Incluir as pessoas que foram deixadas para trás, à medida que moda e beleza se concentravam em outros tipos de progresso. Incluir os seres humanos que merecem sentir-se parte do sistema que promete exaltar as caraterísticas autênticas e naturais, não importa quais sejam. Aproximamo-nos de uma revolução centrada na inclusão, em que aquilo que durante muito tempo foi visto como uma incapacidade (motora, visual, mas também de tolerância e compreensão), é agora o motor de uma evolução tecnológica sem precedentes.
Incluir as pessoas que foram deixadas para trás, à medida que moda e beleza se concentravam em outros tipos de progresso. Incluir os seres humanos que merecem sentir-se parte do sistema que promete exaltar as caraterísticas autênticas e naturais, não importa quais sejam. Aproximamo-nos de uma revolução centrada na inclusão, em que aquilo que durante muito tempo foi visto como uma incapacidade (motora, visual, mas também de tolerância e compreensão), é agora o motor de uma evolução tecnológica sem precedentes.
Segundo dados recolhidos pela Organização Mundial da Saúde em março de 2023, existem cerca de 1.3 mil milhões de pessoas no mundo com algum tipo de incapacidade significativa. Estamos a falar de 16% da população mundial – um número que, embora represente uma fatia considerável de consumidores, tende a ser esquecido por inúmeros setores, nos quais o design segue uma linha estritamente normativa. Moda e beleza são um exemplo claro disso. O seu progresso tecnológico, económico e inclusive criativo tem sido aplicado na satisfação (e criação) das necessidades da fatia maioritária da população, ao invés de criar soluções para quem as procura há tantos anos. Mas já se começam a sentir os ventos da mudança. A moda e beleza adaptadas parecem estar ao virar da esquina, e a inclusão posiciona-se como a grande revolução dos dois setores para os anos vindouros.
O primeiro mês de 2023 começou logo com uma conquista, quando a Lancôme anunciou uma ferramenta inovadora que viria a colocar a marca de beleza na frente da corrida pela inclusão. Engenheiros e cientistas da L’Oréal (o grupo que detém a Lancôme) colaboraram com a empresa de tecnologia e inteligência artificial Verily para criar a HAPTA, um aplicador de maquilhagem que contribui para a estabilidade e movimento dos consumidores com dificuldades motoras nas mãos e nos braços. No seu design, destaca-se a simplicidade e intuição na utilização. Dependendo do que o consumidor precisar, existem vários acessórios personalizáveis, que se conectam de forma magnética à ferramenta, cujo controlo se realiza através de botões, para estabilizar e regular a sua posição. A HAPTA atinge uma rotação de 360º e uma flexibilidade de 180º e é operada por uma bateria com duração até três horas. De momento, esta destina-se à aplicação de batom, mas espera-se que se adapte a novos produtos num futuro próximo. Estando ainda na fase de protótipo, a HAPTA pretende chegar às prateleiras dos Estados Unidos no final deste ano.
Na moda, o mercado sofreu um grande avanço em 2017, ano em que a Tommy Hilfiger criou a linha Tommy Adaptive. Centrada no conforto e na facilidade de utilização, as peças que ainda hoje se encontram à venda destinam-se a consumidores com dificuldades motoras de vários tipos, desde utilizadores de cadeiras de rodas a pessoas com próteses. Algumas das alterações elementares passam pela criação de cinturas ajustáveis e pela substituição de fechos ou botões por ferramentas que não exijam tanta coordenação motora, como o velcro ou opções magnéticas. Estas destinam-se não apenas ao centro do cós, como também às laterais de várias peças de roupa. O objetivo é trazer uma maior independência ao processo de vestir e despir uma peça, oferecendo alternativas ao design normativo. Como já é tradição na Tommy Hilfiger, as calças de ganga são proeminentes nesta coleção, tendo sido criadas versões exclusivas aos utilizadores de cadeiras de rodas. Nestas, a parte de trás é ligeiramente mais comprida do que a parte da frente, de modo a oferecer um apoio adicional às costas quando se está sentado, e os bolsos traseiros passaram para as laterais, com o intuito de poderem ser utilizados em qualquer circunstância. As calças de ganga adaptadas não são uma novidade na indústria, embora demonstrem evoluções significativas a cada nova versão. O primeiro modelo acessível à população comum foi desenhado pela Levi’s em 1975 e era adquirido por encomenda, reforçando os princípios de personalização total da peça. Ao nível das diferenças, sublinha-se a flexibilidade da ganga, moldável às necessidades do utilizador, e a existência de fechos nas costuras laterais, para se conseguir vestir e despir a peça sem auxílio.
Várias décadas depois, vemos cada vez mais marcas dedicar-se unicamente à criação de vestuário adaptado. Entre os nomes contemporâneos mais sonantes, estão a IZ Adaptative e a Averee. A primeira concentra-se nas necessidades específicas dos utilizadores de cadeira de rodas, sendo mundialmente conhecida pelos seus cortes distintivos de um par de calças comum. À bandeira da acessibilidade, juntam-se outros valores procurados pelos consumidores atuais, como a contemplação de opções sem género e a utilização de materiais mais sustentáveis. Por sua vez, a marca australiana Averee vai além da moda, registando uma vasta gama de ofertas, do cuidado pessoal às ferramentas para a casa. Apresentando-se como uma insígnia destinada a pessoas “com todo o tipo de capacidades”, esta loja multimarca realiza a curadoria de várias opções adaptadas no mercado, promovendo aquelas que melhor servem o seu público-alvo. As várias páginas de oferta de produtos no seu website são a prova de que a indústria está a caminhar em direção a um futuro mais inclusivo, no qual ninguém é deixado para trás.
Pese embora este progresso, os setores da moda e beleza enfrentam desafios monumentais nos próximos tempos. A oferta alargada de produtos adaptados não deve ser somente baseada na procura por uma maior reputação, mas pela vontade genuína de querer criar soluções onde durante muito tempo existiram problemas. Tal tem-se verificado em determinados casos, em que as marcas lançam coleções adaptadas apenas pela publicidade, não as disponibilizando facilmente aos consumidores ou mantendo a gama ativa apenas por poucos meses. O que não faltam são incentivos económicos, políticos e sociais para que a indústria direcione o design para uma maior inclusão. O número de consumidores que beneficiariam de tais avanços é significativo e ainda são poucas as marcas que se atrevem a explorar esta área que, em muitos casos, passa por território desconhecido. Mas não o é: é somente potencial por explorar. E, neste momento, explorá-lo já deixou de ser revolucionário. É, acima de tudo, uma necessidade urgente.
Inserido na edição The Revolution Issue, publicada em abril de 2023.For the english version, click here.
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