Semana de Moda de Nova Iorquew
Da sensualidade de Ludovic de Saint Sernin à distopia Helmut Lang, com tempo para o conto de fadas de Thom Browne, a Semana de Moda de Nova Iorque não dececionou.
A energia de Nova Iorque no mês das semanas da Moda é sempre difícil de determinar. Longe do prestígio das suas irmãs, a NYFW é uma celebração da indústria da moda americana. Tendo atingido o seu auge nos anos 90, a semana sofreu um declínio em atenção, à medida que os seus designers e marcas mais importantes migraram para os paraísos da Moda europeia. No entanto, há algumas estações atrás que se sente um lento renascimento. Ainda que o estado da indústria seja menos que ideal e muitas marcas tenham de optar por não apresentar as suas coleções, começa-se a notar um glamour idiossincrático.
O retorno de marcas como Helmut Lang ou a insistência em permanecer na cidade de Thom Browne, criam esperança para a subestimada Semana de Moda americana. Peter Do é essencial para entender o novo holofote sobre Nova Iorque. Com a sua segunda coleção para Helmut Lang, o designer americano consolida a sua visão na marca de culto. Após uma estreia tépida, Do retorna com uma coleção adaptada às críticas do passado. As propostas para outono/inverno 2024 unem a linguagem visual do designer com o património estético da marca americana. Com o título Protection vs. Projection (proteção versus projeção), a coleção é uma exploração da dicotomia do papel da Moda.
Helmut Lang FW24
Se por um lado as roupas que usamos são uma forma de expressão individual, estas são também uma armadura face um mundo crescentemente hostil. Com o foco peculiar neste último elemento, Do apresentou uma coleção com autênticos mecanismos de defesa — bubble wrap, materiais à prova de bala, balaclavas, etc. Até o tailoring, uma das imagens de marca do designer vietnamita-americano, teve um twist distópico. Para a sua segunda coleção, Do refinou as suas idas ao arquivo de Helmut Lang. As referências aparentemente caóticas da última coleção foram substituídas por inspirações que contribuem para a narrativa do desfile. O destaque entre estas foi a técnica "hole puncher" que, como o nome indica, cria cut-outs circulares que, no contexto da coleção, imitam bubble wrap.
Helmut Lang FW24
Quando foi anunciado que Ludovic de Saint Sernin apresentaria a sua coleção em Nova Iorque, em vez de na sua cidade-mãe de Paris, levantaram-se sobrolhos. Afinal, as relocalizações normalmente fazem-se de Oeste para Este, não o contrário. Mas o designer francês teve a desculpa perfeita para atravessar o Oceano Atlântico. A sua coleção de outono/inverno 2024 foi uma colaboração com a fundação de Robert Mapplethorpe. O icónico fotógrafo, famoso pelos seus retratos homoeróticos, é uma figura central da cultura americana do século XX. A sua influência transborda os limites do seu meio, a sensualidade de Mapplethorpe é frequentemente referenciada na indústria da Moda. Faz sentido que de Saint Sernin se tenha encarregado de colaborar oficialmente com a fundação do fotógrafo. A sensualidade delicada do designer francês foi perfeitamente complementada com a sexualidade descarada de Mapplethorpe. Speedos micro, máscaras BDSM, minivestidos feitos a partir de dezenas de cintos: as referências foram óbvias. Mas Ludovic de Saint Sernin não se deixou seduzir pela ideia de criar uma coleção superficialmente sexy. Looks metálicos com padrões florais inspirados pelas fotografias de Mapplethorpe demonstraram um nível de savoir-faire inédito para a jovem marca.
Ludovic de Saint Sernin FW24
Também Gabriela Hearst se inspirou numa artista. Na primeira coleção após a sua saída da Chloé, a designer uruguaia inspirou-se na pintora Leonora Carrington. Mas, em vez de partir do surrealismo da sua arte, Hearst usou a artista como musa. Os casacos são longos e estruturados, os vestidos delicados e sexy e os looks dourados são elegantes — a feminilidade de Hearst é sempre impactante.
Gabriela Hearst FW24
Luar teve um dos momentos da semana quando, de surpresa, Beyoncé apareceu na primeira fila. A marca, mais conhecida pelas suas carteiras, foi um dos nomes mais entusiasmantes da semana (não, não apenas pela presença da cantora). A perspetiva de Raul Lopez, designer e fundador da marca, é refrescante. Irónica, mas luxuosa, exagerada, mas elegante: Lopez não se limita a definir o que é cool, o designer convence-nos da sua perspetiva. Esta estação as proporções foram ridiculamente exageradas, com ombros que em muito ultrapassaram os seus limites anatómicos.
Luar FW24
A semana terminou com um estrondo. Thom Browne continua a superar a sua própria capacidade de transformar um desfile numa performance narrativa. Para a sua coleção outono/inverno 2024, o designer americano inspirou-se no poema The Raven de Edgar Allan Poe. À medida que o poema era recitado, o cenário tornou-se aparente. De debaixo de uma “árvore” puffer gigante saíram duas crianças e a história começou. Mas o conto mais impressionante foi recitado sem a necessidade de uma só palavra: as peças de Thom Browne falam por si. A estética desportiva e preppy do designer foi reinventada através de uma lente gótica, com tartans e cabedais imponentes. Browne aperfeiçoa a arte de apresentar uma coleção que, para todos os efeitos, é comercial, mas cujo desfile nos envolve numa narrativa tal que cobiçamos fazer parte do mundo que o designer cria.
Thom Browne FW24
Browne encerrou a Semana de Moda de Nova Iorque com chave de ouro, quando, no Dia de São Valentim, entregou uma caixa de chocolates em forma de coração ao seu marido, o curador Andrew Bolton. Um final romântico para uma semana bem-sucedida.
Thom Browne
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