Não existe nenhum guião predeterminado para primeiras damas em tempo de guerra, e por isso Olena Zelenska encarregou-se de determinar uma abordagem própria.
Não existe nenhum guião predeterminado para primeiras damas em tempo de guerra, e por isso Olena Zelenska encarregou-se de determinar uma abordagem própria. A esposa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, uma escritora de comédia de longa data, ficou sempre nos bastidores, enquanto o seu marido, um comediante que virou político, e cuja presidência pode determinar o destino do mundo livre, brilha nos holofotes. Mas desde que a Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro, Zelenska viu-se subitamente no centro de uma tragédia. Quando a conheci numa tarde chuvosa em Kiev, todos os cafés da zona estavam completamente ocupados, mesmo enquanto as sirenes de ataque aéreo soavam. O seu rosto luminoso e os seus olhos castanhos-esverdeados pareciam captar todo o espectro de emoções que hoje percorrem a Ucrânia: tristeza profunda, súbitas incursões de humor negro, recordações de um passado mais seguro e feliz, e um núcleo de orgulho nacional.
"Estes foram os meses mais horríveis da minha vida, assim como de todos os ucranianos", revela a primeira dama na sua língua materna, filtrada através de um tradutor. "Francamente, penso que ninguém está consciente de como temos conseguido lidar emocionalmente". Zelenska confessa o que a inspira, os seus compatriotas ucranianos: “estamos ansiosos pela vitória". Não temos dúvidas de que prevaleceremos. E é isto que nos faz continuar".
Conheci Zelenska - os apelidos mudam consoante o género nas línguas eslavas - dentro do complexo do gabinete presidencial, um lugar fortemente vigiado que demorei umas boas horas para alcançar. Com o espaço aéreo da Ucrânia fechado aos voos civis, apanhei um comboio noturno da Polónia, através de paisagens que testemunharam alguns dos piores horrores do século XX. Já dentro do complexo presidencial, passei por múltiplos pontos de controlo de segurança e por um labirinto de corredores escurecidos, forrados com sacos de areia e soldados. Um retrato da vida em tempo de guerra.
A partir do momento em que começou, esta guerra tem sido travada tanto nos campos de batalha como no espaço de informação, onde Zelensky - astuto, telegénico, declaradamente humilde, com as suas t-shirts verde-tropa, se destaca. Agora, numa nova fase crucial, onde a Ucrânia luta por apoio internacional e nova ajuda militar, o papel da primeira dama já não é superficial ou ornamental. Depois de passar os primeiros meses da guerra escondida, Zelenska, que, como o seu marido, tem 44 anos, emergiu na opinião pública para se tornar um rosto da sua nação - um rosto de mulher, um rosto de mãe, um rosto humano empático. Se Zelensky lidera uma nação de civis que se transformaram em combatentes de um dia para o outro, a primeira dama responsabiliza-se por carregar o preço emocional.
A força que prevalece
Na Ucrânia, dezenas de milhares de mulheres encontram-se na linha da frente, inclusive em combate, e o papel de Zelenska é cada vez mais a chamada diplomacia da linha da frente da batalha. Viajou recentemente para Washington, embora numa visita não oficial e sem aviso prévio, e encontrou-se com o presidente Biden, a primeira dama Dra. Jill Biden, e o secretário de estado Antony Blinken. Lá, dirigiu-se diretamente ao Congresso, apelando a um grupo bipartidário de legisladores enquanto mãe e filha, e não apenas como primeira dama. Zelenska mostrou fotografias de crianças ucranianas que tinham sido mortas por armas russas, incluindo uma criança de quatro anos com síndrome de Down, antes de reforçar: "Estou a pedir algo que eu nunca quereria pedir: Estou a pedir armas - armas que não seriam usadas para travar uma guerra na terra de outros, mas para proteger a sua casa e o direito de acordar vivo nessa casa."
Essa é uma versão mais emocional do apelo que o seu marido tem vindo a fazer desde o início: que a guerra na Ucrânia é mais do que a Ucrânia - é sobre quem defenderá os valores do Ocidente e a ordem baseada nas regras do pós-guerra. Se Vladimir Putin pode invadir um país soberano para cumprir a sua ambição de reunificar o antigo império russo, onde será que vai parar?
Não é claro se Zelenska, ou o seu marido, convenceram os aliados ocidentais da Ucrânia a envolverem-se mais profundamente num conflito que não só não mostra sinais de resolução clara, como também perturba o equilíbrio da economia global. No mesmo dia em que Zelenska se dirigiu ao Congresso, o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo confirmou que a Rússia consideraria expandir-se para mais território se os países ocidentais concedessem à Ucrânia mais armamento de longo alcance. Zelensky, entretanto, quer empurrar os russos de volta às suas fronteiras anteriores a 24 de fevereiro, antes de considerar negociações com a Rússia. A Ucrânia insiste que a vitória é possível; ainda que pareça pouco provável que a Rússia desista de qualquer território que tenha conquistado até agora. Ao longo do desenvolvimento de uma situação cada vez mais delicada, o Congresso e a Casa Branca de Biden têm caminhado numa linha ténue: fornecer milhares de milhões em ajuda militar à Ucrânia, mas relutante em antagonizar permanentemente a Rússia, envolver-se em guerras eternas, ou enviar demasiadas armas a um exército ucraniano que pode não ser treinado para as usar ou para evitar que caiam nas mãos russas. Ao mesmo tempo, países europeus, como a Alemanha, têm estado fortemente dependentes do gás russo, financiando efetivamente o esforço de guerra da Rússia, mesmo quando oferecem à Ucrânia apoio militar e técnico.
Quer a visita de Zelenska a Washington produza resultados reais ou não, foi uma evocação do poder de uma imagem. E as imagens são importantes. Tetyana Solovey, uma antiga editora da Vogue Ucrânia sediada de momento em Londres, revela que o surgimento de Zelenska tem sido essencial. "As vozes femininas nesta guerra precisam de ser ouvidas, precisam de ser representadas," diz Solovey. Zelenska é "a primeira a falar sobre a experiência humana da guerra". E a primeira dama tem ajudado a Ucrânia a afirmar a sua própria voz. No início da guerra, "toda a paisagem mediática era: 'Biden disse', 'Boris Johnson disse', 'Olaf Scholz disse algo.' O que os grandes atores diplomáticos estão a pensar sobre a Ucrânia, o que Putin quer," relata a jornalista. "A sua presença na imprensa ajuda a dar este sentido de agência à Ucrânia como um país que tem o direito de ser ouvido, de falar, de ser considerado relevante."
No início de junho, numa das suas primeiras aparições públicas desde a invasão, Zelenska prestou homenagem a cerca de 200 crianças ucranianas mortas na guerra, discursando perante uma multidão que incluía pais de luto no exterior da Catedral de Santa Sofia em Kiev, as suas cúpulas douradas alcançando o céu do início do verão. (Um mês depois, o número tinha aumentado para 300 crianças, revelou Zelenska.) "O país inteiro conhece as vossas histórias, não estão sozinhos," disse a primeira dama no mesmo dia. "Têm de saber que são importantes. Eram as pessoas mais importantes para os vossos filhos. Por isso, cuidem-se, por eles. Era o que eles quereriam." Zelenska e a multidão de pais penduraram sinos em árvores, um para cada criança. "Os sinos representavam as vozes das crianças inocentes, para que tocassem para sempre e fossem ouvidos para sempre," disse-me Zelenska. "Estive em lágrimas durante toda a hora em que lá estive." Com os mísseis russos a cair sobre alvos civis, Zelenska iniciou também uma iniciativa para ajudar a apoiar os ucranianos que sofrem de trauma. A primeira dama lidera um esforço para formar profissionais de saúde mental e ensinar os socorristas de primeira linha, incluindo professores, farmacêuticos, assistentes sociais e agentes da polícia, a agir como conselheiros. "De um modo mais geral, esta iniciativa procura melhorar a saúde mental na nação," revela Zelenska. É uma resposta moderna a uma guerra de agressão da velha guarda, uma resposta que olha para além da simples sobrevivência para algo mais longínquo: os efeitos a longo prazo.
A vida subterrânea
Ser primeira dama não é um papel que Zelenska ambicionava. "Eu gosto de estar nos bastidores - fazia sentido para mim," confessa. "Enfrentar os holofotes foi bastante difícil para mim." A primeira dama e Zelensky conheceram-se na escola secundária, começaram a namorar na universidade, e tiveram uma vida plena no mundo do entretenimento antes de Zelensky alcançar a presidência em 2019, através da promulgação da luta contra a corrupção. Protetora da sua vida familiar, Zelenska não queria que o seu marido se candidatasse. Mas, como tantos dos seus compatriotas ucranianos nesta guerra, Zelenska está à altura da situação com dignidade e coragem. "Estou a fazer o meu melhor," confessa a primeira dama. Tem sido sempre uma estudante empenhada.
Nas nossas duas conversas em Kiev, Zelenska foi franca, digna, elegante, uma subtil promotora de designers ucranianos. Um dia, vestiu uma blusa de seda ecru com um laço de veludo preto amarrado à volta do pescoço e uma saia preta, o seu cabelo loiro amarrado casualmente. No dia seguinte, escolheu calças de ganga largas, ténis brancos volumosos com detalhes amarelos e azuis, um aceno para a bandeira ucraniana e um projeto de angariação de fundos da marca The Coat, o seu cabelo solto nos ombros, e uma camisa cor de ferrugem com botões. Não pude deixar de pensar que a camisa tinha o mesmo tom enferrujado que os tanques russos queimados que vi a forrar estradas em Irpin e Bucha, subúrbios de Kiev onde a Ucrânia empurrou os russos para trás. Em Bucha, o local de uma agora infame vala comum, estão em curso investigações para determinar se a Rússia cometeu crimes de guerra. Perguntei a Zelenska como as notícias das atrocidades russas em Bucha tinham alterado o panorama da guerra. "Nas primeiras semanas após o início da guerra, ficámos chocados," disse. "Depois de Bucha compreendemos que se tratava de uma guerra destinada a exterminar-nos a todos. Uma guerra de extermínio."
É estranho falar da exterminação ucraniana e da Moda ucraniana na mesma conversa, e no entanto esta é a dissonância cognitiva da atual Ucrânia, onde designers e profissionais de todo o tipo se mobilizam a nível interno e externo para apoiar o seu país. Esta dissonância sente-se em particular em Kiev, onde se pode beber uma bebida de matcha num café e depois conduzir uma hora até Bucha para visitar uma vala comum. É difícil conseguir absorver e interpretar esta realidade.
Por toda a graciosidade que Zelenska demonstra sob pressão, é evidente que a guerra a tem afetado. Por vezes, notava-se que se encontrava ansiosa e nervosa, como se estivesse num estado semi-permanente de alerta. Os seus olhos enchiam-se de tristeza, especialmente quando falava de crianças mortas, e por vezes olhava pela janela e cruzava as mãos através do estômago, um gesto de auto proteção. Não é de admirar. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Zelensky tornou-se o alvo número um, e ela e os seus filhos o alvo número dois. Isto não pode ser fácil. "Não posso pensar nisso com demasiada seriedade, porque de outra forma ficaria paranóica," disse, lançando um olhar cauteloso a um assessor, quando perguntei, o mais cautelosamente possível, como se sentia face a tudo isto.
Quando a guerra começou no início da manhã de fevereiro, Zelenska estava em casa na residência presidencial em Kiev, com o presidente e os seus dois filhos: Oleksandra, 18 anos, e Kyrylo, 9 anos. Durante meses, a administração Biden tinha partilhado informações com a Ucrânia e a Europa, alertando para uma iminente invasão russa. Mesmo assim, ninguém, nem mesmo Zelensky, esperava que acontecesse. No entanto, assim que aconteceu, o presidente tomou medidas imediatamente, foi ao escritório e declarou lei marcial. À medida que os tanques russos se aproximavam de Kiev, Zelensky envergou o traje militar, ganhando o apoio imortal dos ucranianos e a admiração do mundo ao não fugir do país, como um dos seus antecessores, o pró-russo Viktor Yanukovych, fez aquando a revolta popular de Maidan em 2014. "Preciso de munições, não de boleia," disse Zelensky na altura (uma linha que pode ser apócrifa mas que continua viva).
No segundo dia da guerra, Zelensky filmou um vídeo, agora famoso, de si e da sua equipa fora do complexo presidencial. A sua mensagem: "Estamos aqui. Estamos em Kiev. Estamos a proteger a Ucrânia" - inspirou os ucranianos a fazer o mesmo. Desde então, o seu briefing diário à nação ajuda a levantar a moral. Antes de se tornar presidente, Zelensky não tinha sido apenas um comediante popular, uma estrela de cinema e televisão, a voz ucraniana de Paddington Bear nos filmes recentes, e um vencedor na versão do seu país de Dancing With the Stars, co-fundou também uma das maiores empresas de televisão e produção cinematográfica na esfera pós-soviética, Studio Kvartal 95. Zelenska trabalhou como escritora e editora no seu principal programa de comédia satírica em horário nobre e num espectáculo spinoff dirigido ao público feminino. Uma vez no cargo, Zelensky trouxe muitos colegas de televisão e amigos consigo para a administração. Uma ação que acarretou fortes críticas - sobretudo acusações de incompetência institucional (recentemente despediu um amigo de infância que tinha nomeado chefe dos serviços de segurança da Ucrânia). Mas não há dúvida de que Zelensky e a sua equipa orquestraram comunicações brilhantemente eficazes. O presidente está pronto para o horário nobre, mesmo que as instituições do país possam não estar. O árduo trabalho da mudança é um processo moroso para a Ucrânia, caso o país aspire à adesão à União Europeia.
No início da guerra, Zelensky estava em todos os ecrãs da Ucrânia e de todo o mundo, implorando aos Estados Unidos e à Europa que enviassem armamento e ajuda, enquanto que Zelenska e as crianças tinham desaparecido, dirigindo-se para locais seguros. Nesses dias, Zelenska manteve-se ocupada, e sã, acompanhando os seus deveres oficiais de primeira dama, conduzindo entrevistas escritas, tentando reformular algumas das suas iniciativas em tempo de guerra. "A minha agenda diária não tinha um momento livre quando podia simplesmente sentar-me e começar a pensar em coisas más," revela Zelenska. Ajudou o seu filho com a escola online, o que foi um desafio já que não podiam estar online em tempo real. Jogavam jogos de tabuleiro e liam. A primeira dama releu aliás 1984, de George Orwell. "É uma coincidência horrível. É uma imagem do que está a acontecer na Rússia nos dias de hoje."
De mãos dadas
Durante algum tempo, Zelenska não foi capaz de comunicar com o seu marido, ou com os seus pais. Antes da guerra, falava com a sua mãe ao telefone todos os dias. "Nem sei como teria sobrevivido a estes meses se tivéssemos estado separados," disse sobre as crianças. O presidente ainda não conseguiu ver as crianças, por razões de segurança. "Ele está a passar por muito mais dificuldades. Ele sofre. E os meus filhos também sofrem, porque não se podem ver uns aos outros," disse. Como tantas famílias ucranianas, a família nuclear foi separada. Cerca de 9 milhões de ucranianos fugiram do país desde que a guerra começou, na sua maioria mulheres e crianças. Os homens entre os 18 e os 60 anos são obrigados a permanecer e encorajados a servir nas forças de defesa territorial. Estima-se que tenham morrido 5000 civis ucranianos, provavelmente mais, e em picos de combate a administração estimou que estava a perder 200 soldados por dia.
Quando Zelenska finalmente emergiu em público, aparecendo com a primeira dama Jill Biden para visitar um abrigo para pessoas deslocadas na Ucrânia ocidental a 8 de maio, dia da mãe, passou uma mensagem forte: Ela estava no país e a trabalhar para o bem comum. Isto marcou uma nova fase da guerra e do papel de Zelenska como primeira dama - um farol para os seus cidadãos e um ator na batalha da Ucrânia pelos corações e mentes.
Antes da guerra, a primeira dama já se tinha tornado a voz dos vulneráveis, especialmente crianças com necessidades especiais, assim como das vítimas de violência doméstica. Contratou um chef ucraniano de renome para reformular a alimentação dos refeitórios das escolas públicas, introduzindo mais frutas e legumes numa dieta que consiste maioritariamente de carne e batatas, e ajudou a negociar a introdução de guias áudio em língua ucraniana nos principais museus internacionais. Zelenska continuou este trabalho, até porque milhões de ucranianos vivem agora no estrangeiro, especialmente na Europa. A iniciativa escolar mudou porque a questão agora é se as crianças podem ir à escola, já que a Rússia tem bombardeado escolas e nem todas têm abrigos anti bomba adequados - ou o suficiente para comer. No seu discurso ao Congresso norte-americano, Zelenska comparou a estratégia da Rússia na Ucrânia à da saga literária Os Jogos da Fome.
Esse discurso mostrou o estilo idiossincrático de Zelenska: Uma mensagem poderosa com um olhar suave. A sua família projetava para o resto do mundo uma imagem da Ucrânia como um país jovem, orientado para um futuro independente. Já não era este um país de oligarcas e cleptocratas dos anos pós-soviéticos. "Ela mantém-no moderno, mantém-no verdadeiro," revela Julie Pelipas, uma designer ucraniana sediada em Londres que ajudou a dar estilo às imagens que acompanham esta história. "Ela é muito precisa com o que veste, mas dá espaço à experiência," diz Pelipas. "Quando veste um fato de calças, não tem medo de parecer demasiado masculina ao lado do presidente." Isto é também um sinal de uma mulher moderna na Ucrânia - não temos medo de mostrar que somos mais fortes, que somos iguais aos homens."
Antes da sua visita a Washington, perguntei ao presidente Zelensky sobre a sua mulher, e como esta contribui para a causa. Quando cheguei ao seu gabinete no recinto presidencial em Kiev, depois de um desafio de segurança, demorei um minuto para perceber que tinha chegado. Havia um piso de parquet ornamentado. Reconheci a sua secretária, flanqueada por uma bandeira da Ucrânia, a partir das suas mensagens de vídeo. Vestia uma camisola e calças verdes e sentava-se à cabeça de uma mesa comprida gigante. Zelensky era discreto, com uma barba de vários dias, e parecia cansado. Apertámos as mãos. Disse-lhe que estava lá para falar de outra frente na guerra: a frente doméstica. "O lar é também a linha da frente," disse no seu tom barítono grave, em inglês, antes de mudar para ucraniano. Disse-me que compreendia porque milhões de ucranianos tinham fugido do país, mas que aqueles que ficaram tinham de ser figuras de referência, começando pela sua família. "Posso fazê-lo por uma parte do nosso povo, por uma parte significativa," disse. "Mas para mulheres e crianças, a presença da minha mulher aqui constitui um exemplo. Acredito que ela desempenha um papel muito poderoso para a Ucrânia, para as nossas famílias, e para as nossas mulheres."
A guerra entrou agora numa fase crucial e transitória. Grandes extensões do leste e do sul da Ucrânia estão sob ocupação russa. Zelensky quer mais apoio militar para a defesa e para recuperar território que a Rússia apreendeu desde fevereiro, se não desde 2014, quando a Rússia invadiu pela primeira vez a Crimeia e partes do leste da Ucrânia. A atenção internacional tem vindo a diminuir, enquanto a inflação e os preços do petróleo estão a subir em todo o mundo. Quando lhe perguntei sobre isto, Zelensky foi direto. "Vou ser muito honesto e talvez não muito diplomático: O petróleo não é nada. O Covid, mesmo esta pandemia não é nada quando se compara com o que se passa na Ucrânia," disse. "Tente imaginar o que estou a dizer a acontecer na sua casa, no seu país. Será que ainda estaria a pensar nos preços do gás ou da electricidade?” A batalha, relata Zelensky, vai para além da Ucrânia. "Estamos a lutar por coisas que poderiam acontecer em qualquer país do mundo," disse-me. "Se o mundo permite que isto aconteça, então não está a respeitar os seus valores. É por isso que a Ucrânia precisa de apoio - apoio significativo."
Perguntei a Zelensky como é que a guerra tem afetado a sua família. "Como qualquer homem comum, tenho estado muito preocupado com eles, com a sua segurança. Não queria que fossem postos em perigo," disse. "Não se trata de um romance, mas de horrores que estavam a acontecer aqui na periferia de Kiev e todos aqueles horrores que estão a acontecer agora no nosso país, em territórios ocupados. Mas é claro que tenho sentido a sua falta. Tenho querido tanto abraçá-los. Tenho querido poder tocar-lhes." Está orgulhoso de Zelenska por lidar sozinha com os seus filhos. "Ela tem uma personalidade forte. E provavelmente é mais forte do que pensava ser. E esta guerra - bem, qualquer guerra é provavelmente capaz de trazer à tona qualidades que nunca esperou ter."
Se Zelensky foi um pouco rígido, declarando Zelenska como uma mãe que leva muito a sério as suas responsabilidades como primeira dama - aqueceu imediatamente quando lhe perguntámos sobre as qualidades humanas da sua esposa, o seu passado comum, o que as pessoas deveriam saber sobre ela. "Claro que ela é o meu amor. Mas é também a minha maior amiga," confessa o presidente da Ucrânia. "Olena é realmente a minha melhor amiga. Ela é também uma patriota e ama profundamente a Ucrânia. É verdade. E ela é uma excelente mãe."
O casal conheceu-se pela primeira vez no liceu na sua cidade natal de Kryvyi Rih, uma cidade industrial no sudeste da Ucrânia. Quando começaram a namorar, não foi amor à primeira vista. Ele sentiu-se atraído pela sua aparência: "Olhamos para os olhos e lábios de alguém," explicou. Depois, começaram a falar. "É aí que se passa de gostar para amar. Foi isso que me aconteceu," disse. ("Provavelmente, era o humor esta química mútua," disse Zelenska quando perguntei sobre a história da sua origem). Zelensky utilizou as suas piadas para a seduzir? Ele sorriu. "Sim, é claro. Mas as minhas piadas nem sempre correm bem com ela. Ela é uma editora muito boa."
Zelenska nasceu Olena Kiyashko. A sua mãe era engenheira e gestora numa empresa de construção e o seu pai professor numa escola técnica. Tanto ela como Zelensky são filhos únicos. Ambos foram criados em famílias de língua russa e aprenderam ucraniano mais tarde. Tinham 11 anos quando o Muro de Berlim caiu, e encontravam-se no ensino básico quando a Ucrânia ganhou a sua independência, em 1991. Aerosmith e The Beatles foram a banda sonora da sua adolescência. "Éramos adolescentes nos últimos dias da União Soviética," disse Zelenska. "O mundo começou a abrir-se para nós." Esta é outra razão pela qual a invasão russa da Ucrânia é um choque tão grande. "Quando alguém começa a dizer-nos que não há ucranianos e que um ucraniano é apenas um mau russo, nós não conseguimos acreditar," relata Zelenska. "As pessoas que nasceram na Ucrânia independente estão agora na casa dos 30 anos. É uma nova geração. Portanto, ninguém na Ucrânia compreende o pretexto russo ou as outras razões para nos invadirem."
Na liderança
Na universidade, Zelenska formou-se em arquitetura e Zelensky estudou direito, mas ambos mudaram o seu percurso profissional rapidamente para se dedicarem à comédia satírica. No início, a primeira dama tinha a dúvidas do sustento que uma carreira em comédia traria. Mas o grupo de comédia liderado por Zelensky já tinha ganho um concurso extremamente popular. "Portanto, havia uma boa base," revela Zelenska. O grupo viria, aliás, a ganhar inúmeros concursos e, em 2003, Zelensky e amigos, incluindo Zelenska, fundaram a Kvartal 95, uma empresa de produção que se tornou uma das maiores do mundo de língua russa e ucraniana. Deram-lhe o nome do distrito de Kryvyi Rih onde ambos cresceram.
O Kvartal 95 produziu um programa satírico extremamente popular, Evening Kvartal, onde Zelensky foi uma estrela e Zelenska escritora durante anos. Ela era frequentemente a única mulher na sala dos escritores. "Para mim é mais fácil lidar com homens do que com mulheres," confessa a primeira dama, justificando: "As portas do mundo do humor para as mulheres estão abertas tão largamente como para os homens. Mas menos mulheres se atrevem a entrar. É preciso coragem para enveredar por este caminho." O espectáculo ridicularizava os políticos e costumes da região, uma versão mais mainstream e menos arriscada de Saturday Night Live. Ajudou a fazer de Zelensky um nome popular na Ucrânia. Evening Kvartal foi "uma coisa única: o único teatro de sátira política na antiga União Soviética," diz Alexander Rodnyansky, um produtor de cinema e televisão que conhece Zelensky há anos e cujo filho é um conselheiro económico no seu governo. Rodnyansky foi diretor da rede de televisão ucraniana que pôs o programa em horário nobre. "Ele estava a fazer uma coisa muito importante no processo social e político do país," relata Rodnyansky.
Em 2015, Zelensky elevou ainda mais o seu perfil ao protagonizar a série de televisão, Servant of the People, na qual interpretou um professor de liceu que critica a classe dirigente por favoritismo e corrupção - e se encontra eleito presidente da Ucrânia. Uns anos mais tarde, Zelensky - de forma quase mística - faria disso uma realidade, ganhando a presidência ao derrotar Petro Poroshenko, um homem de negócios que tinha estado no poder desde as primeiras eleições após a revolução de Maidan de 2014 que empurrou a Ucrânia para mais perto da Europa e mais longe da Rússia. Rodnyansky lembra-se de ter falado com Zelensky pouco antes de ganhar. "Ele disse: 'Vai ser apenas um mandato, vamos tentar mudar o país para melhor, e depois vou e volto a ser produtor e faço o filme com base na minha experiência e ganho o Óscar.' Foi o que ele me disse. Eu estava a rir."
Quando Zelensky decidiu candidatar-se ao cargo, Zelenska ficou chateada. "Respeitei a sua escolha e compreendi que este era um passo importante para ele. Ao mesmo tempo, senti que a minha vida e a vida da minha família iria mudar radicalmente. A mudança seria duradoura e bastante complexa", confessou-me a primeira dama. "Eu sabia que ia haver muito trabalho para mim, e tinha razão." Os momentos mais relaxados de Zelenska nas nossas conversas vieram quando ela se lembrou dos anos antes da guerra e antes da presidência. Ir a um concerto da Adele em Lisboa. Conduzir com amigos para Cracóvia para ver o Maroon 5. Viajar para Barcelona durante um fim de semana. Ver filmes com a sua família. (Viram Forrest Gump "milhões de vezes," e ela adora Lendas da Paixão e As Pontes de Madison County.) Como toda a gente na Ucrânia, Zelenska anseia pelo retorno à normalidade.
Perguntei-lhe se alguma coisa a tinha preparado para a guerra. "Nada," disse. "Estávamos a viver vidas felizes e nunca pensámos que isto pudesse acontecer. Mas temos esperança." Quanto mais falava com Zelenska, mais empatia sentia, sentia o seu isolamento, o seu medo. "É verdade, sinto-me isolada," confessa a primeira dama. "Não posso visitar livremente o que quero. Hoje em dia, ir às compras é um sonho que não pode ser realizado." Mas continuava composta, para o seu país, para satisfazer todas as expectativas do povo ucraniano. "É uma tarefa difícil porque se sente constantemente este fardo de responsabilidade."
Os seus esforços estão a resultar. Na minha última manhã em Kiev, antes de outra longa viagem de comboio de regresso à Polónia, aproveitei para passear pela Praça da Independência, uma vez que a chuva tinha parado. Parei para perguntar às pessoas o que pensam de Zelenska. As respostas foram todas positivas. "Ela é humilde e mais contemporânea e moderna," declarou Antonina Siryk, que me disse orgulhosamente que trabalha no departamento estatal que desenha selos postais, que inclusive criou o famoso selo emitido pela Ucrânia que diz "Russian Warship, Go Fuck Yourself." Conversei com um casal, Svitlana e Sergiy Karpov, que viviam em Kiev, mas esperavam regressar à sua casa na região de Donbass, agora sob ocupação russa. Ambos disseram que admiravam Zelenska. "Antes de mais, ela é bonita," diz Sergiy, operador de escavadoras. "Gostamos da sua família," acrescentou a sua esposa, que trabalha em seguros. "Eles parecem gostar muito um do outro. Consegue-se se sentir o seu amor."
De volta ao seu escritório, antes de me despedir, Zelenska deu-me um livro sobre a cidade de Kharkiv, que a Rússia tinha esmagado com artilharia. Nesse dia, a Rússia tinha também disparado mísseis contra Vinnytsia, uma cidade a sudoeste de Kiev, longe das linhas da frente - enviando a clara mensagem de que nenhum local na Ucrânia é seguro. Zelenska encontrava-se claramente perturbada. Com o telefone de um assistente, a primeira dama mostrou-me uma imagem de uma criança morta na zona. Era demasiado para aguentar. A máquina de guerra, a máquina dos meios de comunicação. Zelenska está a fazer um trabalho que nunca pediu, que nunca quis, e está a ser muito bem sucedida. Ao sair, apertámos a mão, e depois aventurei-me a um breve abraço. Ela acompanhou-me até à porta. Disse-lhe que esperava que em breve a sua família pudesse jantar novamente à mesma mesa. Tantas famílias separadas. Tantas vidas perdidas. "Sonho com isso," confessou a primeira dama.
Nota do editor: Uma versão desta história de capa digital, que foi organizada em parceria com a Vogue UA será publicada na edição de outubro da Vogue US.
Styling: Julie PelipasAssistentes de styling: Anastasiia Popadianets, Maria HitcherMaquilhagem: Svetlana RymakovaCabelo: Igor LomovProdução: Maryna Sandugey-ShyshkinaLine producer (fixer): Maryna Shulikina, Vlad Mykhnyuk, Kasia Krychowska