Rotterdam Ahoy, Roterdão, 1992. Fotografia: Mark Allan
Entre memórias, Lang desvenda os seus tempos de colaboração com Prince e recorda o processo criativo conjunto, os elementos inegociáveis no guarda-roupa e, sobretudo, a marca indelével que o músico deixou no mundo.
“Os sinais que assinalavam a chegada diária de Prince despertavam os meus sentidos e preparavam-me para o festim visual que estava para vir. Todos os dias, Prince estava impecável. [...] Absorvia todo este encanto visual e deixava-o fluir através de mim enquanto desenhava os meus sketches.” É assim que Stacia Lang, figurinista exclusiva do ícone pop durante as eras Diamonds and Pearls e Love Symbol, descreve a presença incontornável do artista.
Em Prince: Icon, o novo livro publicado pela ACC Art Books que captura o legado do músico em imagens e testemunhos únicos e cândidos, Stacia Lang revela os encantos de trabalhar com um dos nomes mais impactantes, míticos e prestigiados de todos os tempos. Inspirados pelo lançamento da nova edição da Vogue Portugal, The Icons Issue - que conta com um editorial de Moda em tributo ao artista -, conversámos com a costume designer sobre a “experiência sensorial deslumbrante” que foi trabalhar com o cantor.
Morton’s Los Angeles, Califórnia, 1994
Dafydd Jones
No livro, menciona que Prince “era uma potência que nos levava aos limites das nossas capacidades, pedindo-nos que não déssemos mais do que aquilo que ele dava de si próprio - o melhor”. Como foi a sua experiência em Paisley Park e o trabalho com todos estes criativos?
O Paisley Park era tão único como o próprio Prince. Paisley era uma instalação criativa única e polivalente, onde Prince podia trabalhar com artistas e artesãos de várias disciplinas para dar vida às suas visões musicais e artísticas. Havia estúdios de música que eram alugados por artistas musicais de alto nível, um enorme palco sonoro onde eram gravados filmes e uma sala de trabalho de guarda-roupa com imenso staff. Tudo era possível, e esse entusiasmo era partilhado por todos os que lá trabalhavam, criando uma atmosfera de intensa expressão artística. Mesmo quando celebridades e estrelas da música iam ao departamento de guarda-roupa, ficavam maravilhadas. Ninguém tinha uma equipa de guarda-roupa tão grande a trabalhar exclusivamente para eles, exceto Prince.
Como era o seu processo criativo quando desenhava os figurinos de Prince?
Transmitia as minhas ideias a Prince através de esboços de fatos em guache e aguarela. Sempre que possível, apresentava uma amostra de tecido juntamente com o esboço para que ele pudesse sentir o tecido. Prince era muito conhecedor de tecidos e apreciava as sedas e as lãs da mais alta qualidade. Não só tinham um ótimo toque na pele, como eram resistentes. Quando apresentava um portefólio de esboços a Prince, também lhe entregava notas adesivas, para que pudesse fazer anotações e dar as suas próprias ideias e comentários sobre cada esboço.
Assim que um esboço era aprovado, encomendávamos imediatamente os tecidos e acessórios, e eu trabalhava em estreita colaboração com o alfaiate-chefe enquanto ele começava a fazer os moldes. O protótipo era feito e aprovado e, por fim, a peça era construída pela fantástica equipa de couture composta por alfaiates e costureiras, sob a direção do alfaiate-chefe e supervisor da sala de trabalho.
Depois de concluída, a peça de vestuário era normalmente levada para sua casa para ser provada.
Existiam temas ou inspirações específicas que ambos queriam incluir recorrentemente no guarda-roupa?
Como se sabe, Prince era um camaleão e mudava de visual com o lançamento de quase todos álbuns. Esta foi uma progressão natural do seu crescimento como artista. Ao longo da nossa colaboração, surgiram alguns temas chave em termos de cor e estilo - ele pediu esboços num esquema de cores a preto e branco para si e para a banda, e eu também incorporei a sua nova cor favorita - amarelo citrino - no guarda-roupa. Na altura, ele estava fascinado com os filmes Barbarella e O Padrinho III, por isso pediu-me para os ver e combinar elementos dos estilos para um visual futurista à medida. Esse tornou-se o seu visual Gangster Glam. Ocasionalmente, Prince também me pedia para desenhar peças de vestuário específicas, como camisas ou casacos. Para além dos seus pedidos, inspirava-me sempre em novos tecidos, na sua nova música e, claro, no próprio Prince. Bastava que passasse por mim e eu tinha uma nova ideia para ele. Ele era assim, tão interessante, tão inspirador para mim.
Wembley, Londres, Reino Unido, 1995
Mark Allan
Havia algo que não fosse negociável em termos de figurinos, tanto para si como para o Prince?
Havia muitas coisas não negociáveis, ditas e não ditas. Quando comecei a desenhar para Prince, o seu desejo de usar saltos altos estava bem estabelecido. Ninguém tinha de me dizer para não o calçar com sapatos rasos. Ninguém tinha de me dizer para não lhe desenhar roupas largas. Pude ver nas suas escolhas que preferia uma cintura de vespa minúscula e roupas que realçassem o corpo para mostrar o seu físico incrivelmente em forma. Outras vezes, dizia-me que não gostava de algo - por exemplo, certas combinações de cores. Também manifestava sempre o desejo de ter ombros largos. Estávamos constantemente a colocar ombreiras em tudo - até em camisolas e tops de tecido aberto!
Quais são os seus looks favoritos que criou para Prince? Pode partilhar a história ou o processo por detrás deles?
Alguns dos meus designs favoritos são apresentados na minha introdução no novo livro Prince: Icon!
No Million Button Jacket, o design deste fato foi o resultado do desafio de mash-up que Prince me deu - “Barbarella encontra-se com O Padrinho”. O colarinho enrolado e o peplum comprido e seccionado foram o meu aceno ao futurismo, a alfaiataria impecável era totalmente à moda de O Padrinho e os “milhões” de botões [Million Button] foram a minha forma de trazer de volta um pormenor que fazia parte da história da indumentária de Prince desde o início... botões!
Desenho do “Million Button Jacket”, eventualmente fabricado em várias cores, que Prince usou na digressão e no vídeo de Sexy M.F.
Stacia Lang
O fato com colete em preto e branco do vídeo Cream nasceu do primeiro pedido que o Prince me fez: criar uma história a preto e branco como pontapé de saída para um novo visual Diamonds and Pearls. Fiquei muito contente por ele o ter adorado o suficiente para o usar no vídeo Cream e numa participação especial no The Arsenio Hall Show. Este visual de corte simples e à medida, combinado com o seu novo penteado, é um dos meus visuais favoritos que criámos.
O fato de colete preto e branco de Prince usado no vídeo Cream e também no The Arsenio Show
Stacia Lang
Existe algum facto pouco conhecido sobre o guarda-roupa de Prince e a sua criação que possa surpreender os leitores?
Quando se tratava das suas roupas, Prince tinha muito para contribuir em termos de ideias e opiniões, mas surpreendentemente, estava recetivo a muitas ideias novas e confiava imenso no seu departamento de guarda-roupa em geral. Ele não nos dominava. Deixava-nos fazer o nosso trabalho.
A arte de Prince mudou o mundo e o seu trabalho também faz parte disso. Como foi ver a sua influência crescer ao longo do tempo e testemunhar os visuais criados por si tornarem-se icónicos na cultura pop e a influenciarem o mundo?
Ao mesmo tempo que me sinto orgulhosa e entusiasmada pelo facto de algumas das minhas criações para Prince se terem tornado ícones, sei que foi preciso que Prince as vestisse para lhes dar vida como nenhuma outra pessoa o poderia fazer. E foi preciso que cada um dos membros da equipa de guarda-roupa as tornasse realidade, desde os compradores ao tintureiro, aos alfaiates e costureiras; todas as pessoas foram fundamentais para o processo.
Que reflexões faz deste período?
Não há palavras para expressar o profundo impacto que Prince teve na minha vida e carreira. Trabalhar com este génio incrível fez-me começar a compreender as complexidades de um artista em todos os seus estados de espírito e momentos de inspiração ou frustração. Nenhum trabalho verdadeiramente extraordinário surge sem luta e, nos anos que se seguiram à minha convivência com Prince, pude ter compaixão por aqueles que tentam criar algo inteiramente novo e inédito.
Outra coisa que aprendi com Prince foi a abraçar cada momento do processo criativo... Cada momento é uma experiência autónoma que nunca mais se repetirá.
Palco sonoro de Paisley Park, 2000. A guitarra do músico representava o tão famoso Love Symbol
Steve Parke
Tem alguma história desse período que gostasse de partilhar com os nossos leitores?
Desde a morte de Prince, conheci muitas pessoas de todo o mundo cujas vidas foram tocadas por si. Tenho visto o icónico Love Symbol de Prince em todo o lado. Uma tatuagem, uma camisa roxa, um autocolante num carro ou qualquer outro sinal de que Prince ainda está perto e faz parte da experiência quotidiana das pessoas. Até tenho um amigo que, um dia, fez a barba para revelar uma formidável tatuagem do Love Symbol perto da bochecha, que tinha estado escondida. Este fenómeno é uma prova do efeito duradouro de Prince na nossa cultura.
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