Neste vaivém que é a Moda, tendências vão e tendências vêm. Mas de onde? Desde quando? E com que propósito? Fomos investigar a questão.
Neste vaivém que é a Moda, tendências vão e tendências vêm. Mas de onde? Desde quando? E com que propósito? Fomos investigar a questão.
Clueless, 1995 ©D.R.
Clueless, 1995 ©D.R.
Tendência. Substantivo feminino. Ação ou força pela qual um corpo tende a mover-se para alguma parte. Uma propensão, uma inclinação, uma disposição, um propósito. Aquilo que justifica o porquê de vermos a mesma carteira em 20 fotografias diferentes no Instagram – isto só no espaço de dois minutos, óbvio. Aquilo que nos faz sentir atraídas pelo mesmo par de sapatos que as cinco pessoas que estão à nossa volta – e usar o mesmo par de sapatos que as cinco pessoas por quem passámos na rua hoje. Aquilo que molda todas as nossas vontades, todas as nossas escolhas, todas as nossas decisões, e todos os nossos desejos – mesmo aqueles que nem sequer sabíamos que tínhamos. Aquilo que nos motiva a comprar uma camisola de gola alta num tom de néon que, de tão garrido que é, consegue gritar aos sete ventos que temos mais amor pelo sentimento de pertencer do que pelos 20 euros que demos por ela.
Mas quem é que se lembrou de criar esta coisa mais pesada que aquele casaco de pelo que estava em todo o lado há duas estações, para depois desaparecer com a mesma rapidez com que chegou? Segundo Guillaume Erner, podemos culpar-nos a nós mesmos – isto é, à sociedade de consumo – pelo aparecimento desta coisa a que tão familiarmente chamamos tendência. “As tendências nasceram com a modernidade”, defende o sociólogo e jornalista no seu livro Sociologia das Tendências. “Elas são uma consequência das mudanças observadas desde o século XVIII nos âmbitos económicos, tecnológicos e sociológicos. Essas transformações tornaram-se possíveis graças às evoluções tecnológicas e económicas. Os indivíduos queriam novidades, e o sistema instalado pela Revolução Industrial, no século XVIII, foi capaz de as fornecer.”
"Podemos culpar-nos a nós mesmos – isto é, à sociedade de consumo – pelo aparecimento desta coisa a que tão familiarmente chamamos tendência"
Como acontece com qualquer fenómeno sociológico, não existe uma única conclusão sobre o “onde” e o “como” do nascimento das tendências como hoje as conhecemos, mas todas as teorias que abordam o assunto parecem ter uma coisa em comum: o ser humano. Em 1962, Everett Rogers desenvolve A Lei da Difusão da Inovação, uma teoria que explica a forma como, ao longo do tempo, uma ideia consegue ganhar momentum e difundir-se pelas complexas teias do sistema social. Para Everett, a adoção de uma nova ideia, comportamento ou produto não acontece de forma simultânea – é um processo que joga com a disposição das pessoas, que escolhem adotá-las logo, ou não adotá-las de todo.
A ideia do economista e sociólogo é mais simples de compreender quando se introduzem as cinco categorias de adoção refutadas por Everett: os inovadores, isto é, as pessoas que querem ser as primeiras a experimentar a inovação; os primeiros adotantes, que representam os líderes de opinião, atentos às tendências e dispostos a experimentá-las; a primeira maioria, ou seja, aquelas pessoas que chegam um pouco tarde à festa, mas que não perdem a diversão; a maioria tardia, que pode ser materializada naquela amiga que jurou nunca usar uma saia com padrão leopardo, até ao momento que a viu pendurada em todos os cabides da Zara; e os laggards, aquele grupo de céticos em que se insere o namorado que nunca, mas nunca, vai ter Instagram.
"Apesar de se comportarem de diferentes formas em diferentes momentos, tribos e tendências coexistiram desde sempre, como dois lados da mesma moeda"
Se refletirmos por alguns segundos (não são precisos muitos, acredite), conseguimos ver a teoria de Everett em todo o lado: nos carros que conduzimos, nos cigarros que fumamos, nos telemóveis que usamos todos os dias, na forma como decidimos decorar o nosso espaço pessoal, nos produtos de maquilhagem que pomos na carteira, nos livros que lemos e deixamos de ler, nos filmes que escolhemos ver no cinema e nas séries que preferimos ver na Netflix. Conseguimos ver a teoria de Everett em todo o lado porque nós somos a materialização da teoria de Everett: mas, se a levarmos ao específico e a aplicarmos à indústria da Moda, conseguimos perceber que, apesar de se comportarem de diferentes formas em diferentes momentos, tribos e tendências coexistiram desde sempre, como dois lados da mesma moeda.
Porquê? Porque ela está em todas as tendências que nasceram connosco e morreram connosco – e naquelas que, da mesma forma que nasceram e morreram connosco, renasceram connosco. Porque ela está pendurada em todas as decisões que fazemos para encher o armário. Porque ela está espalhada em todos os sapatos, carteiras, brincos, anéis, pulseiras e ganchos que, todos os dias, nos deixam com aquela sensação de vazio do “não tenho nada para usar”. Porque ela é um produto da forma como nós, tribo, nos comportamos – e uma forma como nós, tribo, nos identificamos.
"A verdade é esta: as tendências são difundidas pelas pessoas (...) A cultura humana existe através de um ciclo constante de inovação e emulação"
E é por isso que conseguimos perceber o porquê de Guillaume Erner dizer que “as tendências constituem uma solução para a nossa época” – uma época em que andamos perdidos, sem rumo e sem esperança, mas a nossa roupa não. Essa, ao contrário de nós, sabe exatamente onde está. “A verdade é esta: as tendências são difundidas pelas pessoas”, escreveu Jonathan Openshaw, colunista no site Mr. Porter e editor do The Future Laboratory, num artigo intitulado: How Do Trends Happen? Se olharmos à nossa volta, se nos ligarmos às redes sociais ou se passarmos uma tarde a andar de loja de fast fashion em loja de fast fashion, conseguimos perceber o sentido desta afirmação – conseguimos perceber que as tendências existem porque nós existimos.
Conseguimos perceber que, onde quer que existam tribos, existirão tendências. Conseguimos perceber que elas são um produto tão nosso, como nós somos delas. “As tendências sempre foram, e serão sempre, essenciais ao modo como interagimos uns com os outros”, continua Openshaw no mesmo artigo. “A cultura humana existe através de um ciclo constante de inovação e emulação. Os bocejos não são contagiantes porque andam pelo ar, mas antes porque nos mostram um sentido de empatia e compreensão. Eles mostram-nos que fazemos parte do grupo.” Algures no fundo da gaveta, perdida entre as complexas teias do tempo que foi passando sem darmos por ele, aquela mesma camisola néon de gola alta grita: “Eu sabia. Tu nunca gostaste de mim.” Pois não. Mas teve de ser.
Artigo originalmente publicado na edição de abril de 2019 da Vogue Portugal.