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The bigger the better

31 Jul 2023
By Mariana Silva

Artwork de Miguel Canhoto.

Quem veio primeiro: o produto de beleza em tamanho grande ou a amostra? Para o consumidor contemporâneo, as embalagens travel size ganham prioridade face a fórmulas desconhecidas e tamanhos pouco práticos para transportar numa mala de viagem. Mas se as suas vantagens são evidentes, os problemas das miniaturas de beleza escondem-se no fundo dos oceanos.

Sempre que tenho de preparar uma mala de viagem, surge uma faceta minimalista que toma conta dos meus movimentos. Não sei se foram os anos passados na universidade, quando todos os fins de semana transportava a minha vida num saco, ou o facto de sofrer de uma grave aversão a caos e confusão, mas existe uma voz na minha cabeça que me impede de levar uma mala de porão sempre que viajo. Escusado será dizer que me arrependo muitas vezes desta escolha. E não, o motivo não é a falta de outfits ou de produtos de beleza. Há somente um momento que me faz questionar a minha mala de cabine: a temida passagem pela segurança do aeroporto. O mais absurdo é que não tenho nada a esconder (à exceção daquela vez em que acidentalmente levei uma tesoura de costura na mala, tão pequena que até o segurança se riu de mim). Porém, existe algo no ato de ter alguém perto de mim a gritar “líquidos e equipamentos eletrónicos para fora” que ativa o meu sistema nervoso de uma forma demasiado eficaz. É que eu tenho sempre líquidos, muitos líquidos, e nada me assusta mais do que a ideia de ter de deixar um dos meus preciosos produtos de beleza no aeroporto. Foi por esse motivo que passei a recorrer às embalagens travel size, até ter lido um artigo que as designava como “as palhinhas da indústria da beleza.”

Ainda que as regras de segurança nos aeroportos tenham impulsionado a indústria das miniaturas de beleza, há várias aplicações para estas embalagens nos dias que correm. Muitos oferecem-nas como prendas, em conjuntos que agregam três e quatro produtos de uma só vez, enquanto outros recorrem aos tamanhos mais pequenos para perceber quão eficaz é uma determinada fórmula. As marcas, por sua vez, descobriram nas amostras uma estratégia de marketing poderosa para aumentar as vendas. Um estudo realizado em 2015 pela agência de análise de dados Euromonitor International registou a oferta de amostras como o terceiro motivo pelo qual os consumidores compram um produto de beleza. Apenas as recomendações de familiares e amigos e as experiências passadas (por exemplo, a repetição da compra) se encontram mais bem classificadas. Em 2019, nos Estados Unidos da América, a venda de cosméticos em miniatura totalizou os 3,1 mil milhões de dólares, e estima-se que, no Reino Unido, a produção anual de embalagens travel size equivalha a 980 toneladas de plástico. Todavia, nem são precisos dados como estes para perceber o quanto este setor está a crescer. Basta entrar num retalhista de beleza e descobrir que já existem expositores unicamente dedicados aos cosméticos de tamanho reduzido.

Regra geral, porque estão os consumidores tão obcecados com estas miniaturas? As empresas confessam que o seu público alvo são os membros da geração millennial, que não são fiéis a nenhuma marca de beleza. Uma opção travel size permite adquirir o produto a um preço mais baixo, reduzindo a sensação de comprometimento. Ressalta ainda o facto de os millennials viverem tradicionalmente em casas mais pequenas, em comparação às gerações anteriores, o que significa que terão um espaço reduzido na sua prateleira de beleza. Observando a população universal, seria erróneo ignorar o impacto que as viagens tiveram no crescimento das miniaturas de beleza – não é por acaso que estes tamanhos são vulgarmente conhecidos como travel size. O turismo aumenta ao mesmo tempo que as comodidades nos aviões diminuem, já que a grande maioria prefere viajar mais, a viajar em grande, procurando reduzir os custos associados a cada voo. Mesmo entre os que optam pela aquisição de uma mala de porão, na qual não existe limite ao tamanho dos produtos transportados, há quem leve consigo opções dedicadas ao tratamento da pele no avião. A desidratação é uma consequência inevitável de um voo longo e as tendências de skincare ditam que a aplicação de máscaras faciais no meio das nuvens não deve ser considerada um luxo, mas sim uma necessidade.

Estabelecidos os motivos que possibilitaram a expansão do setor dos cosméticos travel size, é tempo de demarcar os problemas que acompanharam esse crescimento. A palavra de ordem é desperdício; não obstante, este não é um desperdício que apenas surge a par das embalagens. Antes de se levantarem as consequências negativas para o ambiente, pense-se nos problemas que esta tendência traz para os consumidores. Em primeiro lugar, a aquisição contínua de miniaturas de beleza não é viável de um ponto de vista económico. Ainda que a amostra seja mais barata do que o produto de tamanho grande, quando analisamos o seu preço por quantidade (ao invés de unidade), percebemos que o custo é mais elevado, uma vez que implica um maior gasto em embalagem e transporte. Façamos um teste rápido com um óleo de cabelo muito vendido no mercado. O tamanho maior, de 100 mililitros, apresenta um preço de € 78,99, o que corresponde a € 0,7899 por mililitro. Por sua vez, o tamanho mais pequeno, de 20 mililitros, pode ser adquirido por € 22,99, totalizando € 1,1495 por mililitro. Aquilo que parecia ser mais barato, à primeira vista, acaba por ficar mais caro quando analisado ao longo de um maior período de tempo. Mesmo assim, esta não é a única desvantagem para o consumidor. Tendo em conta que os cosméticos expiram mais rapidamente após terem sido abertos, não convém guardar as miniaturas que restam para a viagem seguinte, pois podem já não estar dentro do prazo de validade. Este facto resulta num elevado desperdício de produto, acompanhado pela necessidade de repetir a aquisição de novas embalagens travel size sempre que se deseja viajar.


Para além das desvantagens para o consumidor, subsiste uma miríade de dificuldades que a indústria das miniaturas enfrenta ao nível ambiental. Devido aos materiais utilizados nas embalagens e à ineficácia do tratamento dos resíduos químicos na cadeia de produção, o setor da beleza é, de forma generalizada, muito poluente. No entanto, a manufatura de opções travel size não só aumenta a escala destes problemas ecológicos, como também carrega as suas próprias adversidades. Comecemos pela realidade de que a esmagadora maioria das amostras são embaladas em materiais provenientes de combustíveis fósseis, nomeadamente plástico. Embora para alguns produtos de beleza de tamanho grande se opte por um packaging em vidro ou cartão, isso raramente acontece nas suas versões reduzidas, pois provocaria um aumento no preço final e retiraria algumas das caraterísticas práticas essenciais às opções travel size. Quem nunca escondeu a delicada embalagem de vidro de um perfume no meio da roupa, para garantir que não se parta durante a viagem, atire a primeira pedra. Se uma embalagem de plástico já é, por si só, uma ameaça à saúde do planeta Terra, imagine-se o impacto de milhares de milhões de embalagens similares, bem como a poluição resultante do transporte que é necessário à sua chegada ao consumidor. 

Agora, a pergunta para um milhão de euros: não se podem reciclar estas embalagens? Sim e não. Na teoria, a grande maioria dos países contempla um sistema eficaz de reciclagem, que permite dar uma nova vida aos plásticos pós-consumo e, assim, reduzir o desperdício que chega aos aterros e aos oceanos. Na prática, não é assim tão fácil. Um estudo publicado pela National Geographic em 2018 chegou à conclusão de que apenas 9% dos plásticos a nível mundial são reciclados. E embora esse número possa ter aumentado nos últimos anos, está longe de atingir o ideal para o estágio climático em que nos encontramos. Há vários motivos que explicam a baixíssima percentagem de plásticos reciclados, mas, quando se analisa o caso específico dos produtos de beleza travel size, os mais importantes relacionam-se com o seu tamanho. Muitos sistemas de reciclagem seguem um processo automatizado e as máquinas foram programadas para detetar os produtos de tamanho “normal”, como garrafas de água, e não as miniaturas que inundam o contentor amarelo. Mesmo adotando uma seleção manual, é difícil identificar recipientes tão pequenos no meio de toneladas e toneladas de lixo. Outra justificação significativa prende-se com a necessidade de os produtos estarem vazios. Apenas se consegue dar uma nova vida a uma embalagem de plástico se, no seu interior, não existirem resíduos que possam contaminar o processo de reciclagem. Tendo em conta que seria necessário um trabalho manual tremendo para esvaziar todos os recipientes que chegam ao contentor amarelo, muitos acabam por ser encaminhados para os aterros, onde se mantêm por milhares de anos. 

Visto que existem sistemas de reciclagem distintos para cada país, em Portugal devemos ter em consideração as indicações da Sociedade Ponto Verde. No que concerne às embalagens de beleza de forma geral, segue-se a regra da reciclagem maioritária: isto é, coloca-se o produto no contentor a que corresponde a maioria da composição da embalagem. Se um recipiente for de plástico, por exemplo, insere-se na íntegra no contentor amarelo, mesmo que tenha um rótulo de papel. Por ser de tamanho reduzido, esse rótulo não deve ser separado da embalagem principal, pois, se fosse colocado por si só no contentor azul, perder-se-ia no processo de reciclagem. Tal como já foi referido, os produtos devem ser esvaziados na totalidade, não sendo necessária a sua lavagem. Apenas os resíduos que não prejudicam a qualidade da água, como champôs e géis de banho, podem ser eliminados no lavatório. As restantes fórmulas devem ser encaminhadas para o lixo indiferenciado. 

Ainda que estas sejam as boas práticas da reciclagem, não devem ser a primeira iniciativa a adotar para uma maior sustentabilidade da indústria dos cosméticos em miniatura. Ao seguirmos a ordem dos cinco R’s da ecologia, começaríamos por repensar o nosso estilo de vida, recusar o que não precisamos, reduzir o consumo do que precisamos, reutilizar o que já temos e, apenas no fim, reciclar o que usámos. Neste sentido, surgem alternativas às embalagens travel size, que se centram nos princípios de redução e reutilização. Uma das mais adotadas pelo setor cosmético prende-se com a promoção de opções refillable. Em vez de se adquirir uma embalagem de plástico ou vidro com a compra de um produto de beleza, existem marcas que oferecem a possibilidade de se adquirir apenas o conteúdo dessa embalagem. Levando à loja o recipiente que se possui, um assistente de vendas poderá repor o produto selecionado, por um preço mais baixo, dado que não existem custos ao nível da embalagem. Esta solução mostra-se especialmente eficaz para a hotelaria, onde os produtos de beleza seguiam uma regra de utilização única, totalizando um custo elevado para o hotel. Enquanto algumas cadeias alteram as suas práticas de forma voluntária, começa a chegar legislação que reforça esta necessidade. O estado da Califórnia foi pioneiro na proibição de plásticos de uso único na hotelaria, proporcionando um período de transição que terminou em janeiro de 2023.

Outra solução passa pelo favorecimento de produtos sólidos. Ao não requererem tanta água na produção e eliminarem o plástico das embalagens, a sua pegada ecológica revela-se bastante reduzida em comparação com os cosméticos líquidos. Neste momento, já existem opções sólidas para quase todos os passos de uma rotina de beleza, sendo cada vez mais difícil arranjar argumentos que questionem a sua eficácia. Se não quisermos refletir acerca dos seus benefícios ambientais, pensemos no quão mais fácil seria passar a segurança do aeroporto. Adeus, sacos transparentes e revistas caóticas à mala de cabine. O futuro da beleza em viagem é mais sólido do que nunca.

 Originalmente publicado no The Voyage Issue, em junho de 2023.

Mariana Silva By Mariana Silva
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