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Será mesmo uma maré de azar?

18 Jul 2023
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A propósito do recém-lançado The Unpopular Issue, um desabafo sobre coisas mais ou menos abomináveis: dias de neura.

Imaginemos o início de uma semana que parece estar contra nós: acordamos sobressaltadas com o telefonema de um familiar a perguntar se já estamos a trabalhar - quando, claramente, estamos com voz de sono. Enquanto tomamos apressadamente o pequeno-almoço, o café decide dançar uma valsa com a nossa camisa preferida. Na rua, ao corrermos para o metro, já atrasadas, pisamos uma pastilha elástica que se prende aos nossos saltos altos prediletos, fazendo-nos perder o transporte. Estes pequenos episódios, como notas desafinadas numa sinfonia, desenham o prelúdio de um dia azarento.

Porém, no palco da nossa mente, o que realmente transforma um dia normal num dia de azar é o tal encenador chamado viés de confirmação. Este subtil manipulador cognitivo sussurra-nos para prestarmos mais atenção aos momentos desagradáveis, agravando a sensação de azar, enquanto os momentos felizes são relegados para segundo plano, perpetuando assim a narrativa de um dia infortunado. O conceito de infortúnio tem origens tão variadas quanto as culturas que o abraçam. Uma teia complexa de mitos, crenças e superstições, bordada pelo tecido vibrante da cultura humana. Embora por vezes pareça que todos os dias são dias de azar, há datas específicas que carregam o manto das adversidades. 

A grande e conhecida sexta-feira 13 - que até já deu origem a jogos de terror - tem uma origem nebulosa, mergulhada nas profundezas do tempo, mas muitos acreditam que está enraizada em tradições bíblicas - a Última Ceia, com os seus treze convidados e a crucificação de Jesus numa sexta-feira. Ou então, como alguns historiadores afirmam, pode estar relacionado com a data de 13 de outubro de 1307, em que milhares de Templários foram capturados e torturados em França.

Contrastando, no riquíssimo folclore italiano, a sexta-feira 17 é vista como mensageira da má sorte. A lógica para este temor é quase poética: em números romanos, 17 é escrito como XVII, que reorganizado, forma a palavra "VIXI". Esta expressão, que significa "eu vivi", é frequentemente gravada em lápides romanas - equivalente a “eu morri”, uma sombria alusão à mortalidade. Contudo não são só as sextas-feiras que têm má reputação, as terças-feiras também são conhecidas pelos azares da vida. A terça-feira 13 é o equivalente grego da sexta-feira 13. A superstição advém de um evento que ocorreu numa terça-feira em 1453, em que os turcos otomanos conquistaram a cidade de Constantinopla e dominaram, durante quase quatro séculos, todos os impérios bizantinos, incluindo a Grécia.

É claro que todos estes mitos e crenças nos deixam receosas, e quando estas datas se aproximam tentamos ter o dobro dos cuidados para que estes dias decorram da forma mais smooth possível, sem muitos infortúnios. Mas a realidade é que os “dias de azar” revelam-se como uma complexa dança entre tradições ancestrais, a psicologia humana e a forma como encaramos o mundo. E mesmo que as bases científicas para tais superstições sejam ténues, é inegável que elas adicionam uma intrigante camada de mistério e cor ao quotidiano humano - e até uma certa piada ao nosso dia-a-dia, quando levamos os azares de forma tranquila.

Ainda assim, os dias em que pensamos “mais valia não me ter levantado da cama” não são um privilégio exclusivo de sextas ou terças-feiras. São momentos pessoais e singulares que se manifestam em qualquer dia ou em qualquer altura. Eles surgem, não por decreto do calendário, mas a partir das peripécias e desencontros do quotidiano.

Por isso, é evidente que ter algumas marés de azar numa vida inteira é normal. São criações nossas, um baile entre a realidade e a forma como a entendemos. Ainda que possamos ceder à dança das circunstâncias, podemos também mudar o ritmo, adotando uma perspetiva positiva. O que iremos pensar da próxima vez que partirmos um salto a caminho do trabalho? Bem…vejamos pelo lado positivo, agora podemos ter uns saltos altos novos. E se perdemos o autocarro? Podemos descansar da manhã atribulada que tivemos, sentadas num banco à espera que chegue o próximo. Se uma pastilha elástica se agarrar aos nossos sapatos? Pelo menos ficamos coladas ao chão e não caímos - o que seria muito pior. Se não carregarmos o telemóvel durante a noite? Não acordamos com o telefonema de ninguém a dar-nos um “bom dia” extremamente feliz, numa segunda-feira, às 8 horas da manhã. Há sempre algo positivo num evento negativo, apenas temos de procurar e encontrar a luz dos dias que parecem mais escuros.

Devemos, então, recordar o bom da vida e valorizar o que temos - já dizia o músico Aragão -, sejam eles eventos bons ou maus. Em vez de enaltecermos os infortúnios, vamos sintonizar-nos com a música do contentamento, transformando o nosso dia de azar numa celebração dos altos e baixos da vida, onde os baixos apenas acrescentam diversão ao dia que poderia ser aborrecido e sem cor.

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