus movimentos, hoje podemos chegar à conclusão de que não somos assim tão originais, e muito menos rebeldes. Somos uns meninos. Não temos um pingo de rebeldia e limitamo-nos a ser meras cópias dos verdadeiros transgressores das regras, da vida, da sociedade, do sistema.

Curvemo-nos perante o movimento punk. Vemo-lo um pouco por toda a parte: seja nas passerelles ou nos editoriais de Moda, seja em imagens do mais elaborado street style e, mais contemporaneamente, vemo-lo por esse Instagram fora. E lá estão elas, as vestes que melhor caracterizam o movimento: as peças em cabedal — sempre o blusão de cabedal —, as correntes, os cintos cobertos de tachas pontiagudas, as t-shirts de bandas punk, claro, as botas de estilo militar — as botas estilo militar rematadas por enormes plataformas —, os piercings, as tatuagens, a cor preta — sempre a cor preta —, e uma atitude manifestamente revoltada.

Em Corta-e-Cola: Discos e Histórias do Punk em Portugal (1978-1998), de Afonso Cortez, livro publicado em 2017, no ano em que o movimento punk celebrava 40 anos, em Portugal, podem ler-se algumas citações que conseguem elucidar um bocadinho esta linha de pensamento — aquela em que nos considero uns meninos a brincar ao punk. Vejamos: “‘Não abras o dicionário de inglês para saber o significado de punk. Eu digo-te: podre, prostituta, disparate, coisa ou pessoa sem valor. Não procures saber o que pensam os senhores dele e de outros países sobre o referido movimento e respetiva música; há dias, um amigo meu, da tua idade, também lhes chamava isso mesmo: filhos da puta, gente abjeta, cambada de paneleiros, músicos ordinários, só-mortos-a-tiro. Não procures desmentir nada disto nem muito mais que possas ouvir, ainda que to cuspam na cara. Não procures adjetivos, justificações, desculpas ou argumentos para contrariar, porque: 1) Se não és punk, ficas mal visto; 2) Se pensas que és, ficas pior’. António Amaral Pais, A Grande Punkada in Música e Som, 1978”; “‘É importante pôr de lado a ideia de que ser punk é ter o cabelo espetado, roupas rasgadas e ouvir M.O.D., Sex Pistols e Exploited e não ter nada na cabeça! É importante haver consciência e tentar não ser cúmplice de toda esta merda que se alastra cada vez mais!’ Rui Maia, Inkisição”. Em apenas duas citações retiradas deste livro, conseguimos depreender que ser-se punk, naquela época, não era pera doce. Isto, em Portugal. É que a subcultura punk tem as suas origens na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América, mais especificamente na cena undergorund nova iorquina.

Tudo começou por ser uma reação da juventude, por volta da década de 70, perante um panorama em que as coisas pareciam sair do seu controlo — do governo à política, passando pela economia e, obviamente, todos os issues de cariz social que daí advieram. O período pós-Segunda Guerra Mundial viu minorias étnicas, mulheres e LGBTQIA+, todos numa luta ferrenha pelos seus direitos. Na Grã-Bretanha, havia desemprego em massa, mudanças nos padrões morais e níveis crescentes de pobreza. Do outro lado do oceano, os Estados Unidos lidavam com a rebelião contra a Guerra do Vietname, a “Nova Direita” (um movimento que enfatizava o conservadorismo político e os papéis familiares tradicionais), o Watergate, entre outras questões. Estimulada por uma nova onda de músicos, como era o caso dos Ramones, dos The Clash ou dos New York Dolls, a subcultura jovem vestia-se de forma a demonstrar os seus sentimentos de desilusão, desagrado e, claro, de rebeldia. Eles desafiavam as normas da Moda ao vestir t-shirts com slogans, roupas rasgadas com alfinetes, cabelo e maquilhagem alternativos e inequivocamente sexuais.

Havia uma aparência DIY (Do It Yourself) — uma das características do estilo punk — pois tudo era feito a partir de uma necessidade, em grande parte peças oriundas de lojas de objetos em segunda mão e daquilo que tinham em casa. Coube a designers como Vivienne Westwood e Jean Paul Gaultier tirar a Moda punk das ruas e de a traduzir, bem como ao seu possante sentimento de frustração e de opressão, para as passerelles. Na realidade, é a Vivienne Westwood e ao seu namorado e agente da banda Sex Pistols, naquela época, Malcolm McLaren, também considerado o “pai do punk”, que se deve a grande propulsão deste movimento. À frente da loja Sex, o casal era o grande responsável pelo visual transgressor da banda Sex Pistols, graças à visão vanguardista que tão bem os caracterizava. Foram eles os primeiros a vender roupas em cabedal repletas de zíperes, numa época em que o movimento peace & love, propagado pelos hippies, se encontrava fortíssimo.

Punk. A palavra significa realidade, podridão, sujidade, insanidade. O movimento levantava a bandeira da desilusão, sendo o seu lema: no future. Consigo, o estilo trazia uma linguagem que se tornaria anárquica, barroca e desesperada. Cada peça de roupa era usada com afinco e intenção. O uso dos blusões pretos de cabedal significava que quem os usava defendia o próprio cabedal como quem defende a própria vida: não se pode roubar um biker jacket, pode recuperar-se um, ou despojá-lo de alguém que não o esteja a usar ou que não se saiba defender — era esta a máxima. Considerados sadomasoquistas, ostentavam esse mesmo gosto ao usar pulseiras com tachas, os tais alfinetes, além de guitarras que eram empunhadas como se de metralhadoras se tratasse. Vistos como marginais, drogados, travestis, prostitutos, suicidas e sonhadores, invocavam o espírito da mudança. Não se tratava somente de uma cultura visual ou musical, era, acima de qualquer outra coisa, uma crítica e um ataque frontal a uma sociedade exploradora, estagnada e extravagante nos seus próprios vícios. Mais revolução do que estilo e do que movimento político, mais sentimento do que consciência, o movimento tinha, como primeiríssima regra, a ausência das regras: a anarquia.

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Ser punk era quebrar as regras ao invés de as criar, era a despreocupação em usar as roupas certas ou de se verbalizar os clichês certos. Era pensar e expressar-se por si, e em grupo, é claro. Embora tenha florescido fora da órbita daquilo que é considerado mainstream, o movimento punk foi imediatamente assimilado pela indústria da Moda, que não tardou a absorver o visual rebelde e repleto de sex appeal das bandas punk e dos seus seguidores. É certo que uma das grandes responsáveis por tornar este movimento numa tendência de Moda foi a designer Vivienne Westwood, mas, convenhamos, toda ela tinha (tem) escrito punk por toda a parte — Westwood é punk por dentro e por fora, então o mérito é seu por inteiro. Quem também soube levar o punk para as passerelles, digamos que com propriedade, foi o designer britânico Alexander McQueen (1969-2010). E, também, Jean Paul Gaultier, já mencionado, Anna Sui ou Commes des Garçons. Depois, poderíamos gastar caracteres e caracteres a enumerar todas as vezes em que o punk marcou presença nas semanas de Moda e nos principais editoriais das melhores publicações do género.

Jean Paul Gaultier Alta-Costura primavera/verão 2011. Alexander McQueen outono/inverno 2009. Comme Des Garçons outono/inverno 2019. © Getty Images
Jean Paul Gaultier Alta-Costura primavera/verão 2011. Alexander McQueen outono/inverno 2009. Comme Des Garçons outono/inverno 2019. © Getty Images

A influência deste movimento na indústria da Moda foi de tal maneira forte que, em 2013, o Costume Institute, do Metropolitan Museum, inaugurou uma exposição para mostrar o impacto deste estilo nas grandes Maisons da Moda, sob o tema Punk: Chaos to Couture. Atualmente, jovens designers, como é o caso de Alexander Wang, ajudam a propagar a vertente punk na Moda: botas pesadíssimas de plataformas gigantes ou sandálias cobertas de tachas e de picos são criações recorrentes no universo do designer americano. Também o italiano Riccardo Tisci tem tido por hábito trazer para as catwalks o mood dark e transgressor do punk, usando e abusando de piercings e da cor negra. Além da cena underground da música, ícones de estilo como a ex-diretora da Vogue Paris, Carine Roitfeld, conseguiram mostrar ao longo dos seus percursos na Moda, e com doses de excelência extra, que é possível ser-se sofisticado e rebelde ao mesmo tempo.

“Sempre amei a estética punk. Não tenho nenhum piercing ou tatuagem e nunca rapei o meu cabelo. Mas a minha visão é punk, tenho uma mente rebelde. Odeio quando as pessoas dizem que algo não pode ser feito”, defendeu Roitfeld, forte adepta do look clássico fetichista composto por saias justas de couro e largos cintos. Não se tendo o punk “cá dentro”, que ao menos se use alguma rebeldia como acessório.

 

Artigo originalmente publicado na edição de outubro de 2021 da Vogue Portugal.

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