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Thierry Mugler : “Tens que ser corajoso para ser feliz.”

07 Apr 2020
By Liam Freeman

O lendário designer francês e couturier já trabalhou com Beyoncé, David Bowie e Lady Gaga – e agora, Kim Kardashian West e Cardi B vestem as suas peças de arquivo. Numa entrevista rara e exclusiva, Mugler conversa com a Vogue sobre a sua vida menos conhecida atrás da lente.

O lendário designer francês e couturier já trabalhou com Beyoncé, David Bowie e Lady Gaga – e agora, Kim Kardashian West e Cardi B vestem as suas peças de arquivo. Numa entrevista rara e exclusiva, Mugler conversa com a Vogue sobre a sua vida menos conhecida atrás da lente.

Nova Iorque (EUA), 1988. Carol Wilson veste o Tailleur Vampire de Mugler. ©Thierry Mugler
Nova Iorque (EUA), 1988. Carol Wilson veste o Tailleur Vampire de Mugler. ©Thierry Mugler

Durante as três décadas em que esteve à frente da sua marca homónima, Thierry Mugler viajou pelo mundo para fotografar as suas criações ao lado das muitas maravilhas do planeta. “Sou fotógrafo desde sempre”, diz. “É uma grande parte de quem sou e uma grande parte da minha busca pela beleza.” O novo livro Manfred Thierry Mugler, Photographer (Abrams & Chronicle Books, disponível no dia 14 de abril) compila 150 imagens num só compêndio, bem como fotografias de bastidores e carnet de voyages (travelogues), para oferecer uma odisseia visualmente sumptuosa. 

As fotografias de Mugler são tão ambiciosas como os seus desfiles – imagine o drama da extravaganza de uma hora que foi o outono/inverno 1995, composto por 300 looks desfilados por Naomi Campbell, Kate Moss e Jerry Hall, entre muitas outras, condensado num único frame. De uma página para a outra, Mugler transporta-nos de Paris para Nova Iorque, onde as modelos se sentam na ponta de marcos históricos como a Opéra Garnier ou nas gárgulas do Chrysler Building. Leva-nos a ver alguns dos mais impressionantes marcos arquitetónicos da humanidade – da Catedral de São Basílio em Moscovo à Grande Mesquita de Djenné em Mali – e convida-nos a explorar as salinas do Deserto de Atacama, no Chile, as florestas exuberantes que envolvem Guilin, na China, e as praias vulcânicas do Havai. 

Mugler pode ter vendido o seu negócio em 2001, mas nunca parou de criar. Em 2009, ocupou a posição de creative advisor e costume designer da tour mundial I Am... de Beyoncé, e dez anos mais tarde colaborou num bailado de Wayne McGregor. Felizmente, essa procura pela beleza parece ser algo que perdura ao longo do tempo.

Rio Niger (Mali), 1987. Katoucha Niane veste Croco Style de Mugler. ©Thierry Mugler
Rio Niger (Mali), 1987. Katoucha Niane veste Croco Style de Mugler. ©Thierry Mugler

Lembra-se da sua primeira incursão pela fotografia? 

Fiz a minha primeira curta com oito anos – o meu pai era o operador de camera -, mas só tirei a minha primeira fotografia de Moda aos 14 anos. Era bailarino profissional [na Rhin Opera em Alsace, França] nessa altura, e construí um desfile de Moda. Fiquei encarregue da produção, do styling, de encontrar a location, da fotografia, de tudo. Para mim, é muito difícil separar estas ferramentas. Antes de tudo, sou um realizador, porque penso em todo o conceito. É por isso que fazia storyboards para criar todos os meus desfiles. A fotografia tornou-se algo mais profissional quando comecei a fotografar as minhas próprias campanhas de pronto-a-vestir, e mais tarde as campanhas das minhas fragrâncias. 

De que forma é que a sua experiência como bailarino influenciou a sua carreira como designer e fotógrafo, ou como realizador? 

Ensinou-me a importância da técnica. Não existe beleza; nenhuma arte inventiva e inovadora, seja a Moda, o ballet, a fotografia, a realização – tens que passar por um certo processo. Para mim – uma criança completamente selvagem – foi muito difícil aprender tudo isso. Ensinou-me a diferença entre a dor positiva e a dor negativa. 

Para si, o que faz de um fotógrafo um bom fotógrafo?

Eu sonho em imagens, e quero criar essa imagem com os melhores ingredientes. E os melhores ingredientes, claro, estão na natureza – não são uma tela verde ou Photoshop. Tens que ir em busca da qualidade: para encontrares a melhor e mais bela visão, seja os icebergues na Gronelândia, as rochas incríveis em Utah, as mesquitas feitas de lama em Mali ou as dunas de areia no Sahara. É a atratividade da aventura. 

Disko Bay (Gronelândia), 1987. Anna Bayle e Tom Lust vestem Paillettes Polaires de Mugler.
Disko Bay (Gronelândia), 1987. Anna Bayle e Tom Lust vestem Paillettes Polaires de Mugler.

As suas fotografias de modelos a posarem nos icebergues na Gronelândia parecem quase impossíveis. Como é que conseguiu tal feito? 

Muitas das imagens dos icebergues na Gronelândia são tiradas da terra, mas quando olhar para elas de perto, a cor é suja e os ângulos não são claros. Foi por isso que [eu, a modelo Anna Bayle e um stylist] viajámos vinte milhas náuticas [sensivelmente 37 quilómetros], de barco, para irmos para o meio do mar. Isto aconteceu na altura do solstício de verão, por isso tínhamos o sol da meia-noite. A Anna, esta mulher corajosa, teria que ir até ao icebergue, posicionar-se em pequenos pedaços de mantas de sobrevivência dobradas, escondidas à vista, e eu tiraria a fotografia em dois segundos. Por vezes, esperávamos dias para conseguir a luz certa. 

Estes ambientes glaciares contrastam com o calor do sol africano – imagens de Iman no Deserto da Argélia, Katoucha Niane nas margens do Rio Níger e Carol Miles na Grande Mesquita de Djenné, em Mali. Porquê estes lugares? 

Mali é um país incrível e a Grande Mesquita de Djenné é um dos exemplos mais singulares da arquitetura africana. Foi construída a partir de um material chamado banco [adobe] – uma mistura de lama, argila e palha. Passei quatro horas a beber chá com os homens da cidade para conseguir uma autorização para fotografar. Foi tudo muito harmonioso; a estrutura e personalidade do rosto da Carol, as características arquitetónicas e o céu – quase amarelo. Tirar uma fotografia é como fazer um pacto com Deus; esperas e esperas, e confias que vais ter a luz certa e o gesto certo, no momento certo. Quando isso acontece, tudo vale a pena. 

Estátua Mayakovsky (Moscovo, Rússia), 1986. Angela Wilde veste Mugler Pionnière. @Thierry Mugler
Estátua Mayakovsky (Moscovo, Rússia), 1986. Angela Wilde veste Mugler Pionnière. @Thierry Mugler

A sua exposição de 2019, Thierry Mugler: Couturissime, que esteve aberta ao público no Montreal Museum of Fine Arts, atraiu 300 mil visitantes, e nomes como Kim Kardashian West e Cardi B vestem as suas peças de arquivo. Porque é que o seu trabalho continua a tocar as pessoas? 

Porque o meu trabalho é um tributo à mulher e à sua personalidade – eu dou-lhe uma armadura. É por isso que os meus desfiles eram sempre tão complicados, porque eu trabalhava com cada modelo individualmente, para fazer o styling das suas roupas, para criar diferentes looks de cabelo e maquilhagem, para lhes dar o seu próprio papel e guiá-las pelo palco. O meu trabalho é intemporal porque se baseia na beleza do corpo humano e no mundo fascinante em que vivemos. 

Porque é que a beleza é tão importante para si? 

A beleza é importante para o nosso mundo. É generosidade; honestidade; cortesia; o sentimento que existe entre as pessoas; faz parte do “dia-a-dia” – e é a melhor forma de transmitir uma mensagem. Hoje, a beleza não está muito na moda. Basta olharmos para a indústria do cinema, que gasta tanto dinheiro na violência. Por isso, sim, sou um ativista a promover a beleza neste mundo. 

Porque é que as pessoas se distanciaram da beleza?

Porque estão perdidas. No ocidente, estamos a viver numa civilização muito difícil, e esquecemo-nos que as pessoas vivem de uma forma diferente da nossa. Estamos presos no nosso próprio mundo pequeno e materialista e as pessoas não têm a ousadia de olhar para além disso, não têm a coragem. Tens que ter estômago para seres feliz; tens que ser corajoso. 

O livro Manfred Thierry Mugler, Photographer é publicado pela Abrams & Chronicle Books e será lançado a 14 de abril de 2020. 

Liam Freeman By Liam Freeman

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