Ninguém sabe quem os inventou, por isso não temos a quem endereçar o bilhete de agradecimento. Mas aqui fica: uma carta de amor aberta aos saltos altos.
Ninguém sabe quem os inventou, por isso não temos a quem endereçar o bilhete de agradecimento. Mas aqui fica: uma carta de amor aberta aos saltos altos.
© Getty Images
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Queridos sapatos,
gostaríamos, antes de tudo e de mais, de vos pedir desculpa. Não, nunca, por vos deixarmos de quando em vez na prateleira, mas por deixarmos que a tendência do conforto nos faça esquecer o poder que sentimos quando vos calçamos. Perdoem-nos por olharmos de lado para os vossos poderes mágicos quando há uns ténis mesmo cool ali ao lado que têm uma relação menos complicada com a calçada. Perdoem-nos por todas as vezes em que vos olhámos com asco e duvidámos da vossa utilidade - perdoem-nos, também, daquelas noites em que nos deixámos convencer que vocês apenas serviam como instrumentos de tortura excessivamente sofisticados.
É que nós esquecemo-nos, pumps, do quanto vocês foram capazes de mudar a existência da mulher na sociedade.
Esquecemo-nos, por exemplo, que ilustrações do Antigo Egipto nos mostram que tanto homens como mulheres usavam saltos altos - descobrimos todo um outro significado na canção Walk Like an Egyptian -, o que nos diz que a vossa história nunca começou por ser de segregação de género (no que toca à segregação de classes, no entanto, a conversa é outra, porque a elevação através dos saltos altos estava limitada à nobreza). Mais: até muito tarde, vocês foram os prediletos dos homens de sangue azul - veja-se Luís XIV, de França, que usou saltos dos 20 ao 60 - e só em 1533 Catarina de Medici virou a questão. Aos 14 anos, estava noiva e como o Duque seu prometido era demasiado alto, Catarina usou-vos a seu bel-prazer. You go, girl.
Mas os séculos convenceram-nos de que os saltos altos se tornaram num símbolo da opressão masculina. Porquê? Está provado que vocês, instrumentos elevadores da figura, realçam os aspetos reprodutivos da mulher. Também tornam a mulher mais instável no seu caminhar, o que dá sempre oportunidade ao homem de amparar a donzela em apuros. Estudos mostram que os homens respondem com muito mais facilidade a um inquérito se a mulher que lhes faz as perguntas estiver de saltos altos - e também se aproximam dela com uma maior rapidez. O mesmo estudo mostra que se uma mulher de saltos altos deixar cair algo na rua, há uma maior probabilidade de o homem a alertar para a sua perda de que se a mulher estiver de rasos.
Será magia? Longe disso. Quando uma mulher vos calça, para além de se tornar mais alta, os seus pés parecerem mais pequenos e, em proporção inversa, as curvas corporais tornam-se mais acentuadas. Quando uma mulher anda de saltos altos, o passo encurta e as ancas balançam mais. E fica difícil de resistir.
É oficial e cientificamente provado que, aos olhos dos homens, os saltos altos tornam as mulheres mais atraentes. E foi precisamente por isso - e por causa das dores nos pés e nas costas - que as mulheres deixaram de achar necessário que os pumps fossem dresscode obrigatório. Não são, felizmente - viva a liberdade - mas continuam a ser um objeto de desejo. Porquê?
Porque vocês são tão lindos, sapatos, e não há estudo científico que consiga medir a sensação de calçar um novo par (especialmente se não for de vidro, mas não somos esquisitas).
Quando vos calçamos, todos os músculos do corpo parecem mais tonificados e não há ginásio nem Beyoncé que nos pare. Dois pedaços de madeira que nos levam às alturas são também culpados por um boost automático de confiança que, muitas vezes, anos de terapia não nos conseguem dar. Nem os ténis mais cool do mundo, por falar nisso. À confiança junta-se a feminilidade, dizem os investigadores, e, depois disso, é para o infinito e mais além.
Por falar em infinito, vocês, sapatos, também passam a imagem de poder. Mulheres mais altas são olhadas como mais poderosas, mais assertivas, mais fiáveis, mais inteligentes e com mais probabilidades de sucesso. Bom, não que precisássemos de um acessório para isso - mas pelos vistos a ciência precisa.
Mas sabem, queridos sapatos, o momento em que nos fazem mais feliz é quando vos tiramos. Agora que os saltos voltaram a não ter género - e que tantos homens os usam muito melhor que as mulheres -, agora que as mulheres recusam cada vez mais as opressões do patriarcado, agora que há liberdade de escolha, podemos apreciar-vos, amar-vos, ser-vos devotas tanto durante o dia, nas ruas dessa vida, quanto à noite, quando vocês já descansam espalhados no tapete e nós já temos um copo de vinho na mão.
Por isso, obrigada.
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