Com a chegada da edição de Fevereiro de 2019 da Vogue às bancas, tem a palavra Sofia Lucas, diretora.
@Cameron Postforoosh
“Não há maior ego do que o daquele que se julga acima dos outros por ter domado o ego. Ao dominar o ego, ao buscar a transcendência e negar o mundo, comete-se o maior EGO de todos: achar que não tem ego, e que está além do mundo em que vive.” Osho
O ego faz parte da vida de cada um de nós e não é forçosamente um defeito, apenas uma característica do ser humano, cuja consciência e aceitação estará sempre ligada ao poder construtivo ou destrutivo que o ego pode ter.
Enquanto pensava na expressão que melhor espelhasse, na capa, o tema desta edição, surgiu-me a palavra Egosystem, numa adaptação do conceito de Ecossistema. Achei, ainda que por uns segundos, que talvez tivesse criado uma nova palavra, mas bastou uma pesquisa rápida no Google para que o meu ego se acalmasse, ao perceber que o conceito já estava, não só inventado, mas descrito e debatido em diversos fóruns.
Mas, muito mais do que o título, importa a reflexão à volta do tema do ego, e à volta dos nossos próprios egos, a que dedicamos esta edição da Vogue, sobretudo porque a Moda é uma indústria criada, em parte, pelo ego e orientada para o ego também. Se fosse possível fazer um scanner completo, todo o mundo da Moda – dos designers e as suas histórias para contar, passando pelos modelos e musas, cujos egos são constantemente emoldurados em close‑ups, até aos consumidores de Moda, todos nós, e à forma como nos vestimos e consumimos Moda – não deixa de ser uma afirmação e um reflexo dos nossos egos, independentemente da forma, mais ou menos, egocêntrica, com que nos relacionamos connosco. O ego fará sempre parte do mundo da Moda, mas como em todos os recantos da vida, só há que o ponderar.
Se o ego pessoal já possui um forte elemento de disfunção, o ego coletivo é, com frequência, ainda mais disfuncional, ao ponto da insanidade absoluta.
Quando as pessoas são dominadas pelo ego, não há nada mais nas suas mentes a não ser o ego, deixam de sentir, ou de sentir a sua própria humanidade – o que se compartilha com outros seres humanos, ou mesmo com outras formas de vida no planeta. Tornam-se tão identificadas com conceitos ao ponto de os outros seres humanos se tornarem conceitos também.
As redes sociais podem ser o coração do um ecossistema em evolução, no mundo da Web, tão poderoso que inevitavelmente transcende as fronteiras do mundo virtual. As redes sociais trouxeram uma noção de popularidade que se confunde com influência, mas o Egossistema, e todos os que o definem alimentam isso, o que não pode estar mais longe da realidade. A verdadeira promessa das redes sociais é revelada, não no número de followers, ou até de likes mecânicos, mas naquilo em que uma ideia, mensagem ou conceito influenciam de facto alguém. E aí sim, o que acontece nos social media pode influenciar o comportamento offline. Se a atividade social pode causar ação, mudar ou impactar o sentimento ou a perceção, começamos a entender os atributos transformadores e poderosos da verdadeira influência. Se observarmos um grupo de pessoas, tipicamente populares nas redes sociais pela sua fama e não necessariamente pelos seus tópicos recorrentes, paixão e interesses, o alcance amplo é certamente um benefício inerente da aliança. Caso contrário, o alcance será apenas ruído vazio, que não cria nenhum tipo de ligação a ninguém e não gera nenhum tipo de influência. Felizmente a verdadeira noção de audiência está a mudar, e indivíduos e marcas começam a perceber que os verdadeiros grupos de interesse não são medidos em números, mas pelas afinidades e ideologias em comum. Como as relações na vida real, temos e mantemos os relacionamentos que escolhemos, que queremos e merecemos. E os nichos de influência, os reais, podem ser muito mais poderosos do que os blockbusters de likes e seguidores. E quando esta perceção não for de nicho, muitos egos entenderão que os 15 minutos de fama não só já passaram como ficaram diluídos numa egotrip sem destino e vazia de significado.
O ego é poderoso, a força motriz da criatividade e das ações mais grandiosas, para o melhor como para o pior, mas se o seu poder pudesse servir um bem maior, seria o mundo ideal.
Porque o ego pode levar-nos longe, mas deixar-nos lá.... sozinhos.
Editorial originalmente publicado na edição de fevereiro de 2019 da Vogue Portugal.