Acima, Dior Alta-Costura © Launchmetrics Spotlight
No que são discutivelmente os quatro dias mais entusiasmantes da indústria da Moda, os titãs da Alta-Costura competem cara-a-cara, ou melhor, bordado-a-bordado.
A um mês de entrar nas Olimpíadas, Paris acolheu a Semana Moda de Alta-Costura. Ainda que as comissões olimpíadas ainda estejam distantes, o espírito de competição já se sente na capital francesa. Entre 24 e 27 de junho, os maiores nomes da Moda lutaram pela atenção do público e da crítica. Felizmente há mais medalhas que três para se dar e o pódio da Moda é (ligeiramente) mais largo do que o olímpico.
A semana começou da melhor forma. O desfile da Schiaparelli teve a honra de abrir as portas para os quatro dias mais entusiasmantes para os fanáticos da Moda. E, como se tornou hábito desde que Daniel Roseberry assumiu a direção da maison, a Schiaparelli é um verdadeiro banquete estético. Nesta estação, o designer americano optou por adotar uma abordagem ligeiramente diferente da sua habitual. Centrando-se na figura da fénix, Roseberry criou uma coleção que, para os seus standards, foi minimalista. Em vez da opulência de acessórios e detalhes que costumam caracterizar a sua linguagem visual, o designer focou-se em elementos como silhueta e textura. O primeiro look, uma capa de veludo adornada com penas metálicas trompe l’oeil, sumariza a coleção na perfeição. A essência de Elsa Schiaparelli permanece, mas as explorações feitas ao seu legado divergem das do passado. Ao contrário da estação passada, em que Roseberry se focou em métodos digitais para construir uma coleção, para outono/inverno 2025, o designer escolheu desenhar todos os looks à mão através de referências diretas de livros.
Schiaparelli Alta-Costura FW24
Seguiu-se Christian Dior, onde Maria Grazia Chiuri se apoiou nas Olimpíadas que se aproximam como principal fonte de inspiração. Como forma de homenagear os atletas que preservam a integridade do evento, a designer italiana apresentou 61 looks que reinterpretam códigos clássicos do mundo do desporto através da lente da Alta-Costura. Através da visão de Chiuri, o jersey é elevado ao seu estatuto mais alto, o ouro e prata são derretidos em mesh metálica que dança no corpo das modelos à medida que estas desfilam pela passerelle. Claro que a designer não se limita a apresentar coleções - os seus desfiles são sempre pensados em contextos feministas. Para esta estação, Chiuri homenageou Faith Ringgold, uma artista feminista americana. As obras de Ringgold adornaram o espaço do desfile, montado no jardim da casa Museu de Rodin. Nas paredes azulejos brilhantes desenhavam desportistas e, na passerelle modelos com fatos de banho e vestidos igualmente cintilantes homenageavam-nos.
Dior Alta-Costura FW24
Para terminar um dia já bastante cheio, Thom Browne e Iris van Herpen apresentaram coleções verdadeiramente extraordinárias. O primeiro apresentou uma coleção dedicada à musselina - o têxtil utilizado no planeamento de uma peça antes do tecido final, usualmente mais caro. A forma como o material foi utilizado é quase comovente. Seis tipos diferentes de musselina foram adotados, cada um utilizado de forma a maximizar o seu efeito no corpo. As suas versões mais leves substituíram tule na bainha de elaborados vestidos, enquanto que as suas versões mais rígidas foram utilizadas como meio de replicar a alfaiataria clássica. Ainda que seja a sua primeira coleção de Alta-Costura em Paris, Thom Browne provou que se sente confortável entre os círculos mais intimidantes da indústria. De bordados elaborados a construções verdadeiramente arquitetónicas, o designer americano sabe o que faz. Iris van Herpen continua no caminho que esta mesma trilhou e que poucos se atrevem a seguir. Com apenas nove looks, a designer holandesa equacionou vestidos a obras de arte de forma literal. As modelos encontravam-se suspensas em telas de quadros penduradas na parede.
Thom Browne Alta-Costura FW24
Iris van Herpen Alta-Costura FW24
Para abrir o segundo dia do horário lotado, Chanel apresentou a sua primeira coleção sem o input de Virginie Viard. Sem a direção da sua última líder criativa, o atelier focou-se nos seus arquivos como principal fonte de inspiração. Todos os elementos clássicos encontraram-se presentes, do tweed aos botões dourados. Elementos clássicos da Alta-Costura, como penas e bordados foram proeminentes. O Palais Garnier assumiu o papel privilegiado de passerelle e as modelos rodearam a escadaria do recinto sagrado. A localização permeou alguns dos looks, como foi o caso da volumosa capa vestida por Vittoria Ceretti.
Chanel Alta-Costura FW24
Não muito distante, Stephane Rolland fez de Paris a sua musa. Com o estilo das parisienses como ponto de começo, o designer francês apoiou-se no glamour clássico. Uma paleta de cores que raramente divergiu do genial trio de preto, branco e brilhantes foi aplicada a silhuetas intemporais. Com um inegável dom para a teatralidade, o desfile foi sentido como uma verdadeira peça. Claro que ajudou que as modelos se encontrassem num palco e que os seus vestidos assumissem proporções verdadeiramente teatrais. Da mesma forma, Zuhair Murad voltou a apostar na estética que se tornou a sua imagem de marca. Brilhantes e bordados em abundância cravaram vestidos elegantes.
Stéphane Rolland e Zuhair Murad Alta-Costura FW24
Também Giorgio Armani decidiu recorrer à beleza clássica. Para o outono/inverno 2025, a Armani Privé apresentou uma das coleções mais preciosas da estação. Com uma paleta de cores semelhantes a Rolland, Armani baseou a sua coleção na simplicidade de uma pérola. Como seria de esperar, o desfile foi tudo menos simples. Bordados complexos e alfaiataria impecável são uma constante nas coleções da Armani Privé e esta estação não foi exceção.
Armani Privé Alta-Costura FW24
Se Armani e Rolland se encontram focados em restabelecer a beleza do passado, Demna Gvasalia foca-se em entender a Moda do amanhã. Ao descobrir materiais como ganga ou jersey através de conceções de Alta-Costura, o designer torna Balenciaga no atelier do futuro. A opinião pública está, como é costume para as coleções de Gvasalia, polarizada. Se alguns apreciam a coragem do designer, outros desaprovam o seu input no legado de Cristóbal Balenciaga.
Para esta estação, Jean Paul Gaultier convidou Nicolas Di Felice, o designer responsável por reabilitar a Courrèges. À semelhança de Julien Dossena há duas estações atrás, a escolha do designer belga é curiosa. Ao contrário de outros convidados, como Olivier Rousteing ou Simone Rocha, Di Felice ainda não teve a oportunidade de expressar a sua linguagem visual fora dos códigos da marca que lidera. Isto é, não teve até agora. O designer aproveitou a oportunidade de forma eficiente. Ainda que seja o convidado mais jovem de Jean Paul Gaultier, Di Felice apresentou uma das melhores coleções desde o início do projeto das colaborações. Com pontos de referência incomuns quando comparado aos seus predecessores, o designer belga criou uma coleção que se apoiou na sensualidade de Gaultier, mas com uma intelectualidade claramente sua.
Robert Wun Alta-Costura FW24
A semana acabou da melhor forma com Robert Wun. A coleção, que marca o 10º aniversário da sua marca, foi uma celebração do legado que constrói tão arduamente. Ainda que atualmente seja um dos designers de Alta-Costura mais venerados da indústria, Wun teve de lutar para criar o seu espaço na indústria. Mas não foi nas dificuldades que o designer se focou, foi na alegria que vem apenas de quem sobrevive às mesmas. No que foi a sua coleção mais colorida dos últimos anos, Wun deixa-se levar pelas suas próprias obsessões e gostos. O seu amor por borboletas, flores e pela anatomia humana são refletidos ao longo da sua coleção outono/inverno 2025. Os quatros dias da semana de Alta-Costura foram fechados com chave de ouro.
Robert Wun Alta-Costura FW24
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