Mais do que uma simples bebida, é parte intrínseca da nossa cultura e, consequentemente, do nosso dia a dia. A paixão dos portugueses pelo café não se explica em palavras, mas é evidente em cada esquina, das pequenas pastelarias familiares às famosas, e elegantes, esplanadas. Junte-se-lhe um pastel de nata e está encontrada a combinação perfeita para dois dedos de conversa.
A vida só começa depois de um café.” Não se sabe exatamente quem é o autor desta frase, mas a sua popularidade é tal que até quadros se vendem com esta máxima. É um facto que, para muitos de nós, o dia só começa depois de um café — principalmente se tomado após o pequeno-almoço, já que está mais que provado que fazê-lo de estômago vazio faz mal. Contudo, não é isso que aqui nos traz. O mundo divide-se em dois tipos de pessoas: as que bebem café (mesmo que não adorem o sabor e se lhes arrepie corpo e cabelo a cada gole, categoria na qual me incluo) e as que não bebem café. Os portugueses fazem parte do primeiro grupo, porque já nasceram com um gene misterioso que os empurra, felizes, para a pastelaria da esquina desde crianças, onde acompanham os pais durante horas a fio, após as refeições. Por essa altura, ainda não podem experimentar “nem uma colherzinha”, já que os efeitos podem ser prejudiciais — em vez disso, atiram-se ao maravilhoso pastel de nata que adorna o pratinho ao lado da chávena, como numa combinação feita pelos deuses das coisas boas. Ainda me lembro de, bastante pequenina, perguntar à minha mãe se ia demorar muito tempo a lavar a louça, depois do almoço, para irmos ao café. Para acelerar o processo, ia-lhe buscar os sapatos e punha-os ao pé da porta, não fosse haver mudança de planos — raramente havia. O meu papel nesses encontros na Bijou (a pastelaria onde tudo acontecia) era de mera espectadora, mas cimentou o meu próprio hábito, anos depois, de “tomar café” — naqueles momentos não parecia haver pressa, nem correrias, nem stress — e de aceitar um convite para “tomar café” por tudo e mais alguma coisa. Na minha família, e acredito que em muitas outras, qualquer motivo é bom para “tomar café”, inclusive não haver motivo. Se isto não diz muito de nós enquanto povo, então não sei o que dirá. Daí que faça a minha própria leitura dos dados da Associação Industrial e Comercial do Café, partilhados em 2023, que indicam que cerca de 80% dos portugueses consome café. Os outros 20%, acrescento, estão a mentir.
O hábito de tomar café remonta ao século XVIII, quando este foi introduzido em Portugal por holandeses, mas a abertura d’A Brasileira, no Chiado, em Lisboa (1905), foi decisiva para impulsionar o seu consumo. “O espaço abriu como mercearia e era lá que era vendido café produzido em Minas Gerais, no Brasil”, contou o historiador Nuno Ludovice à TSF em 2015. Para promover a sua venda, acrescentou, “A Brasileira oferecia uma chávena de café aos clientes. O negócio cresceu e os portugueses nunca mais perderam o hábito de beber café.” De facto, este pode ter sido um importante momento de viragem nos hábitos e costumes nacionais, já que as pessoas começaram, lentamente, a ganhar o hábito de “ficar” nos cafés a conversar, jogar às cartas, descontrair depois de um dia de trabalho, em suma, a socializar — os cafés são como extensões da nossa casa, lugares onde nos sentimos confortáveis para relaxar, conectar com os amigos, a família e o resto da comunidade; num café de bairro raramente há estranhos, só pessoas que ainda não conhecemos. Assim se vê como o café se tornou um elemento central da cultura social do país, um ritual aglutinador (e quase sagrado) cuja importância transcende classes e estratos sociais. No site O Valor do Tempo recorda-se isso mesmo: “A Brasileira foi o cenário de inúmeras tertúlias intelectuais, artísticas e literárias, onde escritores e artistas como Fernando Pessoa ou Almada Negreiros eram presença assídua. [...] Foi n’A Brasileira do Chiado que nasceu o termo ‘bica', que seria a abreviatura de “beba isto com açúcar”, um incentivo para tornar o café — uma novidade na época — mais agradável para os clientes, enquanto lhes criava o hábito e marcava um ritual.” Servido curto e forte, relativamente barato, o café tornou-se parte crucial da identidade cultural do país. E nisto, não há quem nos vença: Portugal tem o melhor café, e os melhores cafés, do mundo. Já agora, é um café e um pastel de nata, por favor!
Publicado originalmente na edição "Portugal With Love" da Vogue Portugal, de junho 2024, disponível aqui.