A pandemia provocada pelo novo coronavírus tem sido uma experiência revolucionária para todos nós. Se a pandemia o deixou excessivamente ansioso pode então estar a sofrer de Transtorno de Stress Pós-Pandémico. Eis o que precisa de saber sobre o assunto.
A pandemia provocada pelo novo coronavírus tem sido uma experiência revolucionária para todos nós. Se a pandemia o deixou excessivamente ansioso pode então estar a sofrer de Transtorno de Stress Pós-Pandémico (TSPP). Eis o que precisa de saber sobre o assunto.
Fotografia de Yohann Truminski. Styling de Sergio Alvarez. Vogue Portugal, novembro 2020.
Fotografia de Yohann Truminski. Styling de Sergio Alvarez. Vogue Portugal, novembro 2020.
Lembra-se daquele meme que circulou pelas redes sociais no início do confinamento? Aquele que simplesmente dizia: "Os teus avós foram chamados a ir para a guerra, tu estás apenas a ser chamado para te sentares no sofá. Podes fazer isso". Embora fosse para levantar os nossos espíritos, na altura o mundo não sabia que estava a lidar com uma das maiores ameaças a longo prazo que a humanidade já enfrentou.
Depois de mais de um ano e quase quatro milhões de vidas perdidas, continuamos muito longe da 'normalidade'. Na realidade, segundo a Organização Mundial de Saúde, a pandemia provocada pela Covid-19 causou mais "traumas em massa" do que a Segunda Guerra Mundial e o número de doentes afetados mentalmente pela pandemia irá perdurar "por muitos anos". Alguns profissionais de saúde intitulam este trauma de stress pós-pandémico, uma forma de PTSD induzido pela Covid-19. Embora o TSPP não seja (ainda) um problema de saúde mental reconhecido, os especialistas acreditam piamente que deveria ser.
"Durante o ano passado, muitas pessoas foram expostas a vários graus de trauma", diz o psicoterapeuta Owen O'Kane, à Vogue. "O problema principal é que a pandemia tem sido implacável, e é por isso que acredito que o transtorno de stress pós-pandémico irá explodir. Neste momento, isto não será reconhecido como um problema significativo, porque estamos a normalizar as circunstâncias. No entanto, como todos os traumas, o impacto mostrar-se-á quando a pandemia tiver terminado."
Quais são os sinais de stress pós-pandémico?
Segundo O'Kane, os sintomas do TSPP são semelhantes ao PTSD, e podem variar de pessoa para pessoa. Os sintomas podem variar entre ansiedade crescente, baixa motivação, sensação de desespero ou impotência, sono perturbado, alterações no apetite, sentir-se sem ânimo, constantemente zangado ou irritado, pensamento negativo ou catastrófico, afastamento social, sentimentos de luta para lidar com a situação e a sensação de "não posso ser incomodado com nada".
"Se tiver experienciado anteriormente ansiedade ou depressão, os sintomas podem ser piores", acrescenta o psicoterapeuta. "Se estava a sentir-se bem antes da pandemia e, agora está a experimentar pela primeira vez estes sintomas, é provável que esteja a sofrer de TSPP". O'kane aconselha que se estes ou outros sintomas estiverem a ocorrer regularmente e se 'dias maus' estiverem a começar a ultrapassar os 'dias bons', então talvez seja melhor procurar ajuda.
A psicóloga norte-americana Justine Grosso diz que é crucial refletirmos sobre nós mesmos e tomar consciência das mudanças na fisiologia, nas emoções, no pensamento e no comportamento, porque estes são os blocos de construção de uma boa saúde física e emocional. O trauma não muda apenas a nossa mente (crenças e padrões de pensamento), mas também o cérebro, o sistema nervoso e as hormonas do sistema nervoso.
Entretanto, o Dr. Dan Chisholm, especialista em saúde mental da OMS em Copenhaga, Dinamarca, afirma que: "A Covid-19 tem tido uma série de efeitos na saúde mental e bem-estar da população, que vão desde as preocupações sobre a propagação do vírus, o stress provocado pela prevenção e o confinamento, ou o efeito prejudicial na saúde mental associado à perda de empregos, rendimentos, educação ou socialização."
"O efeito cumulativo destas medidas levou ao aumento do stress e da ansiedade, bem como da depressão e da solidão", acrescenta Chisholm. "Para muitos, os sintomas associados a estas condições irão diminuir à medida que a situação de saúde pública melhora e as restrições são atenuadas, mas para outros, a experiência de ter tido Covid-19 ou de viver durante um período de pandemia, terá efeitos duradouros, em particular para os profissionais de saúde que estiveram a combater o vírus na linha da frente ou para aqueles que perderam alguém que amavam.”
Mas não só. Temos de refletir também nas consequências para nas crianças e adolescentes, que, como Andrea Raballo, professor psiquiatria na Universidade de Perugia, em Itália, assinala que as mesmas foram expostas a "facetas potencialmente desestabilizadoras da pandemia em anos de transição tão delicados", cujos efeitos "ainda têm de ser devidamente investigados, uma vez que só os vamos conseguir perceber com o passar do tempo."
Eliana Colantonio, 30 anos, vive em Dublin e foi diagnosticada com TSPP no início deste ano, após ter contraído o vírus e ter ficado em estado grave, em outubro do ano passado. "Tive medo de deixar de respirar e de morrer sozinha, longe da minha família e amigos.” A dor agonizante durou 20 dias até melhorar, no entanto, como era de esperar, ficou traumatizada com a experiência, hoje vive o quotidiano com medo de contrair novamente o vírus e de não conseguir sobreviver uma segunda vez. "Todas as pessoas que via na rua era uma luta e eu só consegui pensar: 'Estarei eu demasiado perto? A minha máscara é suficiente? Com quantas pessoas já se encontraram esta semana?'. Há um mês, comecei a desenvolver sintomas físicos, no entanto, os médicos disseram que não era nada. No dia seguinte, decidi discuti-lo com a minha terapeuta e ela diagnosticou-me com TEPT desencadeado pelo trauma [Covid-19]".
Como lidar com o TSPP?
Os efeitos de qualquer trauma podem ser debilitantes, mas existem formas de os gerir. Sundas Pasha, uma psicóloga clínica na Califórnia, diz que ao longo do último ano tem notado um aumento do número de pessoas que procuram e oferecem apoio psicológico em relação a traumas relacionados com a pandemia. "Uma vez que se trata de um subconjunto mais recente de traumas, as pessoas estão à procura de formas de se unirem e de se apoiarem umas às outras nestes tempos incertos. Tem sido ótimo ver como as pessoas se juntaram e partilharam recursos e informações com aqueles que lutam."
A psicóloga clínica recomenda vivamente a terapia como um recurso de superação do trauma. "Muitos profissionais de saúde preparam-se agora com mecanismos e estratégias para ajudar aqueles que trabalham na linha da frente e lidam diretamente com os efeitos da pandemia. Estamos muito longe de superar o impacto que a pandemia causou na saúde mental de todos nós neste último ano, então, ter um lugar onde se pode falar sobre isso e trabalhar quaisquer questões ou lutas é um ótimo caminho." Entretanto, O'Kane sugere a terapia cognitiva comportamental (CBT) - amplamente utilizada para TSPP, ansiedade e depressão - certos medicamentos, programas de fitness e grupos de apoio.
À medida que alguns países avançam para o levantamento das restrições à Covid-19, a investigadora em neurociência Mithu Storoni sugere socializar com amigos optimistas e positivos com os quais nos sentimos seguros e protegidos, como forma de minimizar as situações de stress. Para melhorar a resiliência, o desempenho mental e a concentração, Storoni sugere também a criação de uma estrutura, ordem e certeza ao nosso redor, o que significa comunicação clara e transparente tanto em casa como no trabalho, mantendo rotinas ou criando novas, partiar desporto diariamente, passar mais tempo na natureza, dando prioridade a um sono de qualidade e até mesmo iniciar um novo projeto.
Independentemente de sofrer ou não de TSPP, a Dra. Grosso sugere que podemos beneficiar de psicoterapia individual ou de grupo. Estes são, diz, "recursos maravilhosos para processar sentimentos e pensamentos do ano passado." A psicoterapia pode ser útil independentemente de alguém ter ou não uma 'desordem', pois, é um espaço sem julgamento para discutir reações, preocupações e barreiras nas relações e na vida".
Vale a pena lembrar que não há nada de anormal em ter dificuldades psicológicas depois de passar por um acontecimento traumático. Há ajuda. Procure sempre a orientação de um profissional e em caso de dúvida, e se alguma vez se sentir desesperado e necessitar de apoio urgente, contacte os samaritans, junte-se a um grupo de apoio local, consulte este directório de saúde mental ou esta lista de linhas de ajuda em vários países.
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