Aquilo que começou por ser um inocente mundo de ficção transformou-se numa das metáforas mais poderosas que alguma vez testemunhei.
Aquilo que começou por ser um inocente mundo de ficção transformou-se numa das metáforas mais poderosas que alguma vez testemunhei.
O burburinho em redor de Piranesi começou quando Susanna Clarke recebeu, em 2021, o Women's Prize for Fiction, motivado pela sua obra de ficção publicada no ano anterior. Mas foi preciso deparar-me com uma recomendação deste livro nas redes sociais para finalmente lhe dar uma oportunidade. Hoje posso dizer que foi Piranesi que me deu uma oportunidade a mim, ao fazer-me voltar a sonhar.
Mistério é a palavra que rege os primeiros capítulos do livro de Susanna Clarke. Lemos as palavras do narrador, mas não sabemos quem este é ou o que faz ali. É-nos descrito um lugar mágico, mas é impossível perceber onde se encontra ou qual é o seu verdadeiro significado. Somos apresentados a estátuas acolhedoras, a corredores que mudam (literalmente) com as marés, e, aos poucos, encantamo-nos com a personalidade humilde e bondosa da personagem principal, cujo nome se desvenda como sendo Piranesi.
E, de repente, vemos o mundo utópico pelo qual nos tínhamos apaixonado transformar-se num lugar sombrio. Não é que a sombra não estivesse lá desde o início - os indícios eram claros, nós é que escolhemos ignorá-los. Afinal o próprio narrador não sabe quem é. Afinal o seu nome não é Piranesi. Afinal há detalhes preciosos que não nos foram apresentados, pois também eram desconhecidos da própria personagem principal.
É um dos mais fortes plot twists que alguma vez tive a oportunidade de presenciar, não devido ao seu conteúdo, mas à sua duração. As controvérsias estendem-se ao longo de páginas e páginas e, quando pensávamos que já sabíamos tudo, somos confrontados com a pequenez do nosso conhecimento. Começou por ser uma imersão num mundo de ficção e acabou por ser uma reflexão sobre o nosso lugar no mundo. Obrigada, Susanna Clarke. Obrigada, Piranesi. Oxalá tivesse mais uma vez a oportunidade de ler este livro pela primeira vez.
O Vogue Book Club é uma rubrica semanal. Neste espaço, um membro da equipa da Vogue Portugal propõe-se refletir, ou apenas comentar, um livro - seja uma novidade literária ou um clássico arrebatador. Pode participar nesta discussão através da hashtag #VogueBookClub.
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