Lesya Ivanivna Snigur lidera a estação de Lukyanivska no metro de Kiev, que se tornou num refúgio para milhares de cidadãos desde o início da invasão de larga escala.
Fotografia de Lesha Lich
Fotografia de Lesha Lich
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Criar e interessar-se por Beleza no meio da guerra não é uma tarefa fácil, no entanto ao longo dos últimos meses os ucranianos descobriram uma imensa e interminável fonte de inspiração: as pessoas que estão a lutar pelo seu país e pelas suas vidas. A ideia de criar um projeto dedicado às mulheres a servir na guerra surgiu em março - quando a equipa da marca ucraniana NUÉ se encontrava a tentar resgatar a sua produção de Kiev. O resultado de vários dias de sessões fotográficas e entrevistas são seis histórias da constante batalha pela vida, pela pátria e pela Beleza - como uma humilde forma de agradecer a estas e a todas as mulheres ucranianas que lutam, protegem e reconstroem o seu país.
Lesya Ivanivna Snigur lidera a estação de Lukyanivska no metro de Kiev, que se tornou num refúgio para milhares de cidadãos desde o início da invasão de larga escala. Foi aí que as pessoas se esconderam e ainda se escondem dos ataques dos mísseis, já que o metro é um dos abrigos mais seguros. Lesya Ivanivna falou sobre humanidade, apoio mútuo e o calor que reinou no metro durante as primeiras semanas e meses após o fatídico dia de 24 de fevereiro.
Sobre a própria
“Nasci na região de Kiev, na cidade de Fastiv. Os meus pais e avós trabalharam desde sempre nos caminhos de ferro e, embora só me tenham levado a trabalhar com eles uma vez, queria continuar esta tradição familiar, por isso inscrevi-me na Kyiv Technical School of Railway Transport. Quando chegou a altura de escolher entre os comboios e o metro, escolhi o último, porque estava interessada em saber como este grande mecanismo funciona no seu interior. Foi assim que comecei a minha carreira aqui, primeiro como operadora na estação de Maidan Nezalezhnosti, depois como operadora em serviço, passando mais tarde para a posição de chefe da estação de Lukyanivska em 2008. As minhas principais responsabilidades são controlar os empregados da estação e o serviço de trânsito. Cada manhã começa com uma inspeção da estação - confirmo se existe algum defeito e se algo precisa de ser reparado e, nesse caso, envio os pedidos aos respetivos serviços. Depois, há trabalho a fazer junto da equipa - confirmo como correu o seu turno, observo os seus horário, controlo que trabalhos foram realizados. Quaisquer conflitos com passageiros, que acontecem de vez em quando, também devem ser resolvidos com a chefe da estação.”
Sobre o seu trabalho durante a guerra
“Vivi no metro durante o primeiro mês. Não tinha simplesmente a possibilidade de regressar a casa, e não era porque quase não havia transportes públicos. Sentia que era a minha responsabilidade para com as pessoas que estavam na estação - seja os trabalhos ou quem lá encontrou abrigo. Nos primeiros dias tínhamos até 800 pessoas na estação, incluíndo crianças e idosos, pessoas com animais de estimação… Estavam sempre lá. Depois, aquele que viviam mais perto começaram a ir para casa e regressavam para passar a noite na estação, já que se sentiam mais seguros desta forma. Agora não querem lá passar a noite, mas quando os ataques dos rockets às cidades ucranianas voltarem a ser mais frequentes, mais pessoas irão começar a ir para a estação durante os alertas de ataques aéreos.
Enquanto funcionários do metro, já fomos treinados, o que nos deu uma melhor perceção de como devemos agir perante vários tipos de emergência. Todos os anos temos aulas de proteção civil, onde treinamos como agir em cada caso, o que fazer, por exemplo, durante um incêndio ou no caso de haver um alerta de radiação. Isto ajudou-nos a agir de forma eficaz durante as primeiras semanas, que foram as mais difíceis.”
Fotografia de Lesha Lich
Fotografia de Lesha Lich
Sobre a vida no metro
“Fiquei maravilhada com a maneira tão bonita como as pessoas se ajudavam mutuamente enquanto estávamos no abrigo subterrâneo. Pessoas que não se conheciam entenderam-se, apoiaram-se, e até a nós nos ajudaram, porque, por exemplo, não tínhamos funcionários de limpeza suficientes - só havia um e a estação tem uma casa de banho e instalações sanitárias que precisam de ser limpas, especialmente com tantas pessoas. Rapidamente as pessoas começaram a ficar doentes - passar tantas noites e dias sentado num chão de mármore frio não é fácil, e isto foi no final de fevereiro e início de março, que é uma altura muito fria. Nem sequer tínhamos chá nessa altura, apenas água a ferver, por isso, a minha equipa e eu fomos buscar coisas aos nossos próprios armários e tentámos partilhar o que tínhamos com as pessoas. Quando os supermercados estavam fechados, nos primeiros dias, as pessoas que estavam na plataforma nem tinham nada para comer… Toda a gente partilhava tudo com toda a gente. Depois, os voluntários começaram a oferecer ajudar. Encontramos pão e toucinho em algum lado e comecei a fazer sanduíches com um colega. Foi aí que rebentei em lágrimas, ao aperceber-me das condições que nos foram forçadas. Vivemos em paz, mas agora temos de nos esconder no metro. E no meu aniversário, a 13 de março, quando era impossível encontrar algo doce, os meus colegas fizeram, não sei bem como, um bolo de bolachas e iogurte, encontraram velas, e todos os passageiros da estação comemoram - foi muito bom. Pode parecer estranho, mas foi um dos meus melhores aniversários - estar rodeada de tanta gente tão bonita fez com que fosse muito especial.”
Sobre a Beleza
“Para mim, a coisa mais importante é a beleza espiritual, a que veio dentro, que se manifesta em ações, nos pequenos detalhes, no comportamento, no quão mais humanos todos nos tornámos. Sinto-me orgulhosa do nosso povo, porque temos almas tão bonitas. Ultimamente não tenho tido tempo para pensar na Beleza externa, nem na minha nem na dos outros, porque não é a coisa mais importante de momento.”
Sobre 24 de fevereiro
Às 5 da manhã, um amigo ligou-me a dizer que a guerra tinha começado. Não queria acreditar porque não ouvi nenhuma explosão. Já eram 7 da manhã quando fui à rua e ouvi o som das sirenes. Tudo dentro de mim foi virado do avesso, era o quão assustada eu estava… Vi pessoas a correr para a estação de metro com os seus pertences, malas de viagem, com crianças e animais. É impossível explicar o que senti. Depois, tive de fazer uma escolha - ou ia para casa em Fastiv ou ficava a trabalhar. Disse à minha família que ia ficar, que tinha escolhido ficar aqui, para apoiar os meus colegas e porque me sentia responsável por todas aquelas pessoas. Não podia simplesmente ir embora e os meus entes queridos compreenderam isso.
Sobre o dia mais negro
Tornou-se difícil no dia 15 de março, quando, às 5 da manhã, um míssil atingiu uma infraestrutura perto da estação de metro de Lukyanivska. Nesse momento, eu estava no meu escritório e o teto colapsou mesmo em cima de mim. Fiquei chocada, mas depois apercebi-me de que estavam muitos trabalhadores na estação e o meu primeiro pensamento foi: ‘espero que estejam todos vivos.’ Não consegui encontrar o meu telemóvel durante algum tempo para garantir aos meus entes queridos que estava viva e estava bem. É claro que todos sobrevivemos, limpámos tudo, mas, no momento, foi muito difícil.
Sobre a procura por luz
O apoio da minha família, amigos, colegas, as suas chamadas, a gratidão que vejo nos passageiros - estes são momentos muito bons da minha vida. O povo ucraniano é maravilhoso, ninguém nos consegue deitar abaixo, a nossa fé não será deitada abaixo. Sei que a vitória será nossa.
Ficha técnica:
Fotografia: Lesha LichDireção de arte: Olesia RomanovaVestuário: NUÉMaquilhagem: Yulia SchelkonogovaCabelo: Nodira TuradzhanovaProdução: Diana Melnikova
Projeto apoiado por NUÉ e Viktoriia Udina.
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