Ou não estivéssemos nós a falar de pegada ecológica. E uma das formas de compensar essa footprint, além de todas as que se encontram no número de setembro da Vogue, é apostar tudo no verde.
Ou não estivéssemos nós a falar de pegada ecológica. E uma das formas de compensar essa footprint, além de todas as que se encontram no número de setembro da Vogue, é apostar tudo no verde. Ou seja, cuidando e aumentando as áreas arborizadas do planeta. Nem que seja num conjunto de vasos na varanda lá de casa.
© Getty Images
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Eu sou aquela pessoa que recusa sempre o papel do multibanco. E o recibo, “se puder não imprimir, por favor”. Que pede a limonada sem palhinha. E que anda com uma palhinha de alumínio para as ocasiões. E talheres de bambu. E que usa uma escova de dentes em madeira. Sim, sou essa pessoa. A que vai ao supermercado com sacos de rede e saquinhos de pano para comprar a granel e a que olha com julgamento para o cliente da frente que leva duas maçãs num saco de plástico, um limão noutro e ainda pede mais um “saquinho” na caixa. Também sou aquela pessoa que só tem catos e suculentas em casa porque pouco verde sobrevive à minha guarda. A que tenta fazer mais pelo ambiente, mas que só consegue ter plantas survivors. Chamo-me Sara, mas bem podia ser Saara porque as folhas que proliferam lá por casa só mesmo as do deserto e pouco mais. Deus - ou qualquer entidade em que prefira acreditar (ou não) - dá a ecoconsciência com uma mão e tira a capacidade de jardinagem com a outra, claramente.
O meu amor pelas plantas é inversamente proporcional à minha capacidade de cuidar delas. Eu adoro-as, elas não correspondem. Talvez porque sou indisciplinada na hora de lhes dar atenção. Talvez não esteja a escolher as plantas certas.Talvez escolhendo as mais sobreviventes à minha indisciplina, possa ter algum sucesso na matéria. É por isso que, num número sobre sustentabilidade em que se exige que se fale não só sobre o que fazer para reduzir o desperdício, mas também sobre alimentar a atmosfera com oxigénio renovado, as plantas tinham de estar na ordem do dia. E eu era a melhor pessoa para o fazer. Porque iria sempre fazer as perguntas certas. Como por exemplo: que plantas posso ter sem que sofram homicídio involuntário? Márcio Silva, da Superbotânica, uma loja com todas as monsteras e espadas-de-são-jorge e outras folhagens que tais, que eu adoraria que preenchessem o meu apartamento, responde: “de uma maneira geral, todas as plantas com as quais trabalhamos – as chamadas plantas ‘de interior’ - são boas para se ter num apartamento ou casa em geral.” Márcio, ao lado de Roberta Gontijo, fundou a loja que ocupa o 122 da Rua Luís de Camões, em Lisboa.
O arquiteto e a arquiteta paisagista colocaram uma morada no sonho de juntar “o cinzento e o verde, o construído e o natural, o racional e o selvagem” e, agora, promovem a clorofila através da venda e entrega de plantas e da criação de projetos de plant styling - ótimos nomes para falarmos sobre ter estes seres vivos em casa num ambiente citadino: “eu diria que a escolha é muito pessoal”, continua o arquiteto. “Vai depender do gosto de cada um, mas diria que o mais importante para o sucesso da sua urban jungle é observar as particularidades de cada espaço para selecionarmos exatamente as espécies ideais. Fatores como a orientação solar, humidade, ventilação e dimensões das divisões são os primordiais para isso.”
Pois, talvez devesse ter lido sobre o assunto antes de ter criado aquele canto de aromáticas, ao pé do fogão, que durou um par de dias. “Em princípio, a grande maioria das plantas de interior dá-se bem em espaços bem iluminados, mas sem incidência de sol direto. É o caso das monsteras, alocasias, ficus, palmeiras e filodendros. Se o seu espaço não tem muita luz”, sugere, “pode optar pela zamioculcas, a maioria das calatheas, o scindapsus, alguns filodendros e spathiphyllum – o famoso lírio-da-paz”. Sim, melhor ter o Google, no smartphone, aberto. E depois de as ver uma vez, nunca mais se vai esquecer daquela filodendros verde-paixão. “Se houver incidência de sol direto em excesso”, alerta a dupla da Superbotânica, “pode optar, para além dos catos e suculentas, pela yucca, sansevieria – a espada-de-são-jorge – e strelitzias.”
Já identifiquei o meu primeiro erro - tenho uma espada-de-são-jorge no sítio com menos luz. E, segundo me lembro das aulas de Ciências, isso é muito importante (relembramos o processo, para os mais desatentos: chama-se fotossíntese e é o processo físico-químico através do qual, a nível celular, os seres vivos com clorofila utilizam o dióxido de carbono e a água para obter glicose através da energia da luz solar, libertando também oxigénio no processo). É possível que Márcio e Roberta se tenham apercebido da minha falha. “Não existe planta que não precise de luz para sobreviver”, sublinham. “Tem de haver alguma luz natural e, na falta dela, tem de ser providenciada iluminação artificial especialmente projetada para suprir a necessidade mínima para que a planta faça a fotossíntese. Para as varandas e terraços, gostamos de indicar plantas autóctones ou reconhecidamente adaptadas, de forma a que os cuidados não tenham de ser excessivos para manter o jardim bonito. (…) Alguns exemplos seriam o alecrim, a lavanda, as suculentas e sedums, as strelitzias, as espirradeiras e os fórmiuns.”
“Vai depender do gosto de cada um, mas diria que o mais importante para o sucesso da sua urban jungle é observar as particularidades de cada espaço para selecionarmos exatamente as espécies ideais. Fatores como a orientação solar, humidade, ventilação e dimensões das divisões são os primordiais para isso.”
Dito assim, até parece fácil. E não é só pela forma como enumeram espécies em latim com a facilidade de quem pede um café. Mas se as diretrizes são simples, o que é que falha? As pessoas, porque o problema não é só meu: “O que mais ouvimos dos nossos clientes é que querem ter plantas em casa, mas não querem ter trabalho. Portanto, estamos mesmo acostumados a indicar as plantas mais fáceis de cuidar e há quem diga que são as ‘impossíveis’ de matar!” É isto que queremos - quero - saber: “Monstera, zamioculcas, palmeiras, filodendros e sansevierias estão nesse grupo e, regra geral, vão precisar de rega uma vez por semana ou menos, no verão, sendo que essa frequência diminui no inverno, quando as plantas estão em estado de hibernação. Acertando a frequência das regas, que dependem das condições climáticas da sua casa – uma casa muito quente pode significar que as suas plantas vão precisar de mais regas, por exemplo – pode-se dizer que o sucesso está praticamente garantido. E então é cuidar da fertilização, que deve ser feita nos meses de primavera e verão, e ter atenção à altura de trocar as plantas de vaso. Uma forma de saber se é o momento certo é observar se as raízes começam a sair pelos furos na parte inferior dos vasos, sinal de que já não cabem naquele pote. Agora, se desejar um pouco mais de desafio, as alocasias, ficus e calatheas” - talvez seja melhor não… - “são mais exigentes e precisam de mais atenção à regularidade e quantidade da rega, à humidade do ar, à presença de correntes de vento, luz, etc… Mas o esforço, com certeza, será recompensado pela beleza destas plantas.”
Os fatores que enumeram nas respostas como uma mão amiga para a jardineira que (não) há em mim são também os que têm em conta quando fazem projetos paisagísticos: “observamos sempre as condições climáticas como questão primordial, assim como a ‘experiência’ do cliente no cuidado com as plantas. O que mais queremos é que a ‘selva’ perdure na casa dos nossos clientes e, por isso, procuramos sempre planear as espécies também levando em consideração o nível de dificuldade em cuidar delas. Acho que esses pontos seriam os mais importantes mas, como arquitetos que somos, temos também enorme apreço pela composição estética do espaço e portanto é fundamental que, no final, as plantas, vasos e acessórios que selecionamos funcionem bem em conjunto e em harmonia com o espaço.”
Porque é que isto é importante saber? Porque além de diminuir o impacto humano no planeta, cabe-nos ainda compensar o Mundo por ele - e mais um rebento verde ajuda sempre. A bióloga Margarida Delgado corrobora o acima: “sim, há plantas mais aconselháveis para ter em apartamentos. Genericamente, aquelas que se designam como plantas de interior. (…) Porém, o critério de plantas de interior não se baseia nas vantagens para as pessoas. São as características intrínsecas das plantas que determinam se têm capacidade de se desenvolver dentro de casa. Em ambientes interiores há vários fatores limitantes do desenvolvimento das plantas relativamente ao exterior. Um dos mais importantes é a luz, uma vez que a exposição à luz solar é necessariamente diferente em ambientes interiores. Assim, as plantas que melhor se adaptam aos ambientes interiores são aquelas que naturalmente estão mais adaptadas a essas características por terem evoluído em ambientes como, por exemplo, ambientes em que a exposição à luz solar direta é reduzida, o que acontece, por exemplo, junto ao solo numa floresta densa.” Mas equilibra o meu entusiasmo sobre as plantas lá de casa estarem a salvar a Terra: “Na minha opinião, de uma forma geral, não faz sentido falar em plantas mais ou menos amigas do ambiente. Em termos de ambiente natural, as plantas, e a generalidade dos seres vivos, fazem parte do ambiente. Excluo desta afirmação a produção agrícola ou florestal, em que a gestão da produção (mais do que as plantas em si) pode acarretar graves problemas ambientais. Quanto à libertação de oxigénio e ao consumo de dióxido de carbono, são dois processos interligados no metabolismo das plantas em que as que consomem mais dióxido de carbono também libertam mais oxigénio e são, em geral, as de maior taxa de crescimento. Em termos e ambientes urbanos, não creio que seja relevante.”
Lendo nas entrelinhas, seguramente está a confirmar que vale sempre mais uma planta que nenhuma, apesar do seu impacto não ser revolucionário a esta escala. A NASA concorda que vale sempre mais uma folha, diz Márcio: “Há um estudo famoso das melhores plantas para purificar o ar, que são as que filtram os poluentes presentes, por exemplo, nas alcatifas, tintas e solventes comummente presentes nos espaços que habitamos. E, portanto, são essas as plantas que chamamos de ‘purificadoras do ar’. Não porque as demais não o façam, mas sim porque essas o fazem de forma mais relevante. Alguns exemplos de espécies desta lista são a chamaedorea, a sansevieria, o spathiphyllum e os clorofitos”. Sendo assim, para exponenciar o propósito, convém que elas sobrevivam. Isso significa que é melhor escolher plantas autóctones? “Não é de todo a minha área”, esclarece Delgado, “mas diria que o mais importante é ter plantas bem adaptadas ao ambiente em causa o que, à partida, pode estar facilitado se a escolha recair sobre plantas autóctones. No entanto, quando falamos em ambientes humanizados, estamos a falar de alteração do ambiente onde desejamos desenvolver as plantas (não é o ambiente natural), por isso não há uma resposta direta porque há a considerar muitos fatores.” A experiência com os ambientes da capital ajudam a Superbotânica a afunilar a resposta: “via de regra, as espécies para interior não são autóctones, mas sim tropicais, pois o ‘clima’ das nossas casas assemelha-se mais ao clima tropical. O nosso interesse, como disse acima, é trabalhar com uma solução à medida de cada situação. Portanto, o importante é reconhecer o que cada situação pede, seja trabalhar com espécies autóctones ou não.” E também é importante plantar.
"Acho que estar ‘rodeado de plantas’ é uma forma que as pessoas têm, principalmente nos aglomerados urbanos, de estarem ligadas à natureza, ao espaço natural que, afinal, nos conforta enquanto seres vivos que somos. Respeitar e cuidar de uma planta é respeitar e cuidar de um ser vivo e, acho eu, é respeitar e cuidar de nós mesmos.”
Talvez seja esse “o” importante. E é importante não só para o planeta, como também para nós: já ouviu falar do termo "biofilia"? Popularizado pelo biólogo norte-americano Edward Osborne Wilson, num livro homónimo publicado em 1984, o termo - “olhando para a etimologia diria que é o gosto pelo que é vivo”, esclarece Margarida Delgado - traduz-se, de acordo com Wilson, como o amor pela natureza. Na publicação, o autor descreve o conceito como uma tendência natural, voltarmos a nossa atenção às coisas vivas, depreendendo-se que, daí, retiramos satisfação. De uma maneira simples, ter plantas ao nosso redor faz-nos mais felizes. O que também acaba por justificar o facto de, muitas vezes, eu, que convivo com catos e pouco mais, ande por vezes rabugenta, confirmariam os colegas da redação. “Isso é deficiência de monstera”, dir-me-ia um entendido. “De facto, observamos algumas situações no nosso dia-a-dia que o confirmam”, ratificam os arquitetos sobre esta aceção. “É claro que temos inúmeros feedbacks positivos dos nossos clientes acerca da presença das plantas nas suas casas, mas exemplos mais significativos podemos observar nas instalações verdes que fizemos em espaços de trabalho. Houve um trabalho, bastante grande, que fizemos para o escritório da sede de uma agência de publicidade em Lisboa e que envolveu uma intervenção bastante significativa, muitas plantas mesmo. O feedback positivo recebemos logo após a instalação, mas passado um tempo começámos a observar o movimento dos funcionários que passaram a procurar a Superbotânica para adquirirem plantas para as suas casas, muitos deles a comprar plantas pela primeira vez e a comentar que gostavam imenso de estar no escritório, que as plantas haviam modificado o espaço e o ‘clima’, e que gostavam de ter isso também em casa. Acho que estar ‘rodeado de plantas’ é uma forma que as pessoas têm, principalmente nos aglomerados urbanos, de estarem ligadas à natureza, ao espaço natural que, afinal, nos conforta enquanto seres vivos que somos. Respeitar e cuidar de uma planta é respeitar e cuidar de um ser vivo e, acho eu, é respeitar e cuidar de nós mesmos.”
É uma tendência que conseguem identificar, este crescente interesse pelo incremento de espaços verdes no lar? “Sim. Escolhemos Lisboa para iniciar as atividades da Superbotânica pois notámos que aqui esse interesse era, há dois anos, mínimo se comparado ao resto da Europa, e em específico a Londres, onde vivíamos. Desde que abrimos o negócio, só vemos o interesse a crescer, seja pelo feedback extremamente positivo que recebemos na loja, pelo Instagram e dos clientes para os quais fazemos os projetos de espaços verdes, ou seja pelo aumento significativo da menção ao tema nos meios de comunicação e redes sociais. É um assunto que ‘está na moda’ mas, mais do que isso, as pessoas começam a perceber que ter as plantas por perto torna os espaços mais acolhedores e qualitativamente melhores.” É por isso que eu também ainda não desisti de deixar de ser uma nulidade em jardinagem.
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