Jim Jarmusch, o maestro dissidente do indie, está de regresso com uma ode aos versos do quotidiano e ao dia-a-dia da criação artística.
Jim Jarmusch, o maestro dissidente do indie, está de regresso com uma ode aos versos do quotidiano e ao dia-a-dia da criação artística.
Paterson é motorista de autocarro na cidade de Paterson, New Jersey. Todos os dias segue a mesma rotina: percorre o seu itinerário observando a cidade à medida que a vê passar pelo espelho retrovisor, ouve fragmentos das conversas em redor e, aos poucos, bebe todas as gotas da sua essência. Nas horas vagas, passeia o buldogue inglês Marvin, bebe uma cerveja num bar orgulhoso das suas origens e vai para casa ter com a sua mulher, Laura, uma sonhadora compulsiva que está sempre em mudança. Paterson ama Laura e ela ama-o também. Ele apoia os projetos de Laura, ela impulsiona o talento de Paterson para a poesia...
Já o tínhamos dito? Paterson é também poeta – as palavras que escreve pertencem, na realidade a Ron Padgett, um dos poetas contemporâneos de eleição de Jim Jarmusch – e é um confesso apaixonado pela obra de William Carlos Williams – que criou uma colagem épica de escritos dedicados à cidade de Paterson – e um entusiasta de Emily Dickinson, que rejeita a tecnologia moderna e se recusa à "prisão" contemporânea do smartphone.
Nem precisamos de chegar a meio da repetitiva semana de Paterson para entender que nada de realmente entusiasmante vai acontecer no novo filme de Jarmusch, mas as intenções do realizador são muito mais delicadas, na prossecução de uma quimérica exploração dos sinais de pontuação que dão sentido à alma criativa de um artista.
Sabemos o que está a pensar: tudo isto soa incrivelmente pretensioso, mas a verdade é que Paterson – o personagem - é radicalmente alérgico à pretensão – convulsando-se até para se denominar de poeta amador – e o filme acompanha esta sensibilidade, transformando-se num hino à inescapável beleza do ordinário, à transcendência da rotina repetitiva.
Quatro anos depois da melancólica sinfonia vampírica de Só os Amantes Sobrevivem, Jim Jarmusch regressa à cadeira de realização com uma nova ruminação de celebração da decadência Americana naquela que será, certamente, uma das obras mais existenciais da sua frutífera carreira – o que, convenhamos, não é um feito minimamente desprezável. Usando o vulgar e ordinário para criar uma observação vibrante, Paterson é uma joia episódica sobre a relação ora frágil, ora plena, entre a criatividade e a vida quotidiana, infundida com as referências culturais, estética enganadoramente modesta e um absurdismo mundano que sempre marcaram as incursões cinematográficas do realizador americano.
Golshifteh Farahani (Laura) é um luminoso e extravagante furacão de criatividade num papel insuspeitamente difícil e que provavelmente soaria unicamente palerma noutra versão desta história. Barry Shabaka Henley é o caloroso e divertido Doc, o dono de um nostálgico bar de jazz e o mais próximo que Paterson terá de um amigo. Mas nada disto seria possível sem o retrato afetante e absolutamente despojado de Adam Driver que prova aqui a sua tremenda disponibilidade e versatilidade, cimentando-se como um dos mais entusiasmantes jovens talentos de Hollywood e uma prova viva de que menos é, por vezes, muito, muito mais.
Arriscando-se a encantá-lo com um novo fascínio pela poesia moderna, Paterson é uma obra sapiencial e profundamente humana sobre a importância da arte e do amor para significar a tristeza, alegria e beleza da existência quotidiana. Um milagre silencioso!
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