Numa entrevista exclusiva, a diretora criativa revela a forma como os rituais de cura ancestrais trouxeram positividade à coleção Cruise 2021 da Dior.
Numa entrevista exclusiva, a diretora criativa revela a forma como os rituais de cura ancestrais trouxeram positividade à coleção Cruise 2021 da Dior.
Dior, Cruise 2021 ©Teresa Ciocia
Dior, Cruise 2021 ©Teresa Ciocia
Apesar do desfile Cruise 2021 da Dior – apresentado em Apúlia, Itália – ter sido imaginado como um affair social berrante, a performance, na noite de 22 de julho, (transmitida em direto no site e nas redes sociais da Dior) permaneceu determinadamente encantadora, com Maria Grazia Chiuri, diretora criativa da Casa, a prestar homenagem às tradições ancestrais e místicas da região.
Nesta entrevista, Maria Grazia Chiuri conversa com a Vogue sobre a importância da família e o poder do pensamento mágico.
Como é que a região de Apúlia influenciou a coleção Cruise?
Decidimos apresentar em Apúlia em novembro de 2019. Propus que o desfile fosse aí, numa região não tão conhecida, não só porque Lecce [a principal cidade da península salentina] é uma cidade que eu realmente adoro, mas também porque é muito próxima da minha família – o meu pai trabalhava aí perto. Este desfile é sobre craftsmanship, as referências que me lembro vividamente do meu passado: os bordados, os têxteis que via a minha avó e o meu tio fazer quando era uma criança.
Houve alguma referência em particular que tenha inspirado a coleção em si?
Há um livro chamado Sud e Magia, escrito nos anos 50 pelo antropólogo italiano Ernesto De Martino, que retrata uma viagem que ele fez pelo sul de Itália depois da Segunda Guerra Mundial. Nessa altura, a área era pobre. De Martino observou os rituais mágicos de celebração que os nativos apresentavam com dança e música, incluindo o pizzica tarantata [uma dança folk italiana e um ritual de cura ancestral contra as picadas das tarântulas] e descobriu que a magia destas tradições ajudava as pessoas a acreditarem no futuro.
Quando estás em desespero, precisas de pensar que algo mágico pode acontecer na tua vida. Isso tocou-me. Quando comecei a trabalhar [na coleção], não fazia ideia do que poderia acontecer, mas agora, ter esta ideia de uma magia que pode ajudar – é algo que oferece uma energia forte num momento negativo. Aquilo que também é estranho é que, quando cheguei à Le Costantine Foundation [um estúdio têxtil e centro agrícola em Apúlia], percebi que o lema deles é “Amando e cantando” [amando e cantando]. Esse é o mood que eu quero para este desfile. Algo verdadeiramente positivo. Um desfile onde as pessoas possam desfrutar a vida, com música e movimento.
©Antonio Maria Fantetti
©Antonio Maria Fantetti
Vamos sentir esse mesmo espírito do artesanato de Apúlia através das roupas?
Em novembro, fiz uma viagem por Apúlia e visitei todos os artesãos que estavam na área para colaborarmos. Nesta viagem, encontrei artesãos lindíssimos como a Le Costantine Foundation, que apoia mulheres locais que trabalham com designs têxteis. Elas produzem têxteis incríveis que apresentam as diferentes tradições das regiões à mão, usando um tear. É importante celebrar este tipo de craftsmanship, especialmente porque existe esta ideia, não só em Itália mas em todo o mundo, de que estes ofícios normalmente desempenhados pelas mulheres são um trabalho doméstico ao invés de um trabalho criativo.
Outro grupo pequeno de mulheres, que mantém uma tradição chamada tombola – um tipo de bordado específico que demora muito tempo a fazer – e que é supervisionado pela artesã Marilena Sparasci, ficou encarregue de fazer rosas bordadas para continuar a tradição do vestido Miss Dior [um vestido floral bordado, criado em 1949]. Ela criou estas flores incríveis. São muito frágeis, uma verdadeira obra de arte.
Um dos vestidos da coleção Cruise 2021 da Dior ©Sophie Carre
Um dos vestidos da coleção Cruise 2021 da Dior ©Sophie Carre
Qual é o significado da performance em si?
Esta estação, no que à música diz respeito, o compositor Paolo Buonvino criou uma nova interpretação da música de Apúlia, com composições exclusivas que ele escreveu para nós, em colaboração com uma fundação importante chamada Notte della Taranta, que trabalha para manter a forte história musical e de dança da região viva. A famosa Orchestra Roma Sinfonietta vai atuar. O Buonvino também me pediu para convidar Sharon Eyal, coreógrafa e colaboradora da Dior, para trabalhar com bailarinos locais da fundação.
Quais foram os maiores desafios de organizar este desfile?
Quando começámos a coleção não fazíamos ideia de que Itália seria atingida por esta pandemia terrível. Quando o lockdown aconteceu, foi difícil manter-me ligada a todos estes criadores que tinha selecionado em novembro passado. Mas eu liguei e disse, “Podemos tentar trabalhar pelo WhatsApp, pelo computador, ainda podemos tentar fazer algo juntos.” Fazer este tipo de trabalho a partir de casa é difícil, especialmente porque a ideia não era fazer um simples desfile, mas sim uma grande festa onde poderíamos celebrar com a comunidade local. Durante algum tempo, não sabíamos se iríamos conseguir realizar o desfile.
Como é que se vai sentir no momento em que o live stream começar?
Fico triste por não termos uma audiência, claro, porque a nossa ideia era partilhar este momento com toda a comunidade. Ao mesmo tempo, é importante seguirmos em frente e honrarmos o trabalho de todas as pessoas e de todos os criadores envolvidos. Neste momento, termos esta criatividade e este trabalho de uma forma diferente – é uma forma de mostrarmos que acreditamos no futuro.