Já passámos pela fase das plus size models, vivemos a era dos lábios carnudos, até as nossas traseiras moldaram a imagem dos 2000 e muitos. Quando é que os narizes grandes irão tornar-se na next big thing? Agora.
Já passámos pela fase das plus size models, vivemos a era dos lábios carnudos, até as nossas traseiras moldaram a imagem dos 2000 e muitos. Quando é que os narizes grandes irão tornar-se na next big thing? Agora.
Anjelica Huston ©GettyImages
Anjelica Huston ©GettyImages
Quero começar por esclarecer que 1) o nariz é uma característica natural do corpo humano e 2) fazer dele tendência não estava nos meus planos iniciais, mas vamos lá ver... Escrevo mensalmente para uma revista de Moda e, numa pesquisa alongada, apercebi-me de que já há algum tempo — estátuas egípcias tempo — que o nariz não ocupa lugar entre o que habitualmente chamamos de conceito de beleza. “Tem um nariz grande? Disfarce-o”, “maquilhagem para disfarçar o nariz” e “fiz uma rinoplastia e agora” não são os títulos mais encorajadores para quem quer sentir-se bem na sua estrutura óssea (convenhamos que nem tão-pouco os mais originais). Além disso, sim, é verdade, tenho um nariz relativamente grande, mas, se não passar mais de vinte minutos na conta de Instagram do Dr. Simon Ourian, está tudo bem.
“O nariz de Cleópatra, fosse mais pequeno e toda a face do mundo seria diferente”, escreveu, em 1669, o matemático e filósofo francês Blaise Pascal, em Pensées. Quis ele dizer que, sem a sua projeção nasal, Cleópatra não tinha feito dois grandes homens de Roma caírem no seu feitiço, guerras civis não teriam sido travadas e poderíamos estar todos a falar latim. Se esta é uma afirmação sobre amor, vaidade ou apenas um trocadilho entre nariz e face, não interessa para o caso. Interessa que existiu um tempo e um lugar na História onde um nariz determinou o curso de A a B e isso deveria ser suficiente para pensar duas vezes antes de chamar Pinóquio a alguém. Não obstante, Cleópatra não foi a primeira e certamente não a última a nascer com um nariz particular. Nasceu foi numa altura em que isso era cool.
“É supertalentosa, mas, meu Deus, tão feia. O que vamos fazer com ela?” — questionou o dono de uma companhia de teatro sobre uma nova atriz. Dois Óscares, oito Grammys, quatro Emmys e uma música com um refrão só para si depois, estou curiosa para saber a opinião desse senhor sobre Barbra Streisand. “Sempre soube que tinha de ser famosa e rica. Bonita, nunca fui e nunca vou ser” — disse Barbra. E assim aprendeu a sobre- viver no meio das suas dúvidas, de receios, de complexos, de inseguranças e de nariz só para se sagrar vitoriosa. Barbra, não estás sozinha. Jimmy Durante, cantor e ator norte-americano, ficou tão assombrado pelos seus colegas de escola que jurou nunca gozar com alguém estrábico ou com orelhas grandes. A cantora folk Judy Collins odiava tanto o seu nariz enquanto criança que dormia com uma mola da roupa a prendê-lo, tal como Jo, em Mulherzinhas. Diana Vreeland, que tinha um belo nariz, disse que as pessoas só gostavam de narizes pequenos porque as faziam lembrar “porcos e gatinhos”.
"Uma cara forte tem um nariz com um osso real nele.” Amém. Até Gisele Bündchen recebeu sugestões de operações plásticas ao nariz no início da sua carreira. “Diziam que o meu nariz era grande demais e os meus olhos pequenos e que nunca iria estar na capa de uma revista.” LOL
Desde sempre, o nariz é símbolo de status. Antes de uma indústria de perfumaria de biliões e produtos que até retiram cheiros de ambientes, o mundo já fedeu e só os ricos cheiravam bem. Mais, o Irão tem a taxa mais elevada de rinoplastias per capita e o procedimento já é considerado um rito de passagem (há mulheres que deixam o penso no nariz muito tempo após a operação, só por uma questão de visibilidade social). A lógica é esta: olhos amendoados, sobrancelhas bem arqueadas, maçãs do rosto fortes — a única característica que faltava às mulheres persas para personificarem o ideal europeu era o nariz. Em Venus Envy: A History of Plastic Surgery, Elizabeth Harken detalha um dos primeiros procedimentos de uma rinoplastia, com um pedaço de pele retirado do queixo da paciente feita na Índia no século VI. Antes de Cristo, devo frisar. Mal o homem começou a fazer uso da Medicina, usou-a em proveito próprio. E os narizes fizeram parte da primeira fatia a saltar do bolo bem decorado da cirurgia estética. “Para mim, não existe um nariz perfeito.” E esta frase é, surpreendentemente, de alguém pago para fazer do mundo um lugar melhor. Dr. Ibérico Nogueira, cirurgião plástico e expert em narizes, diz que a cirurgia estética só deve ser recomendada quando há desconforto psicológico face a esta ou aquela dismorfia facial ou corporal. No seu caso pessoal, a rinite alérgica não o justifica. “Eu diria que, quando se olha para um rosto, o ideal é que o nariz, in- dependentemente do seu formato ou volume, esteja integrado na face de tal forma que ou passa despercebido, ou a sua presença está ligada à sua beleza". Descaracterizar ou diminuir a expressividade são palavras que não queremos associar a uma rinoplastia, até porque “obviamente que o nariz pode dar imenso carisma a uma face”.
“Não te compares com ninguém. Foca-te em quem és e na tua personalidade. No que tens, não no que não tens."
Conta a lenda que, quando Rossy de Palma serviu Pedro Almodóvar num café em Madrid, o realizador perguntou-lhe imediatamente se queria participar no filme de- le. Esta história é apenas um mito, mas todo o resultado é verdade. Contra todas as possibilidades de um universo onde cabelo loiro e olhos azuis são lei da beleza, Rossy tornou-se na musa de Almodóvar e, depois, de Alexander McQueen, depois, Jean Paul Gaultier, depois, Thierry Mugler e por aí fora. O seu corpo curvilíneo e o seu rosto que parece obra de Picasso surgiram como um balde de água para as indústrias da Moda e do cinema, mas foi a sua personalidade irresistivelmente charmosa e borbulhante, a par do talento, que fez dela um instantâneo hit. “A beleza não é perfeita” — diz-nos Rossy, por telefone. “Estou sempre a celebrar a vida. Os olhos veem, a boca saboreia, o nariz cheira, sou saudável. E isso é a coisa mais bonita que podemos ter.” Diz que prefere não ter definição do que ser enquadrada num qualquer estereótipo. E tem a lição estudada para as suas companheiras narigudas. “Não te compares com ninguém. Foca-te em quem és e na tua personalidade. No que tens, não no que não tens. Não sejas injusta com a natureza, o que nos foi dado é tão precioso.”
A verdade é que o nariz, ou a falta dele, também já foi usado como castigo. Durante a Idade Média, uma mulher de nariz cortado era sinal de desobediência ou promiscuidade sexual — e, infelizmente, essas atrocidades continuam a ser cometidas hoje em dia.
Em 2010, o rosto sem nariz de Aesha Mohammadzai fez capa da Time com o aviso: “O que acontece quando deixamos o Afeganistão.” Já no Japão, sinta-se lisonjeada se alguém lhe disser que tem um nariz grande. Em muitas culturas, os narizes pronunciados são ou foram sinal de sabedoria ou prosperidade e ninguém ousaria alterá-los. Na Roma Antiga, as mulheres com nariz curvo eram sinónimo de beleza e nobreza. Veja as esculturas gregas da deusa Atena — até as santidades eram glorificadas com narizes distintos. Durante a Europa renascentista, um rosto sem um nariz proeminente era algo desinteressante. Cyrano de Bergerac, a Criança Elefante, os narizes em “forma de ás de espadas” dos habitantes de ilha de Ennasin de Pantagruel e o mais conhecido Pinóquio, também meteram o nariz na literatura. Resumindo, o formato do nariz está envolto em assunções sobre o nosso caráter e lugar na sociedade.
Há tanto que pode correr mal num nariz. Podemos não gostar do nosso. É grande, pequeno, demasiado empinado ou descaído. Pode ter sinusite, rinite, falta de olfato. E mesmo narizes saudáveis podem encontrar os seus percalços. Há uma ciência que se tornou popular no século XIX que se chama psicomorfologia e que diz que a forma do nosso nariz, a par de outras características faciais, pode denunciar o nosso caráter. Um nariz a direito pode significar refinamento, já um nariz de “falcão” é a imagem de um caráter ardiloso. Aparentemente, segundo um estudo do Journal of Craniofacial Surgery, há catorze tipos de narizes (o mais comum é o carnudo — está a ver o do príncipe Philip? —, que quer dizer “generoso, emocional e sensível”, mas também é um dos menos apreciados, tal como o de Barbra Streisand, estilo “falcão”. Kate Middleton e o seu nariz “duquesa” são dos mais apreciados). Foi em 1770 que um teólogo suíço de seu nome Johann Kaspar Lavater inventou esta teoria e isso quase custou a Charles Darwin o seu lugar no navio que o levou às Ilhas Galapos e onde criou a teoria da evolução. Tudo porque, com base na teoria de Lavater, o capitão Robert FitzRoy não queria Darwin a bordo do seu navio devido ao seu nariz bulboso. Já Napoleão escolhia o seu exército pelo tamanho do nariz. Narizes grandes = cérebros grandes. Vá-se lá perceber... Os nossos narizes também representam o potencial que temos na vida, defende Jean Haner, uma especialista em leitura de rosto e autora de The Wisdom of Your Face. É por isso que ela defende que é tão importante não alterarmos o nosso nariz. De acordo com a especialidade chinesa, se mudarmos o nosso nariz, estaremos a mexer com o nosso próprio destino.
Vivemos obcecados com o nariz, das cirurgias e gotas para a rinite ao Chanel Nº5, fazemos uso dele para escolher um parceiro ou o almoço, e já nos salvou de situações que nos cheiraram a esturro, mas, tal como cansámos os ouvidos e os olhos, também os cheiros, que outrora serviam para nos avisar quando alguma coisa não estava bem ou quando fazíamos match na vida real, estão tão sobrelotados que, às vezes, nem de um iogurte azedo nos conseguem alertar, quanto mais a escolha de um mau presidente. O cheiro faz-nos aperceber da mudança das estações, uma quadra especial (olá, Natal), está diretamente ligado ao prazer sexual e também nos ajuda a encontrar ou lembrar de um amigo, um romance, um filho. O meu pai morreu há bem mais de uma década e ainda consigo sentir o aroma forte do seu aftershave. “O cheiro e o sabor das coisas paira durante um longo tempo, como almas, prontos para nos lembrarem, esperando e esperançosos pelo momento certo” — disse Marcel Proust. E não há nariz grande o suficiente para uma vida cheia de memórias.
*Artigo originalmente publicado na edição de dezembro 2017 da Vogue Portugal.
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