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“Chamo-lhe campo de férias”: como é realmente ser um VIC (“Very Important Client”) na Semana de Alta-Costura de Paris

05 Feb 2025
By DANIEL RODGERS

Aaron Crossman

Em 1968, Cristóbal Balenciaga encerrou a produção por encomenda por “não haver mais ninguém para vestir”. O número de clientes ativos da Alta-Costura tem continuado a cair desde então - de uns robustos 200.000 na década de 1950 para uns estimados 4.000 em 2025 - apesar da popularização em massa da Moda, que hoje vê milhões de espectadores a acompanhar os desfiles online. Mas a verdade é que os ambientes fechados da Alta-Costura continuam a ser uma fantasia tal como eram no passado. Atualmente, os 2% dos clientes mais ricos podem representar cerca de 40% das vendas de luxo a nível mundial - e as marcas satisfazem-nos em conformidade.


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A levantar a cortina sobre este reino mais raro está Sabrina Harrison, uma empresária e filantropa texana que, no espaço de apenas cinco anos, acumulou uma coleção privada de Alta-Costura que até a própria tem dificuldade em quantificar. “Tenho um amigo e stylist, Carlos Alonso-Parada, que faz todo o arquivo por mim”, diz, enquanto passeia por um lounge no Aeroporto Charles de Gaulle. “Vejo-o como um investimento em peças de arte únicas... embora eu seja muito mais escrutinada do que as pessoas que gastam milhões de dólares em quadros para as suas paredes.” Esta temporada, Harrison assistiu a 11 apresentações de Alta-Costura - entre elas a Alta Moda de Dolce & Gabbana, Schiaparelli, a colaboração Jean Paul Gaultier de Ludovic de Saint Sernin e a estreia de Alessandro Michele na Valentino - acompanhado por uma comitiva que incluía um fotógrafo, um videógrafo, um maquilhador, um cabeleireiro, um stylist e vários assistentes pessoais. “O que acontece é que não quero usar o mesmo penteado e maquilhagem em todos os desfiles”, diz. “Gosto de mudar os conceitos e de criar looks distintos, da cabeça aos pés, que se adaptem a cada marca.” Por exemplo, usou um corpete alado Paco Rabanne ultra-raro, primavera/verão 1982, para um almoço privado no Louvre.


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A Vogue falou com Sabrina entre o turbilhão da Semana da Alta-Costura e os Grammy Awards 2025. Aqui, Harrison fala-nos da vida de luxo dos maiores gastadores da Moda e dos círculos restritos que ocupam.

De onde vem o seu amor pela Moda?

Tenho raízes latinas, por isso sou uma maximalista nata. Na verdade, venho de Laredo, Texas, uma cidade que faz fronteira entre o México e os Estados Unidos, e toda a gente lá adora exagerar nos acessórios, vestindo-se com grandes joias de fantasia, mesmo quando não há para onde ir. O meu marido e eu temos um negócio de medicina dentária nos Estados Unidos - o que requer muito trabalho - mas a Moda sempre foi um escape para mim. Sei que a indústria pode, por vezes, parecer superficial e materialista, mas quando nos aproximamos das pessoas e famílias por detrás das casas, apercebemo-nos do quanto é necessário para dar vida às suas coleções. A Moda fez-me viajar pelo mundo, e as coisas que aprendi traduzem-se em todas as áreas da minha vida - até os cartazes que faço na Mint Dentistry estão cheios de inspiração de estilo. Afinal de contas, os dentes são a melhor coisa que uma pessoa pode usar e nós oferecemos muitos trabalhos de cosmética para ajudar as pessoas a sentirem-se confiantes.

A Fashion Week é uma viagem de investigação...

Oh, sim! Quer dizer, a Semana da Alta-Costura é a minha preferida de todas. É muito mais íntima e adoro passar tempo a sós com os designers e as suas equipas. No entanto, pode ser stressante, porque estamos sempre a correr entre desfiles e depois temos de voltar a ver os desfiles, comer qualquer coisa e algumas casas até nos deixam visitar os seus arquivos. (Ontem à tarde vi o de Jean Paul Gaultier.) Além disso, não gosto de usar o mesmo cabelo e maquilhagem em todos os desfiles, quero mudar de conceito e usar roupas distintas, com uma curadoria da cabeça aos pés, que se adaptem à marca.


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Quando é que começou a comprar Couture?

Conheci a equipa Dolce & Gabbana através de uma amiga minha, quando comprei um casaco em caxemira marfim de dupla face. Achei que era uma peça de arte incrível, mas não fazia ideia no que me estava a meter, nem o que estaria do outro lado. Chegou o verão e convidaram-me para o desfile da Alta Moda em Veneza, logo a seguir à pandemia, por isso estava lá toda a gente, porque ninguém saía à rua há dois anos. Foi uma epopeia de uma semana que me apresentou a um mundo de fantasia que eu não sabia que existia. Para mim, agora, é como um campo de férias. A marca convida toda a minha família e dá-nos toda a atenção enquanto lá estamos. A partir desse desfile, tornei-me membro da Vogue 100, que me apresentou a Daniel Roseberry, que, curiosamente, era amigo do pai do meu marido quando eles estavam a crescer num pequeno subúrbio do Texas. Tem sido tudo tão orgânico e, desta vez, consegui convites para Dolce & Gabbana, Schiaparelli, Germanier, Jean Paul Gaultier de Ludovic de Saint Sernin, Valentino, Gaurav Gupta, Stéphane Rolland, Giambattista Valli, Charles De Vilmorin, Zuhair Murad e Ashi.

Quantas peças de Alta-Costura tem atualmente?

Não sei ao certo. Tenho um amigo e stylist, Carlos Alonso-Parada, que me arquiva tudo, porque também coleciono muito vintage. Oh, meu Deus, esta semana fiz uma visita fora de horas à loja Yourgarmentz e comprei um casaco de pelo e um conjunto assimétrico de pele de carneiro da época de John Galliano na Christian Dior, e um colar com corrente de ouro da Gucci de Tom Ford. Estou a tentar lembrar-me do que mais comprei... acho que também comprei Valentino.


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Quanto é que diria que gasta em Moda?

Depende dos eventos que tenho: os Fashion Awards, os Grammys - porque temos uma editora discográfica -, as galas filantrópicas em Dallas, os meus “campos de férias” e, quero dizer, tenho de pensar no futuro se tiver a sorte de ser novamente convidada para a Met Gala. Descobri que ia participar oito semanas antes do evento do ano passado e a maior parte dos designers demoram quatro meses a criar um look suficientemente extravagante para algo assim. Felizmente, trabalhei com Law Roach, Carlos Alonso-Parada e Chris Habana - que já desenhou para Beyoncé, Nicki Minaj e tantas outras celebridades - num vestido inspirado nos relógios derretidos de Dali e numa mala que reproduzia imagens anteriores da passadeira vermelha, de acordo com o tema O Jardim do Tempo. Lembro-me de o meu marido dizer: 'Sabrina, as celebridades vão estar a ocupar toda a atenção, por isso não fiques magoada se não te tirarem fotografias. Eu disse: 'Não me importo! Estou a fazer isto por mim. Só quero vestir algo único”. Mas enfim: Estava nas listas das mais bem vestidas da Vogue, do Wall Street Journal, da People, do New York Times, da Hello! - todos os meios de comunicação social. Diverti-me imenso e estava tão orgulhosa da minha equipa.

Alguma vez se sentiu pressionada a gastar nos desfiles?

Por vezes, é necessário gastar para ter acesso a uma determinada casa de Moda, mas os designers de que gosto constroem uma relação para além da transacional - conheço todas as sobrinhas, sobrinhos e cães deles. As melhores marcas querem que os seus clientes se sintam como celebridades, embora a diferença, claro, seja o facto de investirmos no seu trabalho. Para mim, é como investir em peças de arte únicas... embora eu seja muito mais escrutinado do que as pessoas que gastam milhões de dólares em quadros para as suas paredes. Conheci alguns dos meus amigos mais próximos através do mundo da Moda e é capaz de ser o grupo mais simpático e inclusivo que já conheci.

Qual é a sua opinião sobre as celebridades que usam Alta-Costura na passadeira vermelha? Há marcas que renunciam à regra da peça única para um momento de red carpet...

Eu não me importo. Muitas pessoas querem ser as únicas a ter uma peça, e eu percebo isso, mas acho que mais pessoas precisam de ver como estes designs são incríveis. Não é uma coisa má para mim, adoro cultura e ajuda as pessoas a lerem a Moda como uma forma de arte mais do que um mero materialismo.

Já escolheu alguma das peças que viu nesta estação?

É um processo. Por exemplo, fiz um depósito para algumas peças de Gaultier e, entretanto, organizámos uma prova em Nova Iorque, onde poderei decidir quais as que mais me agradam. As peças vão viajar com eles. Adorei o vestido com contas de caviar, que disseram ter sido inspirado numa fotografia da Cindy Crawford deitada numa praia de areia preta. Ah, e havia uma peça Schiaparelli cor de bronze embelezada com cristais com um grande xaile pela qual me apaixonei. Mas é preciso ser rápido, senão fica-se sem nada! Tive uma nova visita à Dolce & Gabbana às 11h00 da manhã seguinte à sua apresentação e, quando lá cheguei, só havia um par de brincos. Comprei-os.


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As marcas cobrem o custo de hotéis e voos de um cliente?

Não os voos, mas por vezes os hotéis. Nesta estação, fiquei no Hotel Costes. As suites foram renovadas e são muito espaçosas, o que é bom para mim, porque viajo com uma grande equipa, incluindo um fotógrafo, um videógrafo, um maquilhador, um cabeleireiro, um stylist, assistentes e o meu marido. Fiquei lá alojada quando fui ao Vogue World: Paris, e ficava a uma curta distância de muitos eventos em que eu precisava de estar: os desfiles, claro, mas também um pequeno-almoço no Ritz e um almoço no Le Café Marly no Louvre, que foi fantástico porque não estava lá mais ninguém, só nós. Usei um corpete Paco Rabanne com asas de anjo.

Quanto planeamento tem de fazer para a Semana de Alta-Costura?

É rigoroso, mas sinto que, nesta altura, já o consegui fazer. Tenho uma grande equipa, todos são necessários e importantes. Posso aparecer com o vestido mais bonito, mas se não tiver um cabelo e uma maquilhagem fantásticos, a visão não resulta. Planeamos os looks com bastante antecedência, com moodboards nos EUA, mas é claro que vou buscar algumas coisas quando estou na cidade e fazemos o styling aqui.


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Quem é a cliente de Alta-Costura mais bem vestida?

A minha amiga Sylvia Mantella. Ela não vai a um único desfile sem usar uma peça singular. Está sempre fantástica.

Última pergunta: o que é que vai usar nos Grammys este fim de semana?

Nenhuma das peças que solicitei para esta estação estará pronta antes do verão, na melhor das hipóteses, mas se eu for, e tiver bilhetes, há um lindo vestido Atelier Versace no meu armário.


Traduzido do original, disponível aqui.

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