Após dois anos de guerra em grande escala, o fotógrafo Brett Lloyd capta a resiliência da vida ucraniana atual

06 Mar 2024
By VENYA BRYKALIN

A modelo Karyna Mazyar e os cadetes do Liceu Militar Ivan Bohun em Kiev, fevereiro de 2024 Fotografia: Brett Lloyd, Vogue, Ucrânia.

"No meio do terror desta guerra, encontrei pessoas com tanta bondade e criatividade", diz Brett. "Espero que esta história traduza a mensagem de esperança e resiliência. Quero que o público internacional saiba como a Ucrânia está viva neste momento."

As conversações com o fotógrafo Brett Lloyd começaram muito antes da guerra. Na altura, estávamos a sonhar com uma sessão fotográfica para uma próxima edição da Vogue Man. Esses planos foram interrompidos a 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia lançou a sua invasão em grande escala da Ucrânia. Como os cidadãos do sexo masculino estavam a fazer fila para se alistarem no exército, desistimos temporariamente desse título. No outono passado, Brett e eu encontrámo-nos em Paris para discutir outra ideia: Será que ele podia ir à Ucrânia e fotografar o que via para a Vogue? Sem hesitar, Lloyd estava pronto para ir.

No final de novembro, Brett e o seu assistente embarcaram numa viagem de 24 horas de Londres a Kiev, via Varsóvia. (Não há viagens aéreas no país; para entrar, é preciso apanhar um comboio ou conduzir um carro). Esta foi a sua primeira visita. Concordámos que o ensaio fotográfico não deveria ser sobre moda. Em vez disso, Brett queria conhecer pessoas reais, ouvir histórias reais e documentar a estranha realidade da vida ucraniana, em que a tristeza e a alegria, o trauma e a esperança andam de mãos dadas. Traçámos o mapa da sua viagem através do país em guerra (um labirinto logístico cheio de negociações complicadas e protocolos governamentais).

Oksana Rubanyak Xena, escritora e comandante de pelotão de uma brigada das Forças Terrestres Ucranianas, fotografada em Kiev, em fevereiro de 2024.
Brett Lloyd, Vogue, Ucrânia.

A nossa equipa começou em Kiev. Brett conheceu Hanna Vasyk, uma gestora de arte de 38 anos que se tornou médica do exército. Chegou ao estúdio diretamente da linha da frente do Sul, visivelmente stressada e cansada. "Acho que tenho stress pós-traumático", avisou a nossa editora executiva de moda Marta Bertman, que supervisionou o projeto no terreno e acompanhou Brett no seu percurso. Mesmo assim, Vasyk estava feliz por ter vindo. Sentou-se para um retrato, em cima de uma mesa nos escritórios da Vogue, vestida com um uniforme caqui, as suas jóias - brincos, anéis, colares - e os seus medalhões do exército. "Senti a sua força, mas também a sua fragilidade", diz Brett.

Bohdana Golub, mestre de jiu-jitsu (campeã da Europa em 2022) e voluntária militar.
Brett Lloyd, Vogue, Ucrânia.

A equipa continua o seu passeio pela capital ucraniana, que está inesperadamente viva. Brett foi a um clube de motociclistas local. Fotografou o seu proprietário, Artem Grot, muito tatuado, num hangar. O campeão nacional de jiu-jitsu e veterano do exército, de 24 anos, perdeu o pé esquerdo na zona de guerra há quatro anos. Continua a competir. As imagens de carros queimados e trincheiras lamacentas que vê no portefólio são do centro de treino em Kiev, onde os defensores ucranianos se preparam antes de irem para a linha da frente.

Alunos do clube de jiu-jitsu Honey Badger BJJ Kyiv Family.
Brett Lloyd, Vogue, Ucrânia.

À medida que as temperaturas na Ucrânia se tornavam mais frias e os dias mais sombrios, Brett e a equipa dirigiram-se para Kharkiv, uma importante cidade ucraniana que tem sido bombardeada ininterruptamente pelos russos desde o início da guerra. Segundo uma estimativa aproximada, um quarto da cidade foi destruído.

Uma manhã, Marta enviou-me uma fotografia da equipa a tomar o pequeno-almoço num café à beira da estrada em Kostyantinivka, uma cidade industrial que fica a cerca de 15 minutos de carro da linha da frente. O café pertence a um casal georgiano que, apesar do perigo imediato, se recusa a evacuar. Queriam ficar e cuidar das tropas ucranianas que se dirigiam para a frente. Na cidade mineira de Toretsk, quase arrasada pelos bombardeamentos constantes, Brett conheceu um padre ortodoxo local, que também decidiu ficar. Diariamente, desloca-se entre as igrejas locais danificadas - algumas com paredes e tectos em falta - mas continua a servir os seus paroquianos. "Depois de passarmos por cada um dos postos de controlo militar, penso que mais de 15 no total, encontrámos um grande espírito comunitário nas aldeias que visitámos", recorda Brett. "Os mercados estavam ocupados... as pessoas mais velhas continuavam com a sua vida quotidiana, fazendo compras e visitando a igreja. Tudo isto acontecia com os sons da guerra como pano de fundo. O facto de ver os habitantes locais a agir com calma também influenciou o meu nível de calma. Não vi qualquer angústia nos seus rostos, por isso continuei".

Сadete do Liceu Militar Ivan Bohun.
Brett Lloyd, Vogue, Ucrânia.

A modelo Karyna Mazyar e os cadetes do Liceu Militar Ivan Bohun.
Brett Lloyd, Vogue, Ucrânia.

Brett regressou à Ucrânia no início de fevereiro. Desta vez, quis concentrar-se na vida dos civis e dos membros da nossa cena criativa emergente. No Instagram, Lloyd encontrou fotografias de The Witch of Konotop, uma produção esgotada do realizador Ivan Uryvskyi, que está a fazer furor em Kiev. Foi ao teatro Franko para fotografar o elenco em traje completo no palco do cenário fantasmagórico. Brett apontou a sua objetiva a uma série de criativos: Danylo e Denys (ambos com 20 anos), um casal gay com o cabelo pintado com as cores nacionais ucranianas, o amarelo e o azul; Oksana Rubanyak, também conhecida por Xena, uma escritora de 21 anos, que publicou dois livros de poesia e que agora é comandante militar. Depois, temos Karyna Mazyar, uma jovem modelo da cidade de Zhytomyr, que sentimos encarnar o espírito inquebrável da juventude ucraniana. Pode vê-la na capa, acompanhada por jovens cadetes do liceu Ivan Bogun, o estabelecimento militar mais prestigiado do país.