A crítica de Moda do séc. XX e XXI tem um nome: Suzy Menkes. A jornalista, especializada no setor, destacou-se de forma incomparável numa altura em que moda ainda não tinha um M tão grande como o de Menkes. Suzy trouxe para a primeira fila a audácia do comentário construtivo, fazendo valer a análise como motor de evolução da indústria.
A crítica de Moda do séc. XX e XXI tem um nome: Suzy Menkes. A jornalista, especializada no setor, destacou-se de forma incomparável numa altura em que moda ainda não tinha um M tão grande como o de Menkes. Suzy trouxe para a primeira fila a audácia do comentário construtivo, fazendo valer a análise como motor de evolução da indústria.
Suzy Menkes fotografada por Karl Lagerfeld no virar do novo milénio.
Suzy Menkes fotografada por Karl Lagerfeld no virar do novo milénio.
Se não é aficionada de Moda (vamos assumir que, se está com a Vogue na mão, esta condicional é completamente descabida), deverá conhecer a editora internacional da Vogue, que escreve para todas as edições do título no mundo, apenas e talvez pelo seu icónico e hirto pompadour; se segue com atenção a indústria (vamos assumi-lo como um facto e não como uma opção), saberá que a britânica é muito mais que um penteado reconhecível em qualquer front row; é uma autoridade no jornalismo da área pela sua isenção, capacidade de análise e arcabouço em Moda, que angariou tanto pela experiência quanto pelo entusiasmo.
Qual messias anunciada, com pressa de corrigir os faux pas da Moda, ter nascido a 24 de dezembro (de 1943) nem parece uma data ao acaso. Com o Reino Unido como berço (Beaconsfield, Buckinghamshire, mais concretamente), mudou-se para Paris nos anos 60 para estudar costura e conseguiu entrar num desfile de Haute Couture, através dos contactos da sua senhoria. Nina Ricci marcaria a sua estreia na audiência da Alta-Costura e o vício colou de forma instantânea. Quando regressou ao país natal, estudou Literatura Inglesa em Newnham College, Cambridge, e foi editora do jornal dessa faculdade – The Varsity. Foi a primeira mulher a juntar-se a essa redação.
O The Times trouxe-lhe a primeira experiência jornalística pós-universidade, como repórter júnior, mas foi o The International Herald Tribune que lhe deu a carreira – e a sua imparcialidade deu-lhe o crédito, confirmado pelos prémios que viria a receber (os estandartes de mérito Legion d’Honneur, em França, e o Order of the British Empire, do Reino Unido, ordens das quais é membro, ou as referências Fiorino d’Oro – a maior honra de Florença, como reconhecimento pelo seu contributo à cultura e artes da cidade –, e o Special Recognition Award, nos British Fashion Awards, por exemplo). Depois de um quarto de século no jornal, a mudança de Tribune para International Times precipitou a sua saída. “Tudo mudou, nada parecia o mesmo. Foi a altura ideal para sair e o meu novo trabalho é uma ideia bestial porque haverá coisa mais internacional que a Moda?”, justificou.
Falava da Vogue: ficou 26 anos enquanto editora de estilo do agora The International New York Times (conhecido anteriormente como The International Herald Tribune) antes de se juntar à Condé Nast enquanto International Vogue Editor, em 2014, o melhor outlet para falar de Moda como a Moda se queria em tempos de social media: sem filtros. Afinal, foi também Menkes quem apontou um calendário de Moda cada vez mais (por demais) ambicioso, alegando que tinha um impacto negativo nos criadores e consequente criatividade, e criticou aquilo que chamava de Circo da Moda de bloggers e celebridades de street style, considerando que havia “algo de ridículo na autopromoção de alguns árbitros digitais que vão ao encontro ao mantra que me ensinaram nos meus primeiros anos enquanto jornalista de Moda: ‘Não é bom porque tu gostas; tu gostas porque é bom’.”
A Vogue Portugal recupera a sua primeira crónica para o título que desencadeou uma série de textos incisivos, como é seu apanágio. E o seu artigo de estreia não podia ser mais on point – Suzy Menkes: Lutando contra a Bitch Brigade encabeça um texto onde a jornalista e autoridade na indústria desafia a “cara feia da crítica de Moda”.
"Seja a Gwyneth Paltrow a falar sobre paparazzi, a lua de mel de Kim e Kanye ou a presença de Kate (Moss/Middleton), a fiada de comentários ofensivos no Twitter parece não ter fim. Uma das duas Kates foi acusada de usar um uniforme de hospedeira da Virgin à saída de um voo para a Nova Zelândia, a outra Kate, sedutora aos 40, alegadamente mostrou todas as suas rugas consequentes dos seus tempos de festas. Nicole Kidman, na passadeira vermelha de Cannes, foi ostracizada por parecer a ‘Princesa Grace do Botox’. E Kim, no seu look de Versailles, foi decretada como tendo o máximo de decote, mínimo de classe.
É a Internet a mostrar a cara feia da crítica de Moda. Se há algo de mau para se dizer em 140 caracteres ou menos, há sempre alguém preparado para deixar fluir a língua viperina sobre um vestido de Alta-Costura que não assenta bem ou aqueles saltos altos instáveis. Um comentário simpático sobre o quão bonita está uma estrela é tão raro quanto um diamante do mais elevado quilate (e mesmo esse foi considerado ‘vulgar’ quando George Clooney encontrou a sua alma gémea).
Eu tenho uma diferente perceção sobre o que é ser-se um crítico de Moda. E a minha nova posição enquanto editora internacional da Vogue é assumir este mantra: no bitching. A minha abordagem pessoal à crítica de Moda é que fico deveras feliz quando vejo uma ótima coleção e dou esse crédito onde ele é devido. E se o desfile é fraco? Tento oferecer comentários construtivos – e não odiosos. É sobre sensibilidade ao invés de maldade e análise em vez de reagir em cima do joelho. Talvez sempre tenha havido uma subtil ideia – especialmente dos que estão fora da indústria – de que o mundo da Moda é bitch central. Há uma série de histórias, dos anos 30, de Coco Chanel, com a sua modernidade cáustica masculina, a comentar sobre a astúcia tonta de Elsa Schiaparelli, desprezando a rival como ‘aquela artista Italiana que faz roupas’.
Karl Lagerfeld uma vez chocou a sociedade francesa ao chamar Yves Saint Laurent de pied noir (pé negro), referindo-se à infância do costureiro no Norte de África. E houve uma querela de longa data entre Giorgio Armani, maestro do minimalismo masculino, e Gianni Versace, com a sua sensualidade exuberante.
A primeira vez que me apercebi de que a perceção popular do mundo da Moda era de uma crueldade envernizada foi nos anos 90, quando me pediram para participar em Absolutely Fabulous, a comédia televisiva britânica sobre duas colegas de meia-idade da indústria da Moda que tentam a todo o custo permanecer cool. Cheguei ao estúdio e encontrei Joanna Lumley a ser superbitch com o cabeleireiro do set. Estava a ferver de raiva à medida que ele lutava por copiar a minha poupa nela – o chamado pompadour. E ficou ainda mais furiosa quando o seu penteado desmaiou na primeira fila ao passo que o meu sobreviveu às filmagens. No entanto, no mundo real (e não no digital), as pessoas raramente são maldosas. Há um sentido genuíno de família de Moda – seja ela a verdadeira ou a adquirida.
Os Missonis são o arquétipo. Eu vi a linhagem de primos juntar-se em São Francisco, o mês passado, quando Angela e a sua filha Margherita receberam o diploma pelo doutoramento na Academy of Art University, com a matriarca Rosita a liderar a equipa. Mesmo que não seja uma família biológica, como acontece nos clãs Fendi, Ferragamo e Ralph Lauren, há equipas tão leais que se o designer sai do barco – como quando o Nicolas Ghesquière se mudou para a Louis Vuitton –, a família vai também. Mas este é o mundo dos verdadeiros players da Moda, onde há uma conexão física entre criativos e críticos – mesmo que seja só nos shows semestrais e em eventos de Moda.
O crescimento da Internet tem sido descrito como a grande democratização, onde as conexões digitais e o crowdsourcing criaram uma mudança na força do poder. Mas participar via teclado, webcam ou feed do Twitter é uma conversa unilateral. E ser tinhoso, controverso e simplesmente maldoso é basicamente a única maneira de um comentador de desktop ou smartphone ser notado. Basta olhar para a TMZ e as respostas às suas questões do we gotta ask para perceber que a bitchiness é uma forma de adrenalina para os leitores. E todos aqueles comentários tórridos em crescendo estão em conluio com todas as oportunidades que o digital e as redes sociais têm criado.
O que fazer, quando a corrida para o fundo aponta de forma descendente a uma velocidade alucinante? Considero desestabilizante não o criticismo acutilante, mas o conceito de que ninguém pode ousar ser diferente, se ele/ela quiserem evitar acabar na lista digital dos mais mal vestidos. Sou toda a favor da diversidade de Moda, não da ditadura; pelo aplauso, e não pelo ser-se insidioso. As bitches levam a vantagem da velocidade – uma resposta não ponderada que pode virar viral e assinalar um novo blogue para clicar. Mas a reação instantânea às nódoas negras de Lindsay Lohan em biquíni, à cintura elástica de Natalia Vodianova pós-bebé e o mais recente desfile de pré-coleção de qualquer designer que seja não merece a pressa no julgamento.
Se as bitches estão a ganhar, os verdadeiros apreciadores de Moda estão a perder. A Suzy Menkes na Vogue vai ser anti-bitch.”
- Suzy Menkes
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