Fotografias: Spotlight
Da estreia de Peter Do na Helmut Lang ao retorno de Ralph Lauren, e ainda com tempo para o aniversário controverso da Coach, a Semana de Moda americana foi o princípio perfeito para o mês mais entusiasmante do ano.
O final do verão pode ser agridoce. Despedimo-nos da tranquilidade de uma estação onde os escritórios se encontram incompletos e as praias estão lotadas. Mas, como que para compensar o final do período mais descontraído do ano, inicia-se a sua época mais entusiasmante: o fashion month. Durante as próximas quatro semanas encontramo-nos em contagem decrescente para os desfiles mais antecipados da estação. Começa-se pelo princípio, como sempre, em Nova Iorque. Ainda que em anos recentes a Semana de Moda americana tenha adquirido uma reputação de ser um pouco aborrecida (por vezes injustamente, outras justificadamente), esta estação Nova Iorque provou-se bem mais entusiasmante do que o costume.
Existe uma migração expectável quando uma marca de luxo atinge um certo nível de sucesso, mudando-se para Milão ou Paris. Nesta estação, a ausência mais notável foi Peter Do que, pela primeira vez, apresentará a sua coleção primavera/verão 2024 na cidade-luz. Mas ainda que a sua marca homónima se tenha ausentado, o designer esteve presente através da sua antecipada estreia na Helmut Lang. A marca americana tornou-se extremamente popular na década 90 pela sua abordagem minimalista que, em comparação com o excesso dos anos 80, era refrescante. Mas, desde que Lang se afastou da marca, esta ainda não se conseguiu estabelecer no circo da indústria. A notícia que Peter Do seria o próximo diretor criativo foi recebida com entusiasmo, já que em anos recentes o designer americano-vietnamita se revelou um dos prodígios do meio. Escusado será dizer que as expectativas eram altas para a sua estreia na Helmut Lang.
O desfile foi uma espécie de performance, uma ode à cultura de Nova Iorque, à forma como os seus habitantes se movimentam. As modelos percorreram o espaço numa espécie de caos organizado, semelhante à forma como nos movimentamos na rua, evitando magicamente o contacto físico. Referências ao design de Lang marcaram a coleção: do color blocking colorido (diferente dos tons neutros que marcam as coleções de Do) à colaboração com o poeta Ocean Vuong (que são como um reflexo da colaboração de Lang com Jenny Holzer), o designer americano apostou em remeter para os momentos icónicos da marca. Ignorando um certo favoritismo por Do, a coleção ficou um pouco aquém das (talvez irrealistas) expectativas que se encontravam nos ombros do jovem criador. Os símbolos de Helmut Lang, que se desenvolveram ao longo de décadas, foram condensados numa só coleção. Adicionalmente, estas referências encontram-se segregadas dos elementos que caracterizam a estética de Do, presentes em vestidos que abraçavam o corpo em tons escuros. Mas, ainda assim, foi um bom começo. Tal como no teatro, quando se trata de expressão na Moda, é preferível editar o que se tem a mais, do que criar o que se tem a menos. É entusiasmante pensar como Do desenvolverá esta sua nova linguagem estética.
O renascimento de Helmut Lang não foi o único retorno ao calendário da Semana de Moda de Nova Iorque, já que também Ralph Lauren aproveitou para celebrar seu regresso. Desde 2019 que a marca americana se ausenta do calendário oficial, optando por desfiles fora da estação, em Los Angeles. É bom ver um dos designers que durante décadas definiu Moda americana de volta à semana mais importante da mesma. Os clássicos da marca não faltaram, mas desta vez em versões ligeiramente modernizadas. A ganga, um dos símbolos da Ralph Lauren, foi adornada com padrões delicados, alcançados através de acid wash estrategicamente desenhada. Uma saia de ganga maxi destacava-se pela complexidade dos seus detalhes. As referências western foram muitas, mas as mais bem-sucedidas foram aquelas que utilizaram a estética como inspiração. Diferentes vestidos monocromáticos foram complementados com fringe, aludindo à história da marca, mas preservando uma elegância discreta.
As celebrações não se ficaram pelos regressos, houve também um aniversário. A Coach marcou o seu décimo aniversário com Stuart Vevers como diretor criativo da sua linha de pronto-a-vestir. A sua coleção de roupa sempre foi, ironicamente, uma espécie de acessório da sua linha de produtos mais bem-sucedida: os seus acessórios. Mas, devido a este facto, as suas coleções têm sempre uma leveza divertida, desta vez manifestada em longos vestidos de malha transparente. Como se trata da Coach, a pele não podia faltar. Vestidos, tanto mini como maxi, de pele em diferentes cores foram um dos destaques da coleção. O material, ainda que uma das imagens da marca, foi também a razão para um dos episódios mais memoráveis da semana, quando uma protestante foi arrastada para fora da passerelle com um cartaz onde se lia “Coach: Leather Kills.”
Esta não foi, no entanto, o único momento controverso da semana. Elena Velez já fazia parte de um escândalo antes de apresentar a sua coleção. A jovem designer americana tem sido bastante aberta sobre as dificuldades que tem enfrentado na indústria da Moda, expondo os desafios económicos com que tem lidado. Ainda que, a princípio, a maioria tenha agradecido a abertura de Velez, as correntes mudaram quando esta anunciou no seu Twitter (agora X) que não iria pagar às modelos que contrataria para os seus desfiles, “pagando-lhes” com a “publicidade” que o trabalho lhes traria. Escusado será dizer que esta notícia não foi bem-recebida. A criadora foi acusada de hipocrisia, responsável por recriar os pecados da indústria que denunciava. A coleção que apresentou não divergiu da sua estética, destacando-se pelo elemento de performance, com as modelos a lutar num ringue de lama. Quem sabe, talvez uma analogia à forma como Velez vê a Moda.
Se a metáfora de Velez foi abstrata, a apresentação da coleção de Collina Strada foi bastante direta. Em entrevista à Vogue americana dias antes do desfile, Hillary Taymour, a diretora criativa da marca, constatou: “Everything sucks. We’re all doomed. The world’s on fire, but we’re doing a fashion show because that’s what we know how to do” (Tudo é horrível. Estamos todos condenados. O mundo está a arder, mas estamos a organizar um desfile de Moda porque é isso que sabemos fazer). O sentimento apocalíptico foi transmitido nas caras das modelos que, enquanto desfilavam, sorriam de forma sinistra. Um comentário à forma como a indústria está a lidar (ou evitar lidar) com a crise climática. A marca é conhecida pelos seus desfiles performativos, mas, para a sua coleção primavera/verão 2024, Taymour utilizou o design como forma de enaltecer a mensagem do desfile. A coleção foi criada através de um algoritmo que foi alimentado com todas as coleções passadas da marca, encarregado de criar algo novo. A partir das sugestões deste, a equipa de Taymour editou as sugestões dadas. A coleção é, por isso, repleta de referências à marca com um twist apocalíptico.
Collina Strada
Outros destaques da semana foram as coleções de Dion Lee, Area e LaQuan Smith, nomes que já se tornaram clássicos da Moda americana. A primeira, conhecida pela sensualidade, focou-se em workwear. LaQuan Smith, conhecido por destacar a estética afro-americana, trouxe um glamour elétrico para a passerelle. Vestidos metálicos e trench coats em tons de azul conferiram um je ne sais quoi retro futurista. Area, a marca conhecida pelos seus adornos brilhantes, explorou a conexão entre luxo e o uso de produtos animais. Padrões de pelo animal com texturas recriam o efeito de ostentosos casacos de vison. Quer seja pelos seus designers, quer seja pelos seus escândalos, a Semana de Moda de Nova Iorque não desiludiu, mas o fashion month acabou de começar. Próxima paragem? Londres.
LaQuan Smith
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