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Os 50 anos de Moda em Portugal na mais recente exposição do MUDE

08 Aug 2022
By Ana Murcho

Portugal Pop – A Moda em Português 1970-2020 explora os últimos 50 anos da história da Moda em Portugal. A exposição, que conta com quase 200 coordenados de 40 designers, pode ser vista na Casa do Design, em Matosinhos, até setembro. Bárbara Coutinho, diretora do MUDE – Museu do Design e da Moda, e curadora da mostra, explicou à Vogue que o objetivo deste projeto é, acima de tudo, fomentar o debate.

Portugal Pop – A Moda em Português 1970-2020 explora os últimos 50 anos da história da Moda em Portugal. A exposição, que conta com quase 200 coordenados de 40 designers, pode ser vista na Casa do Design, em Matosinhos, até setembro. Bárbara Coutinho, diretora do MUDE – Museu do Design e da Moda, e curadora da mostra, explicou à Vogue que o objetivo deste projeto é, acima de tudo, fomentar o debate. Foi mais ou menos assim que chegámos até aqui. Com as saias de Maria Gambina, os vestidos de Dino Alves, as camisas de Nuno Gama, as t-shirts de Luis Buchinho. Mas também com o guarda-roupa imaculado das Doce, inspirado na literatura de Fernando Pessoa e de Sophia de Mello Breyner e na arte de Júlio Pomar, com os looks impressionantes de Sónia Tavares, dos The Gift, com a irreverência de Conan Osiris, com a presença intemporal de Amália Rodrigues, António Variações ou de Simone de Oliveira. O que os une é uma forma muito única de “ser português” e de o transportar para o que vestem e o que fazem. Portugal Pop – A Moda em Português 1970-2020 apresenta uma seleção de 180 coordenados de designers de diferentes gerações, percursos e linguagens, propondo múltiplos diálogos, com várias referências — da música ao espetáculo, dos ofícios tradicionais à sustentabilidade – e fomentando o debate sobre as identidades da Moda portuguesa e o seu valor cultural, económico e social. A exposição é apresentada na Casa do Design, em Matosinhos, no âmbito do programa MUDE FORA DE PORTAS, e está patente até 18 de setembro, com entrada grátis. A Vogue conversou com Bárbara Coutinho sobre as intenções por detrás desta grande retrospetiva. Como nasceu a ideia de fazer esta exposição, e que objetivo tinha em mente quando se propôs revisitar 50 anos de história da Moda portuguesa? O meu estudo sobre o design de Moda em Portugal tem muitos anos. Já em 2014, com a exposição Como se pronuncia design em português? tive o mesmo objetivo de debater como é que as circunstâncias geográficas de Portugal e a nossa herança histórica e cultural, as nossas tradições e consciência coletiva, se refletiam em termos criativos no design. Nessa altura cingi-me ao design de produto por questões metodológicas, mas a ideia de desenvolver um estudo similar sobre o design de Moda ficou sempre presente. Em 2019, a oportunidade de materializar essa ideia surgiu com o convite que a Casa do Design me dirigiu pessoalmente, mas que eu decidi aceitar enquanto diretora do museu, tendo em vista a colaboração entre as Câmaras Municipais de Matosinhos e de Lisboa e entre o MUDE — Museu do Design e da Moda, e a Casa do Design. Com esta curadoria procurei dar uma perspetiva da Moda ao longo de uma janela temporal e prismática, desvelando várias facetas da sociedade em transformação em cada época histórica. Assim, criei três eixos de leitura em interrelação para que cada visitante pudesse observar as múltiplas interpretações da nossa cultura popular e memória coletiva, feitas pelos diferentes designers representados com o propósito de mostrar as diferentes intencionalidades de cada um deles, segundo as suas referências pessoais. Os últimos 50 anos da nossa história também foram contemplados de modo a reconhecer-se a influência que algumas das figuras da nossa cultura pop, em particular da música e do espetáculo, tiveram na Moda através da forma como construíram a sua imagem de marca recorrendo a diferentes aspetos da cultura portuguesa. Portugal Pop – A Moda em Português 1970-2020 representa um trabalho de dois anos e meio de investigação. Como foi esse processo? O trabalho durou de facto cerca de dois anos e meio porque surgiu o confinamento, com o qual nos deparámos todos, mas o contexto pandémico veio de certa forma reforçar algumas das minhas opções, pois faz muito tempo que me questiono sobre a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento dominante à escala planetária e os paradigmas que predominam acima das soluções que nos parecem a todos evidentes e urgentes, mas que são difíceis de implementar. Na véspera da inauguração, inesperadamente, dá-se a invasão da Ucrânia e começámos globalmente a assistir à tentativa de destruição massiva de uma cultura, o que nos pode levar a questionar qual a validade de uma exposição de Moda que se propõe olhar para a forma como a geografia, a cultura e a história de Portugal se refletem no trabalho dos designers. No texto introdutório da exposição faço referência à urgência de conhecermos, de nos preservarmos e de continuarmos a criar o nosso património e a nossa memória coletiva, pois é importante evitarmos retrocessos civilizacionais e fundamentalismos políticos. Termos o conhecimento de onde viemos para sabermos para onde queremos ir, tanto em termos individuais como coletivos, é elementar enquanto povos e cidadãos do mundo. Esta exposição foi aberta como uma primeira apresentação sistematizada de uma hipótese de leitura dos últimos 50 anos da Moda em Portugal que ainda se pretende complementar com o trabalho de outros designers e artistas que possam estar presentes em futuras apresentações. Ao observar as criações destes 40 designers, que análise faz da evolução de Portugal enquanto país que, cada vez mais, se serve da Moda para ilustrar a sua memória coletiva num veículo visual? A exposição tem 1969 como ponto de partida, pois é o ano em que Portugal participa na Eurovisão com a Simone de Oliveira a cantar a Desfolhada Portuguesa com um longo vestido verde-vivo criado por Maria-Thereza Mimoso e uma letra que personifica um país que pretende reclamar os direitos das mulheres no mundo. Por sua vez, uma das últimas menções na exposição é referente à participação de Portugal na Eurovisão em 2019 onde Conan Osiris se apresenta, vestido por Luís de Carvalho, a cantar uma música pop de fusão, com alusões ao fado e ao flamenco, ao hip-hop, ao canto cigano e magrebino numa mensagem libertária mais visual e acústica. O corte temporal entre estas duas datas dá-nos algum vislumbre sobre o país que luta até se derrubar a ditadura e que abraça uma profunda transformação ao longo dos anos para preservar a conquista da liberdade e da democracia. As criações dos 40 designers de diferentes gerações, formações e estilos mostram, direta ou indiretamente, os vários contextos políticos e socioculturais que o país viveu. A pluralidade das propostas é demonstrativa da liberdade democrática do nosso país e do direito à expressão da diferença, bem como do forte investimento realizado no setor da educação e da formação. Olhando de forma integrada para as várias peças é possível identificarmos mentalidades e alguns contextos de mudança. A imagem de país pobre, conservador, saudosista, rural e isolado, de rígidos costumes e cores escuras, foi ganhando outras matizes através de uma linguagem mais contemporânea, multicultural, despreconceituosa, pop e colorida, que repensa estereótipos e rompe com preceitos estéticos e códigos sociais. A cultura de Moda nas décadas de 1980/90 começa a afirmar-se estimulada por vários factores, como a abertura de escolas de Moda, a publicação de revistas da especialidade e o reconhecimento da fotografia e da produção de Moda, a realização de vários eventos e a consolidação de um calendário profissional de desfiles, ao mesmo tempo que persistem problemas estruturais neste sector que o tornam débil, referenciados quase unanimemente entre os designers e profissionais do meio. A pequena dimensão do mercado nacional, as vicissitudes decorrentes de sucessivas crises e faltas de investimento estratégico, o baixo poder de compra dos portugueses, a incipiente valorização da marca “fabricado em Portugal”, a falta de formação de novos profissionais de costura e alfaiataria ou as dificuldades de internacionalização das marcas são alguns dos aspetos que devem ver debatidos, embora atualmente já se note a reflexão em curso sobre os tempos de projeto e criação, os formatos de produção, as estratégias de comunicação e a diversificação de mercados, espelhando o trabalho sobre a natureza e a sustentabilidade da Moda em Portugal. A exposição apresenta um olhar sobre a portugalidade, essa qualidade intrínseca a tudo o que é português — e que contém, em si mesma, uma enorme multiplicidade. Podemos afirmar, ainda assim, que há “uma Moda portuguesa”? Esse é um dos propósitos da exposição, criar e fomentar esse debate e consolidar essa interpelação, principalmente quando os estrangeirismos nos passam a ser tão quotidianos e naturais que parece que já nada se apresenta em português. As múltiplas formas como se apresenta a história passada e recente de Portugal, o património material e imaterial, as técnicas e os saberes, mas também os conceitos de lugar, território, pertença, identidade, portugalidade ou memória têm-se refletido no trabalho dos vários designers de Moda, e sido reinterpretados através dos seus diferentes objetivos. A nossa condição geográfica, a nossa história coletiva, a nossa língua e a nossa cultura espelham-se nos temas e na imagética de muitas das coleções apresentadas, na reinterpretação de motivos e símbolos ou até na escolha dos materiais naturais e processos de fabrico tradicionais. Tudo isto mostra o potencial da Moda e a capacidade que existe de se recriar Moda a partir da sua própria história e da reinterpretação das referências de várias épocas, civilizações e lugares, sendo um excelente exemplo da cultura contemporânea local e global. Porém, procurar categorizar uma “Moda portuguesa” sem um debate que fomente o seu estudo pode empobrecer e reduzir uma realidade dinâmica e plural, com a qual até as nossas populações regionais se estão a ter de confrontar nos dias de hoje, como podemos ver nas polémicas situações que envolveram a Camisola Poveira e o Capote Alentejano. É urgente reconhecermos a existência do potencial criativo e humano, e investir no papel que a Moda, os ofícios e a cultura podem ter como fatores estratégicos para o desenvolvimento sustentado das economias locais, dos territórios e das regiões do nosso país, pois podem ser meios muito importantes para se respeitar a dignidade humana e a coesão social intergeracional, derrubando falsas dicotomias de “antigo/novo”, “popular/erudito”, “rural/urbano”, “na- cional/estrangeiro” e promover os saberes regionais e tradicionais como fonte de inspiração, educação e desenvolvimento, pelo seu exemplo de ecologia, racionalidade e economia de recursos locais. Ou seja, temos de continuar a debater e a transformar o sistema da Moda, com uma intencionalidade ética, social e ambiental, à luz do contexto atual de recentramento dos modelos económicos e produtivos vigentes tanto no plano interno como externo. Se o fizermos enquanto povo, estaremos a dar um importante contributo para a mudança, seja a nível nacional ou internacional. Texto originalmente publicado no The Sunny Vibes Issue, disponível aqui. 

Ana Murcho By Ana Murcho

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