Ainda que o nosso interesse por celebridades seja meramente virtual, muitas vezes as emoções associadas são, assustadoramente, reais.
Ainda que o nosso interesse por celebridades seja meramente virtual, muitas vezes as emoções associadas são, assustadoramente, reais.
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Há um novo termo a ser utilizado na cultura digital e, não, não é o metaverse, é sim a relação parassocial. Ainda que muitos o utilizem de forma impulsiva e trivial, no cerne encontra-se a explicação a perguntas que merecem resposta. Magnetismo por revistas cor-de-rosa. Canais dedicados a gossip no Youtube. Fóruns online. Claramente queremos saber da vida dos outros e as relações parassociais explicam esse interesse. A origem está na nossa natureza enquanto animais sociais. Pela a nossa própria sobrevivência é difícil prevenirmos-nos de criar algum tipo de dinâmica com pessoas que vemos todos os dias. Mas porquê com pessoas com as quais não temos qualquer tipo de relação?
O surgimento
As relações parassociais não são um fenómeno moderno. Este conceito foi cunhado em 1956 por Donald Horton e R. Richard Wohl, devido à proximidade que o público sentia que tinha com as personagens de programas de televisão como I Love Lucy. Descrito como uma relação unilateral que, sobre a ilusão de reciprocidade, cria uma ligação psicológica, emocional e íntima com outro que poderá nem ter conhecimento da existência do primeiro. Será importante destacar que não é necessariamente o tempo que passamos a pensar sobre algo que determina a condição de relação parassocial, mas sim a forma como pensamos. Podemos passar o dia inteiro a pensar sobre o último escândalo em qualquer uma das sagas de cultura popular moderna, mas só quando nos começamos a sentir pessoalmente envolvidos nas vidas de outros que não têm conhecimento do nosso primeiro e muito menos último nome, é que a parassociabilidade se estabelece.
O que sentia no passado face a personagens fictícias sente-se hoje em dia com pessoas reais, em grande parte devido à popularização de redes sociais nas nossas vidas. Ao sermos bombardeados com as personalidades, atividades quotidianas e a totalidade dos pensamentos diários de diferentes celebridades inevitavelmente iniciamos uma certa intimidade unilateral. Ao catalisador que é a cultura da Internet moderna adiciona-se a individualização que se tornou sinónimo com a civilização moderna. Quando nos sentimos carentes de relações próximas, a nossa natureza social descompensa e começamos de forma inconsciente a procurar companhia em tudo e todos à nossa volta. Aprofundamos laços emocionais com pessoas para os quais somos perfeitos estranhos pela solidão omnipresente do mundo em que vivemos. Na ausência de conexão humana, internalizamos os nossos instintos para sentir o reconforto de companhia alheia.
Este acaba por ser um ciclo vicioso, quanto mais isolados ficamos mais o medo da rejeição aumenta, vários estudos comprovam que relações sociais podem ser um padrão de pessoas que se sentem socialmente destituídas. Não que o tenha de ser obrigatoriamente. Podemos apenas desejar alguém que nos compreenda a um nível que mais ninguém nos entende, e, também por essa intimidade, criamos fantasias com perfeitos desconhecidos. Essa forma de intimidade, aquela pela qual nos temos de expor de forma extremamente vulnerável pode ser assustadora. A rejeição tem implicações catastróficas para o ego. Nesse sentido, uma relação parassocial garante segurança face a esse risco, porque nunca teremos de verdadeiramente enfrentar uma reação negativa.
A explosão do parassocial
O fenómeno só se exacerbou com o surgimento da atual pandemia mundial e a forma como esta redesenhou a maneira como nos conectamos socialmente. As oportunidades de interação cara-a-cara diminuíram, particularmente em períodos de confinamento. Passámos a socializar online, aceitámos a conexão através das redes sociais como a norma, e dessa forma corroemos a linha que separa o real do parassocial. Se recebemos a mesma validação social da forma como comunicamos com um amigo, do que como interagimos com uma celebridade online, como é possível fazer a distinção nos nossos instintos afetivos?
O parassocial não é de todo acidental é aliás, frequentemente, estimulado por toda uma indústria com muito a ganhar do nosso investimento pessoal em pessoas que nunca conhecemos. A tendência não é nova, todos nos lembramos do furor à volta da Princesa Diana, agora reacendido por filmes e séries como Spencer ou The Crown. Muitos são aqueles que capitalizam o fenómeno para lucro pessoal. A indústria da Música e do Cinema há muito que percebeu as oportunidades económicas de tal condição, quando as pessoas se sentem emocionalmente investidas no sucesso dos seus artistas favoritos, fazendo de tudo para que estes continuem no auge. Muitos esgotam as suas próprias finanças para comprar o que um artista vende ou ouvem músicas em loops intermináveis para garantir o sucesso do streaming, por exemplo. Outras indústrias já começam a capitalizar a partir do fenómeno, como o McDonald 's, que no último ano lançou inúmeras colaborações com nomes como Travis Scott ou Mariah Carey.
A indústria musical coreana, ou como é mundialmente reconhecida K-Pop, é perita em fomentar relações parassociais. As empresas por detrás das bandas mais famosas do panorama atual, como BTS ou Twice, certificam-se que as vidas dos “idols” (como são conhecidos os membros das mais diversas bandas), são partilhadas ao extremo. Sempre acompanhados dos seus gerentes, os idols fazem lives, vlogs, e toda uma miríade de conteúdo para os seus fãs consumirem. Desta forma garantem que os seus fãs mais devotos têm sempre algo com o qual interagir, oferecendo a sensação que estão a partilhar as suas vidas com estes.
O futuro destas relações
Ainda que maioritariamente inofensivas, as relações parassociais têm de ser proximamente analisadas para garantir a sua inocência. Existem três fases pelas quais uma relação deste género poderá evoluir: primeiro a mais inócua, entretenimento-social; segue-se a intensa-pessoal, que nos vê a atribuir emoções a pessoas desconhecida; e finalmente a fase patológica, nesta uma pessoa poderá perder o sentido da realidade que comanda a relação, pensando no afeto que sente como mútuo, eventualmente ficando perturbado caso essa ilusão se quebre. Desta fase são notórios os casos de stalkers ou de fãs obcecados que dedicam a sua vida para que uma determinada celebridade reconheça a sua devoção.
A maioria das pessoas mantém as suas relações parassociais extremamente saudáveis, comentando apenas as vidas como puro entretenimento. Aliás a relação que todos temos com celebridades públicas é parte da forma como funcionamos enquanto sociedade. As suas vidas tornam-se parte da nossa cultura partilhada, algo para falar no elevador ou no local de trabalho. Nesse sentido as relações parassociais ajudam-nos a estabelecer novas conexões sociais, quase como amigos em comum. Adicionalmente, em tempos de isolamento causados por uma pandemia, as relações parassociais servem como imitação temporária quando não temos acesso a nenhum outro tipo conexão. Os especialistas concordam que mais vale uma relação parassocial do que nenhuma outra, desde que esta não se transforme num substituto permanente da forma como interagimos cara-a-cara.
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