Já perdemos a conta às vezes que nos apropriámos da expressão "thank u, next". Mas com a chegada da primavera é mesmo caso para dizer "thank u, next" às caxemiras, lãs e malhas e receber de bom grado os tecidos e materiais mais leves.
Já perdemos a conta às vezes que nos apropriámos da expressão "thank u, next". Mas com a chegada da primavera é mesmo caso para dizer "thank u, next" às caxemiras, lãs e malhas e receber de bom grado os tecidos e materiais mais leves
Tie-dye 2.0
© ImaxTree & Getty Images
Toxic, de Britney Spears, toca como pano de fundo. Pano esse que foi enrolado, apertado até que as fibras não cedam mais, mergulhado num rio de cor, contagiado pelos químicos da espuma dos nossos dias. Podíamos chamar-lhe tie-dye, mas estaríamos a induzir-vos em erro. É que o tie-dye, na sua génese, sempre foi mais que uma técnica de tecido tingido: era, também, sinónimo de alegria e liberdade, era sinónimo de uma anarquia amorosa e idealista que enchia os corações de calor e os armários de cor. A técnica é a mesma, sim, e à primeira vista pode parecer que nada mudou. Mas nós mudámos e, connosco, o mundo tornou-se sulfúrico
Zzz sou uma abelha
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Cantava Clemente, em Colmeia do Amor, que andamos sempre em busca do mel. De facto, sempre que nos queremos encontrar, deixamos para trás a selva de betão e rumamos a lares em que o silêncio é a banda sonora e abelhas e borboletas os únicos seres vivos que toleramos ouvir. Mas até as abelhas ferram. Até aqui, no idílico e bucólico lugar onde moram as flores, há fel e necessidade, por causa dele, que o véu nos cubra o rosto, que as luvas nos salvem as mãos. Até aqui só estamos a salvo se nos separarmos de tudo. Mesmo que nos separemos apenas com a transparência da seda.
Jeanne D’Arc
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Nas últimas estações, não há mês em que não tenhamos usado as palavras “mulher” e “armadura” em pelo menos uma frase. Primeiro porque as mulhe- res eram frágeis e precisavam de se proteger contra um mundo hostil, contra um mundo que as ignorava, que nãos as ouvia, que não as validava nem lhes encontrava um lugar legítimo. Mas felizmente a narrativa é outra. Hoje as mulheres guerreiras não usam o metal, o prateado, os corpetes armados para a defesa, mas para o ataque. Hoje as mulheres são as suas próprias salvadoras e em vez de casulos têm armas, em vez de fragilidade usam a vulnerabilidade como a força de um canhão que o mundo nunca viu. Hoje o mundo mudou.
Sweet Escape
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Então fazemos as malas e vamos. Fazemos as malas mesmo agora, que a primavera tarda a chegar, para lugares onde todas as cores são saturadas e todas as flores ampliadas, como que pela divina providência do amor. Então fazemos as malas para um lugar de irmandade, para um lugar onde o calor vem de dentro, como se fosse uma pintura de Gauguin, ou então mais como se todos os verdes e amarelos tivessem feito amor na areia. Temos fruta na mão e sandálias nos pés e vemos o mundo como se abríssemos os olhos pela primeira vez. Fazemos as malas e vamos, e então chegamos ao lugar da doçura e estamos em casa.
Futuro disruptivo
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O problema das distopias é que muito depressa se tornam um cenário de terror. E só o fazem, só o conseguem fazer, porque estão demasiado perto, porque são demasiado plausíveis. O verdadeiro problema chega quando deixamos de dizer “futuro distópico” para perceber que estamos mesmo é num “presente distópico”, por isso não admira que nos sintamos tão atraídos para o negro total e para todos os looks a que antes chamávamos futuristas. Não é o que usaremos amanhã, é o que queremos usar hoje porque sabemos, temos a certeza que a Big Sister is Watching You.
Back to school
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Mas se não tiveres estudado de uniforme não tem mal, eles não vão a lado nenhum. Felizmente houve um upgrade: há o azul, vermelho e branco, claro, mas a eles juntam-se os castanhos, os laranjas, em xadrez, em saias plissadas. As meias chegam aos joelhos e as carteiras – grandes, estruturadas – são para levar pela mão. Os blazers são obrigatórios e as malhas ficam para a casual friday, ou pelo menos para o máximo de casual que se possa usar quando o preppy é a palavra de ordem.
Le merveilleux Pierrot
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Os volumes, os folhos, o exagero, o drama mas nunca o horror. Também nunca a mudez – nunca mais –, mas o movimento gracioso e doce e mega- lómano do Pierrot traduz-se num peso e numa energia que faziam falta à Moda. Quando se entra numa sala, a entrada corta a respiração, o impacto é profundo e duradouro, tem ramificações, tem réplicas que ondulam durante horas. Mas quando se espera dureza só há suavidade; quando se espera uma marcha só há uma vénia; quando se espera uma espada só há um abraço.
Studio Girl
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Qual é o problema de usar um macacão branco para pintar as paredes do quarto de amarelo? Uma capa nude para pôr as mãos no barro ver- melho, enquanto o pé acelera a roda? Qual é o mal de semear batatas de vestido? Alguém quer saber se nos sujamos, se nos despojamos da roupa como quem a usa e não como quem é usado? Nós queremos saber? Queremos mesmo? Não podemos só cobrir-nos do que gostamos para fazer o que gostamos ainda mais?
Tour de France
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Os calções de ciclista já nos tinham chegado ao guarda-roupa no verão passado, quase como piada, quase ironicamente mas também numa de testar e ver até onde dá. São calções em licra, pelo amor da santa, vamos mesmo cortar uma meta? Cortámos. Cortámos a meta que separava o ciclismo da Moda e não conseguimos perceber como é que demorou tanto tempo. É certo que tanto um como outro exigem meses, anos de preparação. É certo que são ambos baseados no esforço e no talento, é certo que ambos precisam de bom tempo e, com sorte, de um sol morno que atenue as dificuldades do caminho. Mas estavam destinados a estar juntos, desde que a licra se tornou na nossa melhor amiga e os óculos espelhados voltaram a ser cool. O único acessório desnecessário é mesmo a bicicleta – tudo o resto é camisola amarela.
Realização de Cláudia Barros.Artigo originalmente publicado na edição de março de 2019 da Vogue Portugal.