Abordamos um dos clássicos modernos, um dos mais famosos (e infames) livros do século XXI.
Abordamos um dos clássicos modernos, um dos mais famosos (e infames) livros do século XXI.
Não vou mentir, durante muitos anos a minha paixão por Chama-me Pelo Teu Nome foi imbatível. Talvez porque tenha sido o primeiro romance que li em que me vi representado. Uma história de amor que envolve um rapaz que sente um amor homossexual e que não segue as previsíveis narrativas de vergonha que inundam todas as outras histórias do género. O livro, e o consequente filme, entraram para a consciência pública de uma forma rara nos dias que correm (quem consegue olhar para um pêssego com a inocência do passado?). A história do amor proibido entre Elio, filho adolescente de um professor universitário, e Oliver, um estudante que os visita para concluir a sua pesquisa académica, tornou-se um dos clássicos da literatura moderna.
O livro é narrativamente claustrofóbico, a partir do momento que a história nos é apresentada somos consumidos pela obsessão de Elio. Enquanto narrador, a personagem partilha a paixão que o consome, sufocando-nos da mesma forma que o totaliza, uma característica intrínseca de um primeiro amor. Esta escolha por parte de Aciman é uma das razões pela qual nutro um carinho por este livro. Enquanto pessoas queer, a realidade da primeira interação romântica é, por vezes, muito distante do amor de escola primária comum a pessoas heterossexuais. Pela forma como lidamos com a homossexualidade enquanto cultura, o primeiro romance de muitos acontece na idade de Elio, onde a magnitude dos sentimentos se opõe à suposta maturidade que a idade traz.
Ainda que este livro tenha sido um dos meus prediletos durante muito tempo, ao crescer, as minhas sensibilidades evoluíram. E, ao pensar criticamente na obra em questão, comecei a notar em detalhes que me deixam profundamente desconfortável, como a diferença de idades entre Elio e Oliver, de 17 e 24 anos respetivamente. Mas não é a mera disparidade que me faz confusão, é também o facto de que Aciman, um autor heterossexual, escolheu retratar um amor homossexual de uma forma tão predatória. Compreendo que é uma opinião polémica, mas o perfil do escritor interessa para a credibilidade da sua obra. Não que uma pessoa heterossexual não tenha a capacidade de retratar uma história de amor queer, mas esta em específico poderá ser interpretada como um reflexo de uma perceção discriminatória de homossexualidade.
Não nego a importância do livro, particularmente na normalização da intimidade queer, mas é normal que o aceitável do passado seja o tabu do presente. Chama-me Pelo Teu Nome é o exemplo perfeito deste fenómeno. Mas, independentemente da validade das críticas feitas ao livro, continua ser uma história coming of age de um jovem queer muito bem sucedida, evitando (a maioria) dos clichês que normalmente impregnam histórias do género.
O Vogue Book Club é uma rubrica semanal. Neste espaço, um membro da equipa da Vogue Portugal propõe-se refletir, ou apenas comentar, um livro - seja uma novidade literária ou um clássico arrebatador. Pode participar nesta discussão através da hashtag #VogueBookClub.