Na capital britânica, brinca-se com extremos. As propostas para a primavera/verão 2024 percorrem todo o espectro da Moda: de grunge escandaloso ao romântico emocional.
A cultura britânica sempre se dividiu em extremos. Quando pensamos em Londres formam-se duas imagens distintas: uma onde membros da aristocracia “posh” se sentam em castelos sumptuosos e outra onde as ruas da cidade são inundadas por subculturas que se deleitam em lutar contra o status quo. Estas duas forças, que competem desde meados do século XX, criam uma tensão interessante que não só se sente, como se vê na Moda britânica. A mais recente London Fashion Week foi o exemplo perfeito desta tensão. Se alguns designers escolheram criar mundos imaginários forrados a rosas inglesas, outros abraçaram o caos da contracultura britânica.
O primeiro grupo (chamemos-lhe os “românticos”) foi liderado por Richard Quinn, num desfile que muitos já anunciam como um dos melhores da estação. O criador britânico aproveitou a sua coleção primavera/verão 2024 para homenagear o pai, que faleceu recentemente. O local escolhido, um salão de baile num hotel londrino, estava repleto de rosas brancas do chão ao teto. Em cada assento, os convidados encontraram uma rosa branca com uma fotografia do casamento dos pais de Quinn. A necessidade de um lenço tornava-se aparente a cada minuto que passava. A coleção foi tão bonita quanto o cenário que a enquadrou. Vestidos elegantes foram adornados de cristais Swarovski e bordados florais: uma masterclass de elegância que dificilmente será esquecida. O momento mais emocional do desfile foi o fim, quando, após a saída da última modelo da passerelle, Quinn apareceu enquanto a canção Quinn the Eskimo ressoava pelo salão. As letras “Come all without; come all within, you’ll not see nothing like the mighty Quinn” pairavam no ar enquanto o designer abraçava a mãe, que se estava na primeira fila. Não havia ninguém que não tivesse pelo menos uma lágrima nos olhos.
Richard Quinn
Imax Tree
O romance continuou no desfile da Erdem que, ainda que com uma inspiração mais concreta, foi significativamente menos emocional. A coleção para a próxima estação da marca britânica centrou-se na Duquesa de Devonshire, Deborah Mitford. As propostas do designer baseiam-se no estilo da aristocrata, explorando um glamour educado, tipicamente britânico. A inspiração foi elevada ao seu potencial máximo quando vestidos feitos a partir dos cortinados da residência de Mitford, Chatsworth House, desfilaram pela passerelle. A coleção foi assumidamente feminina, com vestidos longos e bordados florais. Um dos destaques da coleção foi o look de abertura, um casaco feito em colaboração com a marca de outerwear britânico Barbour. Um casaco longo foi adornado com patchwork floral, ideal para cuidar do jardim de rosas num palácio no campo britânico.
Erdem
Imax Tree
Ainda que não tenhamos o palácio, Simone Rocha proporcionou-nos as rosas. Para a sua coleção de primavera/verão 2024, a criadora irlandesa levou os seus convidados para o Royal Ballet School, numa apresentação apropriadamente intitulada de Dress Rehearsal. A delicadeza da estética de Rocha foi reinterpretada com vestidos e casacos transparentes que escondiam à plena vista bouquets de rosas inglesas. Não faltaram os típicos laços da designer, desta vez assumindo proporções gargantuescas. Destaca-se um dos looks masculinos (uma arena em que Rocha se aventura cada vez mais), onde uma camisa e um par de calças bege são embelezados com laços cujo tamanho se aproxima do ridículo. A apresentação deixou-nos entusiasmados para fevereiro do próximo ano, quando Rocha irá colaborar com Jean Paul Gaultier para a sua primeira coleção de Alta-Costura.
Simone Rocha
Imax Tree
Se Richard Quinn, Erdem e Simone Rocha se regozijaram no romance britânico, houve outros que insistiram em relembrar que, acima de tudo, a Moda inglesa sempre se inspirou na contracultura. Marcas mais jovens, como Mowalola, reinterpretam o fator choque da cultura britânica. Mowalola apresentou a sua coleção num armazém localizado na periferia da capital normalmente usado para raves. A marca tem vindo a crescer bastante em anos recentes, com certeza devido às conexões da designer dentro do meio, como o eternamente controverso Kanye West, que esteve presente na primeira fila do desfile. A coleção parece ter sido inspirada nas estratégias do rapper para angariar atenção mediática. Modelos com nódoas negras fictícias desfilaram com camisolas que onde se lia “4 slim people” e casacos bomber com bordados de insultos homofóbicos. Mas a peça mais controversa foi uma minissaia (do tamanho de um cinto, tal como Paris Hilton recomenda) onde a bandeira da Arábia Saudita se encontrava estampada. A bandeira, que contém uma inscrição sagrada, foi, de acordo com a comunidade árabe, desrespeitada pela designer. É óbvio que a designer procurava angariar a raiva da sua audiência, uma ambição que foi alcançada. Mas a que custo? Talvez a coleção possa ser interpretada como um comentário sobre a indústria da Moda atual, onde as marcas se encontram sedentas para agarrar a atenção do mundo ao preço que for.
Mowalola
Imax Tree
Mas nem todas as marcas britânicas jovens recorreram a estratégias como Mowalola. Outras, como Chopova Lowena e Masha Popova, destacaram-se por refrescar a estética grunge londrina. Na primeira, a dupla de designers Emma Chopova e Laura Lowena-Irons inspirou-se no festival córnico intitulado de Dia da Flora. A estética skater girl da marca foi elevada com referências folclóricas. No desfile de Masha Popova, a especialista em ganga provou que é capaz de expandir a estética que popularizou. As famosas calças de ganga foram complementadas com marcas de pneus para uma coleção inspirada nos aterradores monster trucks.
Ainda que o mundo seja bem mais fácil de perceber a preto e branco, a Moda não acontece só em extremos. Aliás, os desfiles mais antecipados da estação encontram-se algures no meio. Em JW Anderson, o designer procurou reinterpretar a forma como nos vestimos atualmente. Para uma coleção moderada face à experimentação típica de Anderson, vestidos de malha, casacos de pele e blazers oversized foram uma constante na coleção. Mas, como não podia deixar de ser, mesmo para uma coleção mais contida, o designer incluiu algumas peças mais absurdas. Casacos bomber extremamente oversized foram recheados de penas gigantes que procuravam escapar por todos os cantos possíveis um peluche a desfazer-se. Mas as peças mais virais foram certamente os sets de calções e hoodies feitos a partir de barro que desfiguraram a postura dos modelos. Anderson prova que nunca se é velho demais para parar de brincar com plasticina.
JW Anderson
Imax Tree
O calendário oficial foi fechado pela Burberry, no que foi a terceira coleção da marca criada por Daniel Lee. As últimas duas coleções do designer inglês (outono/inverno 2023 e resort 2024) tiveram a energia de um cliffhanger. Recebidas com críticas positivas, as coleções ainda não revelavam a visão completa de Lee para a Burberry. O suspense criado pela indústria elevou as expetativas para a sua coleção primavera/verão 2024, expectativas estas que não foram exatamente correspondidas. Mas, mesmo assim, independentemente do aborrecimento que muitos sentiram pela coleção, certas peças destacaram-se, como os trench coats com uma cintura baixa, deslocando o típico cinto à altura das ancas, recriando a silhueta Y2K extremamente popular. Mas as roupas foram sentidas como meros complementos às verdadeiras estrelas do desfile: os acessórios, não fosse esta a especialidade de Lee. Tal como as suas criações para Bottega Veneta, as carteiras da coleção tornaram-se as peças mais cobiçadas para o próximo verão. Quem sabe, talvez os seus acessórios sejam a ponte necessária entre a estética aristocrata britânica e a contracultura cool londrina. A resposta estará plantada nas ruas de Londres, onde as duas convivem.
Burberry
Imax Tree
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