Foram incompreendidos, como todos os génios. Quebraram as regras, como os verdadeiros revolucionários. Hastearam a bandeira da Moda e acabaram por tornar-se parte dela. Despiram-se de preconceitos só para, depois, se cobrirem de roupas absolutamente extraordinárias.
Foram incompreendidos, como todos os génios. Quebraram as regras, como os verdadeiros revolucionários. Hastearam a bandeira da Moda e acabaram por tornar-se parte dela. Despiram-se de preconceitos só para, depois, se cobrirem de roupas absolutamente extraordinárias.
Estes são quatro dos nomes que nos ensinam que o estilo é uma arma, independentemente do género, independentemente da nacionalidade, independentemente de tudo. Tomaram a roupa como sua para nos mostrar que nós vivemos dentro de nós, connosco, com a nossa pele, e é essa pele que podemos escolher mostrar ao mundo. É essa pele que podemos cobrir de nós próprios, de deixar falar sem palavras, de inspirar em atos. Agir pode ser tão simples como vestir aquele casaco. Ser livre pode ser tão simples como não ter medo.
David Bowie
Mod, hippie, Ziggy Stardust, Aladdin Sane, palas de olhos, rapar as sobrancelhas, womenswear, pouco escapou à jornada pela individualidade de Bowie. Ele foi o primeiro, o original, o que trouxe as ch-ch-changesem cada novo lançamento, tourou simples aparição. Ele fez mais do que qualquer outra pessoa para introduzir a androginia no mainstreame colocou tantos pontos de interrogação que creio ter vindo daí a expressão questão de género. Vejamos as coisas desta forma: não havia Instagram na era de Bowie, por isso, ele funcionava como uma porta para um mundo distante (não necessariamente geograficamente) de imagens, cultura, sons e um storytellingque era produto dele próprio e que vivia sem filtros. Ele deu a gerações de adolescentes o empurrão de que precisavam para serem eles próprios. Ele inspirou, inspira, uma indústria que é perita em sacudir (okay, às vezes, criar) preconceitos, a da Moda.
“Nasci literalmente com um álbum do David Bowie na minha cabeça” — disse Hedi Slimane em 2010. A música Fashion, dos anos 80, já providenciou mais soundtrackspara desfiles de Moda do que Louboutin pintou solas de vermelho. Lady Gaga, Kate Moss, Givenchy, Lanvin, Jean Paul Gaultier — podia continuar o dia todo a listar quem já se inspirou em Bowie. Yamamoto viajou a meio da noite e cancelou os planos por uma semana porque um amigo lhe ligou a dizer que havia uma pessoa que ele tinha mesmo de ver. “As minhas roupas era feitas para modelos, esta foi a primeira vez que foram usadas por um artista ou cantor” — disse o designer. Não me interpretem mal, mas Bowie personificou o maior clichédo estilo: tudo funciona com a atitude certa. Se lhe disser que a famosa pala surgiu para tapar uma conjuntivite antes de uma entrevista, arruíno tudo? Okay, então, não digo (mas foi).
Grace Jones
Grace Jones em dezembro de 1984 © Fox Photos/Hulton Archive/Getty Images
Grace Jones em dezembro de 1984 © Fox Photos/Hulton Archive/Getty Images
“Sinto-me feminina quando me sinto feminina e masculina quando me sinto masculina, sou uma inversora de papéis” — e isto poderia bem definir tudo aquilo que estou prestes a escrever. #Sóquenão. Grace Jones é uma multiplicidade de versões e disposições, dá cambalhotas em si própria e ri-se de tudo isso. Ela gostava, e ainda gosta, de vestir-se tanto quanto de despir-se, ela personificava o termo queerantes de sabermos o que queria dizer, ela chegou à Cidade das Luzes e fez curto-circuito da primeira vez que saltou para a mesa de um clube noturno e deu um show. Estávamos nos anos 70, Grace tornou-se modelo e partilhava quarto com Jerry Hall e Jessica Lange.
Bom, não por muito tempo. Mudou-se para Nova Iorque, onde se tornou habituéeno Studio 54 e na Factory, de Andy Warhol. Quando o discose tornou piroso, reciclou-o pelo new wave rockcom influências reggaee, depois, beliscou o cinema. Cabelo reto e visuais egípcios, cyborgsespelhavam a imagem de alguém que nunca deixou de surpreender-se a si própria (quanto mais aos outros; já gritou com o apresentador Russell Harty, foi barrada na after partydos Grammy, ameaçou com uma arma um namorado e já deu conselhos sobre como consumir cocaína — pista: não é pelo nariz). Uma infância restrita, violenta e imposta, uma adolescência com uma fase nudista e outra go-go dancer; hoje, Grace gosta de dizer que existe em diferentes time zonese que tem 5 mil anos. Alguém se atreve a duvidar?
Katharine Hepburn
Katharine Hepburn em março de 1953 ©Evening Standard/Getty Images
Katharine Hepburn em março de 1953 ©Evening Standard/Getty Images
No segundo em que vestiu as calças, Hepburn mudou o percurso. E fê-lo de forma mais ou menos orgânica. A sua mãe era a fundadora de uma associação que lutava pelo controlo de natalidade e Hepburn chegou a ajudá-la a distribuir balões que diziam votes for womene, aos nove anos, rapou o cabelo, roubou as roupas ao irmão e declarou que se chamava Jimmy, “porque os rapazes se divertiam mais”. E aqui está a sua introdução. Ela não era a típica diva da altura, mas uma mulher com uma cabeça moderna e um par de calças a condizer, o que fez Hollywood ficar bastante confusa quando ela chegou ao grande ecrã em 1932. Ela não sabia fazer cenas de amor que não envolvessem ficar de pé e olhos nos olhos com o outro ator. Ela sombreava os homens com os quais contracenava.
Quando trabalhava na RKO, usava jeansno estúdio e, quando os confiscavam do seu dressing room, reaparecia em setde cuecas. Quando, em 1951, o Hotel Claridge, em Londres, a informou de que as mulheres não podiam usar slacksno lobby, ela virou costas e usou a entrada do pessoal. George Cukor, que realizou Bill of Divorcement, resume: “A audiência nunca tinha visto uma rapariga assim, parecia ladrar para eles.” Mas todos gostamos de personalidade. “Não vivi como uma mulher, vivi como um homem. Fiz o que bem me apeteceu, ganhei dinheiro suficiente para me sustentar e não tenho medo de ficar sozinha”, respondeu a Balbara Walter, numa entrevista de 1981. No segundo em que vestiu as calças, Hepburn mudou o percurso. Do estilo, do mundo, de nós.
Prince
Há quem estique a corda das regras estereotipadas de estilo e, depois, há Prince. Ele desafiou sexo, raça, rock‘n’rolle lantejoulas num guarda-roupa só. Flares, botins com salto, blusas vitorianas, crop tops, franjas pré-Balmain e aquelas calças sem rabo nos MTV Video Music Awards de 1991, não havia risco que não estivesse disposto a correr. E, dizia ele, não corria por gosto.
“Uso o que quero porque não gosto realmente de roupa.” Gosta de Prince? De que década está a falar? Camaleónico, cada lufada de estilo definiu uma era diferente na música, na Moda e na forma como vemos o mundo, naquilo que começou como música de fundo e desabou na conversa que estamos a ter aqui, hoje, sobre género. Como disse um comovido Frank Ocean no seu tributo: “Ele fez-me sentir confortável sobre como me identificava sexualmente, simplesmente pela sua mostra de liberdade e pela irreverência sobre a ideia arcaica de conformidade de género.” As suas músicas fizeram-nos pensar mais e maior (e depois vesti-lo). Ele faz-nos querer dias de chuva (desde que roxa) todos os dias.
*Artigo originalmente publicado na edição de janeiro 2018 da Vogue Portugal.
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