Opinião   Palavra da Vogue  

#VogueBookClub: Memórias da Plantação, de Grada Kilomba

09 Aug 2022
By Pedro Vasconcelos

No seu primeiro livro, Kilomba embarca numa jornada ingrata, colmatar o fosso entre perceções populares do racismo e as teorizações académicas pós-coloniais.

No seu primeiro livro, Kilomba embarca numa jornada ingrata, colmatar o fosso entre perceções populares do racismo e as teorizações académicas pós-coloniais.

Em Memórias da Plantação, a artista interdisciplinar portuguesa Grada Kilomba, combina teorias feministas, pós-coloniais, psicanalíticas numa narrativa acessível a um público que não seja versado em escrita académica. Através da compilação de episódios quotidianos baseados em entrevistas, a autora expõe o racismo como evidente apenas para aqueles que o sentem na pele. Seguindo o legado de teóricos como bell hooks e James Baldwin, Kilomba esmiúça as realidades diárias de uma sociedade racista. A persistência da discriminação racial na cultura europeia é culpada na sua integração com a forma como nos organizamos, normalizando-a ao ponto em que se torna impercetível para os que a perpetuam.

O livro é pensado como uma crítica inteligente, um convite a repensar na forma como interpretamos o conceito de racismo. Aliás, mais que um convite, Memórias da Plantação é uma exigência, uma confrontação com a realidade racista do mundo ocidental. Ainda que escrita a partir de entrevistas conduzidas a mulheres negras em Berlim, e portanto focada no racismo estrutural específico à Alemanha, Kilomba frisa a validade destes testemunhos na maioria dos países europeus. No prefácio que acompanha a tradução portuguesa, a autora reitera a validade do argumento no contexto português, partilhando a sua experiência de vida em Portugal, assim como a sua decisão de o abandonar. É também nesta secção que a artista justifica algumas escolhas feitas na tradução do seu livro, como a apresentação de palavras em ambos os géneros, como “Outra/o”. A autora aproveita a oportunidade para dissecar as particularidades da língua portuguesa, entre as quais a sua violência intrínseca e influências na própria sociedade lusitana.

É relevante de se mencionar que, ainda que o livro tenha sido recebido de forma extremamente bem-sucedida, tanto pela crítica como pelo público, demorou onze anos para que esta fosse publicada na língua portuguesa. Originalmente publicado em inglês em 2008, Memórias da Plantação, só foi traduzido para português em 2017 pela editora Orfeu Negro, ainda que a sua escritora seja de nacionalidade portuguesa. A espera não foi despropositada, a edição portuguesa é uma verdadeira materialização da narrativa de Kilomba, apresentando um reflexo de quem observa o livro. Esta escolha não é acidental, forçando-nos a confrontar a nossa participação na estrutura de uma sociedade racista sempre que lemos o livro.

Pontuação:

 

O Vogue Book Club é uma rubrica semanal. Neste espaço, um membro da equipa da Vogue Portugal propõe-se refletir, ou apenas comentar, um livro - seja uma novidade literária ou um clássico arrebatador. Pode participar nesta discussão através da hashtag #VogueBookClub.

Pedro Vasconcelos By Pedro Vasconcelos

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