Depois de Costa Rica, Colômbia: Sara Prata continua a partilhar a sua veia viajante com a Vogue, neste segundo capítulo do seu Diário.
Quando vais por um tempo maior do que umas férias, parece que há um silêncio, uma conversa mais de dentro, uma ansiedade boa que te leva a chegar à conclusão que tens uma sorte incrível por teres a oportunidade de ires - e secretamente percebes que também é preciso coragem. Mas tudo passa assim que entras no avião. Pelo menos para mim.
Esta continua a ser a minha história.
Colômbia
Chegada a Bogotá. Adoro chegar às grandes cidades pela primeira vez. Vou no táxi a olhar para cada prédio, a observar. Trânsito, caos, condutores conversadores e tranquilos por entre estradas engarrafadas. Hostel "Selina", lembram-se que tinha ficado neste em Costa Rica? Vim ver como era. Primeiro destino, "cenar"! Depois de ter recebido tantas sugestões com o mesmo nome, era mais do que certo ir ao Andrés Carne de Rés. Meu Deus, comi o mundo e vi outros tantos andares de mais mundo, e ritmo, e uma amostra do que iria viver nestes dias. Quando dou por mim, trinco um Lomo Al Trapo e abano ao som dos ritmos Latinos.
Acordar e perder-me por estas ruas únicas e históricas de La Candelária, bairro que aconselho a visitarem e se possível pernoitar, foi aqui que fiquei. É de facto encantador. E se tentar explicar Bogotá, diria que é um caos urbano rodeado por floresta, em que encontras a cada porta um mundo. Cultura, música, petiscos, museus, comidas e bebidas ancestrais, e um povo descontraído e de conversa fácil.
Subir a Monserrate é literalmente ficar com Bogotá aos nossos pés. Esta cidade é imensa e a vista daqui é de não te cansares a olhar para cada ponto, é veres à escala uma cidade incrível. Fico apenas um dia por aqui, vou voar até às praias de St. Marta.
Opto por começar por Taganga, uma vila piscatória, onde o pôr-do-sol pinta de laranja as rotinas e as pequenas casas repletas de comércio e ruas que nos fazem lembrar favelas. O melhor de conhecer novos lugares é perder os nossos padrões e perceber o valor que têm para aquele povo. Lutam para ficar do lado bom da vida, porque a vida aqui não é fácil.
Vou à descoberta do Parque Tayrona, de lancha. Aconselho vivamente, mas têm de gostar de adrenalina. Nada fazia prever esta viagem. A ondulação é potente, imensa, um mar robusto ladeado por escarpas e montanhas de vegetação densa. As ondas dão-nos um banho literal, mas absorvo o privilégio de conhecer deste lado, numa lancha (em que já começo a questionar se será forte o suficiente, vou olhando nos olhos do capitão, se ele está seguro eu também estou!).
Aqui, o turismo fez com que ganhassem mais uma forma de sustento, sei para eles a importância de nos terem e de nos levarem a conhecer o seu paraíso.
E lá está, mesmo à minha frente, entro numa baía, onde o mar sossega, e convida-me a um mergulho mágico. Foi só o tempo de largar a mochila na areia e mergulhar directo. Por duas horas não saí do mar, perdida na perfeição que está à minha volta. Nada nem ninguém a partilhar este lugar. Esta não podem mesmo perder, Playa Cinto.
No regresso, paramos na Playa Cristal, para almoçar. Aqui há comércio, camas de praia, mais pessoas nos mergulhos. Ganhou pela Caçarola de Marisco com leite de coco, e pelo snorkeling. Aproveito para me encontrar, é de frente para o pôr-do-sol que faço a minha prática de Reiki. O equilíbrio entre mim e o que agradeço de estar aqui. Chegada e ida até Playa Bonita, um hostel de praia, onde as cabanas a poucos passos do mar, fizeram o plano perfeito dos próximos dias.
Aqui o mar não é igual ao Parque. Por isso acordo e decido ir novamente até ao Parque Tayrona, desta vez a pé, por dentro da vegetação. Não há muita info por aqui, mas pagas €15 pela entrada, apanhas um colectivo (uma carrinha) por €1,50 que te deixa no início do percurso a pé ou, se quiseres, de cavalo. Eu fui a pé e que aventura. Para lá, fui parando, vendo, explorando. O sol batia forte, as praias de correntes violentas ainda não me deixavam mergulhar.
Caminhei até parar para almoçar na Playa Arenilla. Mergulho na certa. Hoje, o relógio decidiu andar depressa e já tenho pouco tempo, o Parque fecha às 17h. Arrisco e vou até Cabo San Juan, o mais conhecido por aqui.
Tenho dificuldade em estar em lugares com muita gente, e aqui é assim.Um Parque de tendas acumuladas, viradas para uma baía linda, mas não paro de pensar na Playa Cinto.
O Parque em si é incrível, poderoso. Há muitas acomodações por aqui. Eco-habs, vários campings, uns muito maus, outros bons, mas não sei preços, preferi ficar fora do Parque. Para o regresso vejo que tenho 50 minutos para sair, fazer o percurso que fiz em 2h30 de manhã. Uma prova física, que me levou a falar para dentro e não desistir. Foco, determinação, força nas pernas que me falhavam, e feito. As pequenas vitórias são viciantes. Fiquei feliz por mim, objectivo cumprido e de sorriso na cara. Agora, um banho gelado e que o mar que oiço da minha cama traga o descanso merecido.
Ida para Cartagena. Vim de bus, escolhi a companhia MarSol que me apanha no hotel e me deixa no do próximo destino. Excelente comodidade por €20. Pelo caminho, passei por zonas tão pobres que até fica difícil de explicar.
Povoações inteiras rodeadas por rios de lixo. O meu coração está com eles, fica difícil perguntar-me se aqui há sonhos.
Acho que qualquer um de nós teria vergonha de se queixar, de qualquer coisa que tomamos por importante e não temos, a uma destas crianças agarrada a uma linha de pesca, procurando o jantar.
Escolhi ficar em Cartagena no Barrio Antiguo. E assim que se atravessa as muralhas somos atirados para a História colonial. É como se funcionasse uma máquina do Tempo nestes muros. Fora fica uma Cartagena mais pobre, mais igual a outras cidades, e cá dentro... vive-se um tempo só, este. As ruas coloridas pelas casas pintadas de diversas cores e varandas de madeira dão a assinatura a este lugar. A qualquer esquina sou surpreendida por uma praça, uma rua ainda mais bonita do que a anterior, ou um pirata sem cabeça que me tenta assustar (true story, e assustou mesmo).
Caminhando por 2 dias, venho com a sensação de estar mais completa por ter conhecido uma cidade tão especial. Centro Histórico, Castelo de São Filipe, Café del Mar, Plaza Trinidad, Café Havana, são os pontos turísticos (sim verdade, mas por algum motivo será), são mesmo especiais e não podem perder. Depois, é sentarem-se na vossa praça ou terraço preferido a desfrutar uma Costeñita enquanto veem passar coches puxados por cavalos lindos e ouvem contar histórias dos tempos onde mesmo ali, infelizmente, se faziam as compras de escravos vindos de Angola e Guiné. Um lugar histórico, encantador, que deixou uma memória muito especial para mim.
Dá vontade de ter aqui uma casinha e de vez em quando voltar a estas ruas.
Cuidado com o Sol e o calor intenso, eu fiquei doente durante 3 dias.
Viajar por muito tempo também inclui isto, eu nem sei como tive forças para voar até Medellin, mas cá estou.
Como sabemos, "todos" gostavam de vir a esta cidade para conhecer de perto a história de "Narcos", de Pablo Escobar.
Mas esta cidade é mais do que isso, é melhor sem Pablo. Rapidamente percebemos que a população não gosta de falar dele, todas as referências parecem fantasmas que pairam nesta cidade.
Numa conversa em tom de quase surdina consigo fechar uma visita para conhecer de perto a verdadeira história. Pablo Escobar deixou um rasto de sangue nestas ruas. A minha visita começou com "Eu cresci num cemitério. Era isso que Medellin era, um cemitério a céu aberto, onde se viam corpos na estrada e nem se reagia." Pablo provocou o terror nesta população.
Quando os seus "bons" tempos acabaram, chegou a distribuir armas a crianças dando ordem para matar qualquer polícia ou "inimigo". Ameaçava matar qualquer um e toda a sua família e, se fosse preciso, levantar os mortos da terra para os matar de novo. Ninguém queria sair à rua ou estar do lado dele. Tudo o que lhe pertencia está hoje ao abandono e com um único pensamento, "um dia é para desaparecer". Um sanguinário que matou mais de 6 mil pessoas, cometeu terrorismo, tudo em prol do seu poder e dinheiro. Nada nesta cidade o recorda, a não ser o bairro (ainda hoje com o seu nome), onde a população é grata pela construção de tectos para centenas de famílias muito pobres.
Fechada esta história, é tempo de olhar à volta e conhecer uma cidade "enorme". Que surpresa tão boa. Medellin recebeu prémios, como, por exemplo, o de cidade mais inovadora do Mundo (2013) e o sistema de transportes é a prova disso. Uma viagem de metro cable que nos leva ao topo do Vale do Aburrá faz-nos olhar cá para baixo e perceber que estamos sobre um mar de favelas (comunas é o nome que por aqui se lhes dá) feitas de tijolos. À primeira vista, pode parecer depreciativo, mas não, não será nem um pouco, pois esta é a essência de Medellin. Fico perdida a imaginar quantas pessoas vivem ali, quantas histórias fazem parte destes milhares de ruelas, sim porque aqui a história mudou. Em momento algum senti perigo porque a paz voltou a estes bairros.
Em anos de transformação, a comunidade conseguiu lutar e libertar-se do crime, podendo hoje viver das suas lojas, sonhos, pensar em estudar e conseguir algo maior e melhor. A prova está também nos grandes centros, onde encontrei centenas de restaurantes (nunca vou esquecer o Bao Bei, sim um Asiático, shame on me, mas aqui é possível), faculdades, museus, uma verdadeira cidade cosmopolita.
Último dia reservado para Guatapé e subida à Piedra El Peñol.
Nunca me canso de estar perto da natureza. Vislumbrar a perfeição do nosso Mundo. E aqui a vista é soberba, parece um verdadeiro quadro. Tudo está calmamente no seu lugar. Este lugar visto de foto satélite ou mesmo no Google tem a forma de um Dragão Azul, uma profecia que pertence à história desta terra submersa. Sento-me um pouco mesmo lá no topo a descansar as pernas e a recuperar o ar pois a subida da Piedra são uns simples 700 degraus. Mas a vida compensa sempre o esforço, pois a vista leva-me a esquecer tudo isso em dois tempos.
Mas aproveito para pensar em tudo o que fiz até aqui e como a Colômbia foi uma verdadeira surpresa.
Preencheu-me mesmo o coração e sei que um dia vou querer voltar, porque ainda há tanto para conhecer. Até posso citar algumas frases com que me cruzei e ajudam-me a explicá-lo: o slogan da Colômbia, "El riesgo es que te quieras quedar", ou a de Anthony Bourdain, "é uma loucura que este sítio exista e que toda a gente não queira aqui viver ". Pois eu sinto isto, como é possível a maior parte de nós não saber desta Colômbia incrível, que deixa tanta vontade de ficar ou pelo menos voltar?
Levo os ritmos, o regaetton, as paisagens, a paz, o calor. Acabo a dizer "Obrigada Colômbia" e sei que me diriam, (até os consigo ouvir) "con gusto"!
Termino de escrever estas palavras enquanto com a outra mão fecho a mochila rumo ao... Peru!
Até já!
Kisses from HappyPrata
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*O texto reflete ipsis verbis as entradas de Sara Prata no diário ao longo da viagem e a atriz escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.