Fotografia: cortesia Louis Vuitton
Takashi Murakami tem o tipo de energia infantil que vem com a idade e a sabedoria. Uma parte génio louco, outra parte miúdo curioso, o prolífico artista é um dos maiores nomes na sua área. E – com a sua aguardada colaboração com a Louis Vuitton a chegar às lojas em janeiro – um dos maiores nomes da Moda.
Em retrospetiva, a primeira colaboração do artista com a Louis Vuitton para a primavera de 2003 foi um momento crucial. Foi o prelúdio da difusão da Alta-Costura em todas as vertentes da cultura pop e do desvanecimento das linhas entre a criatividade e o comercial que ainda hoje define a indústria. As flores sorridentes e as criaturas de desenhos animados espalhadas pelas carteiras com o monograma da maison surgiram numa altura definida pela vanguarda deste tipo de colaborações – e antes do termo kawaii entrar no léxico da Moda convencional.
Cortesia Louis Vuitton
“Naquela altura, não sabia nada sobre Moda”, diz à Vogue, por videochamada, a partir do seu enorme estúdio em Saitama, a norte de Tóquio, onde os membros da sua equipa se movimentam em segundo plano. “Durante os primeiros quatro anos, mais ou menos, visitava a sede da Louis Vuitton com bastante frequência, por isso lembro-me de ter sido uma experiência de aprendizagem para mim sobre como se constrói uma marca”, diz. “Esses 20 anos passaram num piscar de olhos.”
Desde então, Murakami, de 62 anos, tem vindo a afirmar-se como um homem que deixou a sua marca no mundo. “Estou a ficar mais velho, por isso já não me envergonho de nada nem tenho objetivos que quero alcançar no futuro”, diz. Na altura em que foi escolhido por Marc Jacobs para colaborar com a Louis Vuitton, era um artista bem conhecido, mas nem de perto o ícone prolífico que é atualmente. “Costumava sentir-me envergonhado quando ia a um desfile da Louis Vuitton com as minhas roupas rascas, mas hoje em dia não me importo nada com isso!”, ri-se.
A sua nova colaboração é uma reedição da primeira – com as conhecidas flores, o Panda e as suas “Criaturas do Planeta 66” (personagens adoráveis com folhas em vez de cabelo) espalhadas por carteiras, acessórios e até um skate através de monogramas arco-íris em branco e preto. A Pochette, a Speedy, os porta-cartões, entre outros, também reaparecem, alguns com atualizações de hardware e charms em forma de laço. Naturalmente, há também uma bolsa para animais de estimação – o que é mais Y2K do que um chihuahua portátil?
Behind-the-scenes da campanha Louis Vuitton x Murakami, protagonizada por Zendaya
Cortesia Louis Vuitton
Behind-the-scenes da campanha Louis Vuitton x Murakami, protagonizada por Zendaya
Cortesia Louis Vuitton
O entusiasmo em torno da coleção tem sido frenético – mas Murakami diz que, inicialmente, não era suposto ser tão grande como foi. O ingrediente secreto? Uma certa atriz e embaixadora Louis Vuitton, que será o rosto da próxima campanha da colaboração. “Era suposto ser uma coleção cápsula, bastante pequena, mas quando a Zendaya apareceu… uau!”, diz Murakami. “O seu poder é completamente diferente, a energia que ela tem está noutro nível”.
A par da reedição, há uma versão remasterizada do filme de Murakami, Superflat Monogram, que conta a história de uma aluna que é engolida pelo Panda e embarca numa aventura ao estilo de Alice no País das Maravilhas, através do mundo eclético do artista. “Queria criar uma história sobre crianças que entram no mundo Louis Vuitton, e isto revisita essa vontade”, explica.
Ainda assim, a visão de Murakami em relação ao kawaii apresenta uma escuridão latente, manifestada nas presas pontiagudas, nas cores psicadélicas e nos olhos selvagens e desencarnados dos desenhos animados que habitam no seu trabalho. As suas conhecidas flores de arco-íris representam a esperança que surgiu no Japão após os bombardeamentos atómicos. Para o artista, os elementos mais estranhos e excêntricos são o que, segundo ele, atrai as crianças, precisamente porque não são paternalistas. “Se eu não incorporar algumas sombras de alguma forma, as crianças vão sentir que estão a ser ridicularizadas. O mundo é uma confusão, cheio de desejos. Não tem lógica. As crianças compreendem isso.”
A carteira Marc Jacobs x Murakami, de 2003
Cortesia Louis Vuitton
O próprio Murakami é, pelo menos em alguns aspetos, tão irrepreensivelmente positivo como as suas flores. Numa altura em que muitos artistas estão preocupados com a possibilidade de serem substituídos pela IA, Murakami tem uma visão otimista. “Os fotógrafos pensaram que iriam desaparecer quando os smartphones se tornaram realidade, mas é claro que não desapareceram”, diz. “É inevitável que as coisas mudem. No início, muitos designers, compositores e outros criativos podem desaparecer, mas vão voltar – toda as pessoas se aborrecem.” Murakami está a aproveitar a onda da mudança. “Se pessoas idosas como eu não usarem as novas tecnologias, acabamos por esquecer tudo. Por isso, agora é a altura de estudar a IA”, acrescenta, rindo, enquanto conta que a tem usado recentemente para compor música. “Viva a IA!”
É aí que reside a curiosidade excêntrica que mantém o trabalho de Takashi Murakami tão relevante hoje como há duas décadas. “No início dos anos 2000, disse à Louis Vuitton que queria levar o seu mundo às crianças para expandir o mercado”, diz num resumo da colaboração. “Agora, essas crianças estão crescidas”. E quanto ao próprio Murakami? Um sorriso malicioso enruga-lhe o rosto. “Nunca me tornei adulto!”
Cortesia Louis Vuitton
Cortesia Louis Vuitton
Cortesia Louis Vuitton
Traduzido do original, disponível aqui.