Beleza  

Travão a fundo: está na altura de desacelerar a indústria da Beleza?

16 Jan 2025
By Esteban G Villanueva

Fotografia Getty Images e artwork de João Oliveira

A fast fashion tem estado no centro das atenções como uma das facetas mais criticadas da indústria da moda, apelidada pelas suas práticas insustentáveis, deficiências éticas e danos ambientais. Mas será que, mesmo debaixo dos nossos narizes, a indústria da beleza seguiu silenciosamente o mesmo caminho? Será que ignoramos como a beleza, outrora enraizada na arte e no cuidado, adotou os rápidos ciclos de produção e as pressões do consumidor da sua contraparte da moda?

Os paralelismos são impressionantes. A fast fashion é condenada pelo seu ritmo implacável e pelas implicações que a acompanham — exploração ética, degradação ambiental e uma procura insaciável por mais. Será altura de perguntarmos se a indústria da beleza atingiu um ponto de inflexão semelhante? A fast fashion opera com uma premissa simples: velocidade e volume. As coleções não são produzidas sazonalmente, mas sim semanalmente — por vezes, até mais rapidamente — inundando o mercado com novas tendências a uma velocidade vertiginosa. O fascínio da acessibilidade e da gratificação instantânea mascara o seu lado mais sombrio: os trabalhadores do setor do vestuário ganham cêntimos pelo seu trabalho, os aterros transbordam de roupas não vendidas ou descartadas e o custo ambiental de produção é impressionante. Este modelo prospera com base no consumo excessivo, alimentando um ciclo em que as tendências são passageiras e o que está “na moda” hoje será obsoleto amanhã. É um sistema construído para satisfazer a nossa fome insaciável pelo novo, muitas vezes à custa da qualidade, da sustentabilidade e da humanidade. As críticas culturais e ambientais à fast fashion têm sido fortes e persistentes. Os documentários e as campanhas abriram a cortina, incitando os consumidores a reconsiderarem os seus hábitos e apelando às marcas para que abrandassem. Termos como “slow fashion” e “design circular” entraram no dicionário como antídotos para um sistema que se revelou insustentável. Mas enquanto a moda enfrentava o seu ajuste de contas, será que a beleza caiu silenciosamente no mesmo padrão?

Agora, mais do que nunca, as tendências de beleza mudam a um ritmo alucinante. Novos estilos, looks e nomes apelativos florescem aparentemente da noite para o dia. O resultado? Uma cultura de consumo excessivo, onde os produtos se tornam virais logo após o seu lançamento. As marcas — especialmente as lideradas por celebridades — capitalizam este frenesim com lançamentos de edição limitada dos seus produtos heróis, criando uma sensação quase insuportável de urgência na compra. Outros mergulham de cabeça em subcategorias inteiramente novas, não por necessidade, mas num esforço para expandir as suas ofertas e reivindicar uma fatia maior do mercado em constante crescimento.

Isto indica o conceito de ilusão de necessidade. Com todas estas novas tendências, lançamentos, produtos de edição limitada e coleções especiais, a indústria da beleza tornou-se uma mina de ouro que prospera com a ideia de que precisamos de mais — mais tons, mais produtos, mais opções, etc. Ainda que ter um recheado e versátil armário de cosmética esteja no topo da lista dos amantes da beleza, também se pode argumentar: de quantos batons é que alguém realmente precisa? Ou bases, já agora? Embora ter uma variedade de produtos seja certamente divertido, podemos realmente justificar possuir seis ou oito batons diferentes ou três bases, especialmente quando um punhado de produtos básicos também faria o trabalho? Numa época em que os estilos de vida minimalistas estão a ganhar força, a beleza parece resistir à noção de “menos é mais”, oferecendo escolhas infinitas que muitas vezes parecem desnecessárias em vez de fortalecedoras.

Isto leva-nos ao conceito da mala infinita de beleza — a ideia de que há sempre espaço para um novo produto, desde que justifique um lugar na sua rotina. Este mito tornou-se uma espécie de lenda urbana nos círculos de beleza, justificando tudo, desde blushes extra a bases múltiplas. Mas com que frequência estamos realmente a comprar com um propósito? Podemos realmente justificar a posse de duas ou três bases, cada uma servindo um “propósito diferente” ou preenchendo uma “necessidade diferente”, ou são simplesmente os nossos desejos, curados por um sistema que se aproveita do desejo constante pela coisa seguinte?

Nesta cultura, a necessidade e o desejo confundem-se, criando um espaço onde a beleza é uma questão de escolha, mas muitas vezes à custa da necessidade. Enquanto consumidores, cabe-nos decidir se estamos a ceder ao fascínio da variedade ou a construir verdadeiramente uma coleção de produtos que elevam a nossa rotina. A questão permanece: quando é que traçamos o limite entre encher o nosso saco de beleza com produtos que melhoram genuinamente as nossas vidas e acumular mais apenas porque sim?

Para compreender melhor a falta de lógica por detrás deste consumo excessivo, devemos olhar para as outras subcategorias de beleza que refletem a mentalidade fast fashion. Na beleza, ao contrário da moda, o valor total de um produto não se revela de um dia para o outro. Os cuidados com a pele, por exemplo, requerem tempo — não existem soluções instantâneas e os resultados demoram, muitas vezes, semanas, se não meses, a aparecer verdadeiramente. Da mesma forma, os perfumes são concebidos para durar muito mais do que um momento fugaz, mas somos rápidos a passar para o próximo perfume antes de darmos ao último uma oportunidade de se estabelecer.

A pressa por novos lançamentos constantes parece totalmente dessincronizada com a ideia fundamental de que a beleza deve ser uma questão de qualidade duradoura e de investimento criterioso. Com os cuidados com a pele a precisarem de tempo para fazer a sua magia, a cultura da gratificação instantânea na beleza parece quase contraintuitiva. O frenesim pelo “novo” deixa-nos muitas vezes cegos para o valor daquilo que já temos, promovendo um ciclo de consumo que prioriza a novidade em detrimento do cultivo daquilo em que já investimos. Mais uma vez, embora ter um “guarda-roupa perfumado” ou uma coleção de beleza bem organizada possa ser uma aspiração, quando é que a “coleção” se torna “obsessão”? A busca pela variedade está realmente a melhorar a nossa experiência ou está simplesmente a alimentar um desejo interminável por mais? Para completar o tríptico, é também necessário examinar as raízes destas chamadas “necessidades” e olhar para o marionetista por detrás das cortinas: as tendências.

Nos últimos anos, tem-se assistido a uma profunda mudança na forma como nascem as tendências de beleza e quem dita a sua ascensão. Isto só pode ser descrito como a democratização das tendências, onde a dinâmica do poder mudou. As tendências já não nascem apenas nas mesas dos editores ou nas passerelles da Alta Costura; hoje, são muitas vezes moldados pelas próprias pessoas que consomem os produtos — os fanáticos da beleza, os entusiastas da maquilhagem e qualquer pessoa com ligação à Internet e uma conta no TikTok. Testemunhámos a mudança de uma era em que os consumidores eram obrigados a seguir cegamente o que os editores declaravam estar na moda e estava in, para uma realidade em que os editores estão agora a lutar para acompanhar as tendências que circulam online. A velocidade com que as tendências evoluem acelerou, em grande parte devido à hiperconectividade das redes sociais. Em vez de simplesmente definir tendências, os editores de beleza estão agora em condições de reagir a elas, relatando o que já está a emergir no nível popular da cultura da beleza. Esta inversão de poder levanta a questão: estamos a moldar a indústria da beleza ou é a indústria a moldar-nos a nós? Independentemente das questões que induzem a crise, a resposta que se mantém, acima de tudo, reside na resposta à prerrogativa central: estará a indústria da beleza a ir demasiado depressa?

Sim. Está. Verdade seja dita, tudo está a avançar a um ritmo insustentável, e cabe a cada um de nós pôr um travão, recuar e encontrar uma nova velocidade — uma que honre a qualidade em vez da quantidade, a experiência em vez da gratificação instantânea. Só recalibrando a nossa relação com a beleza poderemos realmente abraçar o que ela deve ser: um ritual atencioso e em evolução, e não uma corrida frenética para a segunda melhor coisa.

No final do dia, a indústria da beleza é um espelho da própria sociedade — um reflexo dos nossos desejos, obsessões e ansiedades. Mas, tal como as tendências vão e vêm, o mesmo acontece com a nossa abordagem à beleza. A cada novo produto, a cada tendência passageira, somos relembrados do quanto aderimos a uma cultura de consumo, sempre em busca do próximo. No entanto, e se estivermos a negligenciar algo muito mais valioso? A verdadeira essência da beleza não se encontra na acumulação constante de produtos, mas nos rituais intencionais que nutrem as nossas mentes, corpos e espíritos. Estamos agora numa encruzilhada, não só em termos de beleza, mas também na forma como nos relacionamos com o mundo que nos rodeia. O ritmo a que avançamos pela vida — constantemente bombardeados com novidades, urgência e necessidade de mais — deixou-nos desligados da própria essência do que a beleza deve ser: um processo lento e transformador. A pergunta que nos devemos colocar é esta: continuamos a perseguir o que vem a seguir ou fazemos uma pausa, reiniciamos e abraçamos a beleza a um ritmo que realmente a honre?

O ritmo da indústria da beleza reflete o ritmo frenético do mundo que nos rodeia — um ciclo de movimento interminável, sempre a olhar em frente, raramente parando para refletir. Mas a beleza, na sua forma mais verdadeira, nunca foi concebida para ser uma corrida. Prospera na quietude de um ritual matinal, na lenta revelação da magia silenciosa dos cuidados com a pele e no abraço persistente de um perfume que se torna parte de quem somos. Talvez a questão não seja apenas se a indústria da beleza está a ir demasiado depressa, mas o que perdemos quando tentamos acompanhar. Ao perseguir o próximo lançamento, a próxima tendência, o próximo momento fugaz de satisfação, corremos o risco de perder de vista o que nos fez apaixonar pela beleza em primeiro lugar. O ritual, a arte, a transformação — tudo se confunde na pressa por mais.

Desacelerar é resistir. Resistir é recuperar. E nesta recuperação, redescobrimos a promessa mais duradoura da beleza: não na sua capacidade de nos mudar, mas no seu poder de nos ligar — a nós próprios, às nossas histórias e à alegria tranquila de sermos suficientes tal como somos.

Retirado da edição What's Next da Vogue Portugal, publicada em dezembro de 2024 e disponível aqui.

Esteban G Villanueva By Esteban G Villanueva

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