Com o artesanato numa manga e a inovação na outra, Alexandra Oliveira tem vindo a tecer a história da Pé de Chumbo há mais de 20 anos. História essa que se tece fio a fio, e de Portugal para o mundo.
Com o artesanato numa manga e a inovação na outra, Alexandra Oliveira tem vindo a tecer a história da Pé de Chumbo há mais de 20 anos. História essa que se tece fio a fio, e de Portugal para o mundo.
Alexandra Oliveira no final do desfile primavera/verão 2019 da Pé de Chumbo ©Portugal Fashion
Alexandra Oliveira no final do desfile primavera/verão 2019 da Pé de Chumbo ©Portugal Fashion
Guimarães é o seu berço, e o mundo é o seu recreio. É esta a frase que imediatamente vem à cabeça quando olhamos para o percurso de Alexandra Oliveira, fundadora da marca de autor Pé de Chumbo, em retrospetiva. “Já se passaram muitos anos... acho que não os quero contar”, começa por dizer a criadora portuguesa, que estudou Design de Moda no Citex Porto e deu formação na mesma área na escola Cenatex durante 12 anos, à Vogue Portugal.
Alexandra Oliveira não está a exagerar quando diz que já se passaram muitos anos – desde 1995 que a Pé de Chumbo (o nome é atribuído a uma alcunha de adolescência) se tem vindo a distinguir no panorama da Moda nacional pela sua abordagem única, com a designer a criar e fabricar 90% dos tecidos das suas coleções, recorrendo a um processo próprio por ela desenvolvido, que junta conceitos artesanais com a pesquisa de novas soluções de aplicação.
A originalidade e autenticidade foi notada não só em Portugal, mas também além-fronteiras. “Em 2007 decidi apostar na internacionalização e fomos a Madrid apresentar a coleção”, diz Alexandra Oliveira, referindo que o sucesso dessa mesma experiência acabou por conduzi-la até Paris. “Passei por muitos outros shows em diferentes países até encontrar o mercado que achamos ser o mais adequado para as nossas coleções. (...) Comecei a apresentar [as coleções] em Paris, Nova Iorque e Milão, e depois no Portugal Fashion, em Portugal.”
Pé de Chumbo, primavera/verão 2020
Pé de Chumbo, primavera/verão 2020
“Gosto de fazer, não de mostrar.”
Com uma carreira que se estende por mais de vinte anos, e com uma série de sucessos acumulados ao longo deles, Alexandra Oliveira não esconde que fazer Moda é um “caminho muito complicado” e que já pensou sair desta estrada. “Tantas vezes já disse que se soubesse fazer outra coisa, deixava isto”, confessa à Vogue, dizendo que nesta área muito competitiva não é só o trabalho que conta para se ser notado. “Gosto de fazer, não de mostrar. Mas não sei fazer mais nada... nem me imagino a fazer. Eu queria fazer belas artes mas fiz o liceu na área de ciências, e depois nunca consegui fazer geometria... e agora não consigo imaginar-me com outra profissão.”
E porque há bonança em todas as tempestades, a designer por trás da Pé de Chumbo não esquece todos os momentos em que fazer Moda, esse caminho complicado e competitivo, vale a pena. “Sempre que apresento uma coleção e ela é apreciada, sempre que um cliente volta satisfeito, sempre alguém que eu considero fala sobre o meu trabalho e sempre no fim de um desfile quando o nervosismo passa a um arrepio e alguém me deixa ficar só”, diz Alexandra sobre as “muitas vezes” que a fizeram pensar que tomou a decisão certa.
Sobre as coleções que viajam do Porto para Paris, de Nova Iorque para Milão, Alexandra refere que refazia “quase todas” se pudesse, não por não gostar do resultado final, mas sim porque consegue imaginar sempre melhores soluções. “As minhas peças têm formas simples, vivem da textura e do desenho, do acabamento que conseguimos dar ao trabalhar o material que decidimos usar”, explica a criadora portuguesa. “A primeira peça de cada coleção é que dá origem às outras, que vão evoluindo até chegar àquelas que acho estarem de acordo com o que imaginei. Muitas ficam para trás, por isso, no fim de cada coleção, muitas vezes sinto que devia estar a começar. É por isso que em todas as coleções tenho um tema que é uma exploração do que aprendemos na coleção anterior. Porque fica sempre um vazio que sinto poder ser melhorado.”
Para Alexandra, o casaco, a primeira peça que construíu na totalidade com o seu processo, é a peça que melhor representa o ADN da Pé de Chumbo
Para Alexandra, o casaco, a primeira peça que construíu na totalidade com o seu processo, é a peça que melhor representa o ADN da Pé de Chumbo
“É por isso que em todas as coleções tenho um tema que é uma exploração do que aprendemos na coleção anterior. Porque fica sempre um vazio que sinto poder ser melhorado.”
Para esta estação estival, refere, a intenção da coleção foi apontar um holofote “ao meio ambiente, à destruição das florestas e tudo o que isso arrecada, com três temas, floresta, fogo e vazio”. A história, essa, contou-se “através das cores”, com os verdes, os tons terra, os vermelhos, os pretos e os brancos a conduzirem a narrativa. Sobre a estação fria da Pé de Chumbo, a designer conta à Vogue que “foi talvez uma das coleções mais bem conseguidas, mas que não chegou a ser apresentada em desfile”, que foi cancelado quando as provas estavam a ser feitas. “Foi uma situação confusa de sentimentos. É uma coleção muito colorida, com apontamentos clássicos, muito elegante”, diz Alexandra.
Apesar de já ter mostrado algumas imagens do lookbook, a intenção da designer é “fazer uma campanha mais criativa para mostrar o que foi feito para o desfile” quando a coleção estiver nas lojas, em setembro, ou até mesmo apresentar a coleção em desfile. “Acho que faz todo o sentido apresentar inverno no inverno, como já acontece com grandes marcas e criadores, para que o público possa comprar logo. Cada vez faz menos sentido ficar seis meses à espera de uma peça que já foi vista vezes sem conta nas redes sociais.” E ainda que seja difícil prever como vai correr esta estação, a designer permanece otimista. “Estamos a trabalhar para que os nossos clientes tenham a coleção nas lojas quando desejarem”, refere.
“Cada vez faz menos sentido ficar seis meses à espera de uma peça que já foi vista vezes sem conta nas redes sociais.”
Por falar em trabalho – e em união, algo que Alexandra acredita ser “muito difícil” nesta indústria, e “difícil também dizer porquê” –, se fizesse uma colaboração com um colega designer português, com quem seria? “É uma pergunta difícil... aprecio o trabalho de muitos designers portugueses, tenho algumas referências da minha geração que continuo a admirar, e até a surpreender-me com o seu vanguardismo, e uma colaboração seria certamente vantajosa”, diz a criadora portuguesa. Ainda assim, se tivesse que escolher alguém, escolhia alguém jovem. “Admiro alguns, pela visão inovadora e pela nova mentalidade. Conseguem transmitir e aceitar facilmente sentimentos e criar formas criativas de se expressar. Seria uma partilha certamente mais equilibrada.”