Fevereiro 2025
Que nem sempre temos, quando acabamos de ler um bom romance. Será que as paixões assolapadas de obras literárias como Romeu e Julieta criaram expectativas irrealistas sobre o amor?
Dois adolescentes decidem casar no dia em que se conhecem - o noivo ainda nos resquícios de superar um amor anterior; a noiva, praticamente protegida pela família e sem experiência de vida -, e a relação dura, na melhor das hipóteses, cinco dias antes de acabarem mortos. Não seria a história de amor que colocaríamos como referência, mas, ainda assim, fazemo-lo com Romeu e Julieta, privilegiando a intensidade da paixão entre os dois como apetecível e relegando para segundo plano os meandros de algo que seria, de facto, uma história dramática e não um conto de fadas na vida real. Esquecemo-nos, mas a obra de Shakespeare é uma tragédia, ainda que a celebremos como a história mais romântica alguma vez contada. Porquê?
Um artigo do Psychology Today, de agosto do ano passado, intitulado Why Romeo and Juliet Are Terrible Role Models for Love, cita como potencial argumento a abordagem “amor acima de tudo” do livro: os amantes amaldiçoados têm um amor (proibido) tão intenso que estão dispostos a abandonar tudo — as suas famílias, os seus futuros e até as suas próprias vidas — um pelo outro. Estão rodeados por um mundo de morte e guerra e tentam preenchê-lo com paixão e amor. São jovens, cheios de vitalidade, estão vivos, algo que se torna reminescente em nós daqueles dias em que os nossos corpos e mentes ansiavam de forma semelhante. Talvez a pureza do sentimento, mesmo com o seu descontrolo, parece mais apetecível que as condicionantes que nos pomos a nós mesmos, hoje em dia, nós que já sofremos desgostos, que sabemos que estar single and mingle nem sempre é aprazível, mas que más relações custam ainda mais e que, por vezes, sair delas, ainda é pior. Neste caso em particular, estes adolescentes cheios de hormonas e ingénuos, incapazes de fazer o trabalho árduo das relações reais, não têm que lidar com a tomada de decisões difíceis: Romeu e Julieta não se conhecem verdadeiramente e nem sequer sabem o que torna cada um deles único; não têm de lidar com a realidade das imperfeições um do outro e com o que é necessário para ter uma relação de longo prazo com alguém que nunca será capaz de satisfazer todas as suas necessidades físicas e emocionais; ou até lidar simplesmente com a evolução natural de uma relação intensa para uma velocidade cruzeiro. O romance retrata apenas um período no tempo que parece ficar suspenso nesta eterna paixão assolapada que suplanta tudo.
Mas para lá desse momento, fica o da leitora, que não consegue evitar a expectativa de uma história de amor que imite este laço inebriante, mas não a sua vertente trágica, preocupando-se quando um novo relacionamento não começa numa explosão de paixão e angústia ou entrando em pânico quando a intensidade inicial desaparece ou evolui para algo potencialmente mais duradouro. De acordo com o artigo da plataforma de psicologia, “o amor deve desenvolver uma profundidade que neutralize qualquer intensidade inicial”, mesmo por uma questão de tranquilidade emocional - ninguém quer viver sempre nos extremos de um espectro emocional que ora nos deixa eufóricos, ora nos angustia. “Até a celebração da intensidade inicial de uma relação deve ser desmascarada”, aponta o texto. “Os melhores relacionamentos começam, geralmente, com uma boa amizade e com a confiança, a segurança e a profundidade que esta oferece. Alguns relacionamentos incríveis florescem tarde”.
Acredito que, no fundo, todas saibamos isto, principalmente se já não for adolescente ou jovem adulta e já tiver vivido um pouco - ainda que, no que diz respeito a relacionamentos, estamos sempre a aprender (aliás, por vezes, parece que nunca aprendemos) -, o que não quer dizer que não haja um lado nosso que anseie por um romance digno de Jane Austen, com (algumas) expectativas irrealistas - e dentro de um contexto saudável. Essas expectativas talvez tenham sido espoletadas por Romeu ou Mr. Darcy ou outros galãs do género, mas é assim tão trágico que assim seja?
No Reddit, um user referia esta citação de uma editora de livros que explicava o porquê de adorar romances literários: “Também nos ensinam que não há problema as mulheres quererem as coisas que querem, sabes? Quando era mais nova, via os romances como um guilty pleasure. As pessoas costumavam dizer-me que criavam expectativas irracionais nas mulheres. Mas o que há de tão irracional em querer ser amada, em querer ser feliz? Nada. E não há nada de errado em querer sexo fantástico.” Sabendo que uma opinião apenas pode não servir de fundamentação, partilhe-se o sentimento desta conclusão que contrapõe a intensidade deste género literário com o equilíbrio na interpretação que cada um(a) de nós deve ter - nomeadamente depois de uma reflexão empírica sobre um tema que é apenas uma fagulha numa panóplia de condicionantes sociais que contribuem para a complexidade de um relacionamento amoroso. Sobre os quais ainda não sei ou não sabemos tudo. Mas sei que depois disto, vou reler Romeu e Julieta.
Texto publicado no âmbito da edição de fevereiro da Vogue Portugal, The Passion Issue. Para adquirir a edição completa, visite a nossa e-shop.
Most popular
.jpg)
.jpg)
Gracie Abrams em Lisboa: "Foi libertador ser um pouco mais 'barulhenta' nesta fase da minha vida"
13 Feb 2025

A Mango Selection apresenta a sua nova coleção: eis as escolhas de Vicky Montanari
12 Feb 2025
Relacionados
 (3).png)

