© David Bailey para Condé Nast | Getty Images
Moda que é Moda começa e acaba com coleção: começa por apresentar uma coleção e acaba a ser colecionada.
E isso é indicador de um valor que não se esgota numa estação, antes perdura no tempo. Numa altura em que a aquisição de peças vintage de casas de Moda está em franco crescimento, comprar roupa de arquivo será a sua melhor forma de homenagem.
É verdade que a fast fashion veio democratizar o acesso ao estilo, mas o apelo do luxo, do eterno, do intemporal, do legado de nomes que têm força no guarda-roupa ao longo de décadas nunca se esgotou. E numa altura em que sustentabilidade é um chavão dos tempos modernos, estas marcas com herança parecem imprimir da melhor forma a união dos dois: um consumo de Moda com consciência e em consonância com as tendências, tanto de mercado, que aplaude a aquisição de peças de arquivo, como da passerelle, porque colecionar peças que nunca datam será sempre tendência.
O que é que se entende por “moda de arquivo”? Todo e qualquer item do corpo de trabalho passado de um designer, o que em círculos puristas poderia suscitar algum desprezo - “essa carteira é tão 2023!” *eye roll* -, mas que agora é digno de aplauso, não só porque apoiar Moda de Autor é louvável seja de que estação for, mas também porque, de facto, minimizar o desperdício é uma das demandas do séc. XXI. Mas não é só por isso que o desprezo de outros tempos no uso de coleções passadas é que é, ele próprio, so last season: a Moda tem uma conotação emocional que é mais tangível neste género de consumo e isso é confirmado por quem as adquire e usa. Como uma ligação emocional inspirada por um social – e cada vez mais global – zeitgeist, o que se veste envia uma mensagem subliminar a todos os pares. E pouco é mais gritante que usar peças de designers, em geral, e de arquivo em particular, nos tempos que correm. Os jovens estão a olhar para trás no “luxo”, adquirindo peças de arquivo como arte usável, e há uma base crescente de colecionadores ávidos que estão prontos para pagar uma pequena fortuna por estes produtos. Para um colecionador, uma cobiçada peça de roupa de arquivo rara ou limitada pendurada no armário é o mesmo que ter um quadro valioso na parede. Neste domínio, o luxo refere-se à arte excecional de peças limitadas, muitas vezes carregando uma ligação pessoal significativa. E quando é transmitido ao próximo colecionador, o valor pode disparar ao reincidir no mercado. Um casaco Margiela Artisanal MM0 pintado à mão em 2003 ou uma camisola “Riot” Raf Simons de 2001 pode ascender aos milhares ou mais. É a base de um negócio de 3 mil milhões de dólares que vive à margem do retalho. Na moda, tal como na economia, a escassez cria a procura. Quanto menos acessível algo é, mais exclusivo se torna.
Claro que adquirir peças de arquivo menos raras e com price tags mais democráticas continua a ser um louvável tributo a qualquer criador, mas o acima pretende diferenciar que esta nova tendência na compra de produtos de Moda é maior do que a febre da logomania - é algo mais underground, é de conhecedor. É perceber que, mesmo sem nenhum logotipo visível, a roupa de arquivo é um reflexo do cuidado especial no seu artesanato, nos detalhes e estruturas que as torna únicas e transfere o foco para o talento e arte do designer. E saber identificá-lo é, em si, uma homenagem à Moda: este tipo de investimento tornou-se uma indústria robusta, graças aos mercados de segunda-mão e leilões cujas aplicações fáceis de utilizar, como o Grailed, o RealReal e Depop, tornam a porta de entrada fácil - basta ter uma conta PayPal.
Claro que, tal como investir em obras de arte, é preciso saber o que se está a fazer: a archival fashion cumpre determinadas diretrizes. Muitas vezes, para ser verdadeiramente considerado “arquivo”, uma peça deve ser algo que foi um ponto de viragem na carreira do designer, ou algo que lhe valeu reconhecimento na indústria. O vestuário de arquivo é diferente de vintage e retro, porque, ao contrário deste último, o objetivo da moda de arquivo é não imitar ou recriar as tendências das gerações anteriores; é, na verdade, preservar e comemorar o trabalho passado de criadores de renome. E o renome também tem peso na Moda de arquivo: por exemplo, Vivienne Westwood, Helmut Lang, Raf Simons, Yohji Yamamoto, e um punhado de outros criadores são considerados pela indústria como “Designers de Arquivo”, distinguindo-os nesta comunidade pelo significado histórico das suas coleções e peças que criaram.
Claro que é preciso saber comprar e onde ir: a internet trouxe tudo de bom no acesso indiscriminado e tudo de mau no acesso indiscriminado, ao permitir que coexistissem no ecossistema os vendedores reputados e os desaconselháveis. Por isso, faça a devida pesquisa antes de entrar neste mundo de colecionador. Mesmo que comece apenas pela compra de peças menos dispendiosas de moda de autor, em moradas - físicas ou digitais - de sobeja confiança, já está a fazer não só a homenagem ao design de Moda, mas também à sustentabilidade, esse inevitável e bem-vindo efeito secundário deste consumo. Ainda que o principal propósito da archival fashion seja celebrar o legado de um criador ou maison, incita ao mesmo tempo a prática do slow fashion, ao promover a ideia de vestuário reutilizável e limitando a necessidade de produção excessiva. Mas traz ainda outra componente: a história. A moda de arquivo contém um valor sentimental, material e histórico que os colecionadores privilegiam e têm em conta na sua predisposição de aquisição. Talvez seja por aqui que a moda de arquivo ganha o seu rótulo de hommage na sua forma mais pura: é que estas roupas não nos cobrem; fazem-nos sentir.
Na imagem: A imponente e reconhecível silhueta de um look Balenciaga, um vestido de noiva fotografado por David Bailey para a Vogue US, julho de 1967.