Moda   Project Union  

O futuro da Moda Nacional | 560 é o novo 1... 2... 3...

10 Jun 2020
By Sara Andrade

…começar outra vez. E conseguir recomeçar pós-COVID-19 será, por si, uma vitória.

…começar outra vez. E conseguir recomeçar pós-COVID-19 será, por si, uma vitória. Entre os números crescentes de afetados pelo novo coronavírus, muito além de uma contabilidade de infeção e mortalidade, estão também as empresas do setor de Moda nacional que lutam para se manterem competitivas numa altura de incertezas. Recomeçar, ou melhor, reinventar, é um dos caminhos. Mas a superação não se faz a solo – faz-se com a ajuda dos colegas de profissão, mas também do público. Para que a Moda que se cose a prefixos 351 não seja um 31 em 2020 e mais além. 

Milão, fevereiro último. A semana de Moda Milanesa acontece de forma intermitente, sob a égide de um vírus que assola Itália e que tomaria lugar de primeira fila nas nossas vidas - ou tomámos nós a front row do desenrolar de uma pandemia que está a deixar a sua marca em todas as marcas de Moda, nacionais e internacionais. Milão, fevereiro último. A semana de Moda Milanesa acontece de forma intermitente, com desfiles que ora se anunciam à porta fechada, ora são cancelados. A informação sobre o estado das apresentações preparadas com meses de antecedência e que significam investimento em materiais, criatividade, recursos humanos, deslocações e marketing muda de hora a hora, sempre sob a égide de uma notícia com laivos agravantes para os designers que veem agora o trabalho de um semestre ser interrompido sem aviso prévio. Milão, fevereiro último. A semana de Moda Milanesa já quase não acontece, nem sequer de forma intermitente, ao ver desaparecer do seu calendário nomes agendados da indústria da Moda de autor, entre eles também os nossos, como Alexandra Moura, que apresentaria o seu inverno 2020 naquela cidade e que viu o desfile cancelado. Por cá, a situação repete-se um par de semanas depois quando, no Porto, a plataforma Portugal Fashion se vê obrigada a atualizações diárias sobre o desenrolar do evento: as restrições do público ao estritamente necessário e as promessas de um evento à porta fechada e com as devidas condições de segurança não são suficientes para impedir o seu cancelamento ao segundo dia de apresentações. Luís Onofre foi um dos criadores afetados: “A obrigação de uma paragem tão repentina teve um impacto negativo generalizado em todas as áreas da marca. Ao nível da produção, as encomendas de clientes foram canceladas ou suspensas. Sem canais de venda físicos, manter a produção seria um risco, face à incógnita da retoma. Ao ficarmos restringidos às vendas online (importantes, mas ainda residuais se compararmos com as vendas totais das estações anteriores), a comunicação reforçou-se no digital. Mas mesmo aí temos falta de conteúdos, que agora não podemos produzir como habitualmente”, conta à Vogue o designer de acessórios e Presidente da APICCAPS (Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos). Luis Buchinho, apesar de ter conseguido apresentar a sua estação fria numa ModaLisboa, que, dias antes, escapou à quarentena (in)voluntária, corrobora: “Aconteceu justamente numa época de transição. […] Deixou vendas incompletas de uma estação, deixou uma parte significativa da mercadoria de verão'20 por entregar, e significou a minha loja física parada. Eu acho que o efeito mais grave desta pandemia ainda vai acontecer."

“Ter sido tão abrupta e implicar mudanças diárias para as quais ninguém tem respostas. Há um enorme efeito surpresa associado. Não existem fórmulas exatas e de aplicação imediata. Não houve a possibilidade de prevenir ou minimizar impacto. Fechar uma empresa, mesmo em lay-off, acarreta perdas consideráveis porque os encargos são altos e não há rentabilidade. Temos margem de segurança, mas ela não é infinita.” - Luis Onofre

Mas há outros que já se fazem sentir, como confirma a designer de jóias Juliana Bezerra, que viu uma “queda das vendas, resultado do encerramento da nossa loja física em Lisboa. Também a produção foi afetada, porque todo o processo é mais lento, uma vez que todos os trabalhadores e colaboradores da marca estão em isolamento. Alguns dos nossos fornecedores fecharam portas e outros estão a trabalhar a 50%, o que vem mudar drasticamente a forma como estávamos habituados a coordenar o nosso próprio trabalho”, explica, acrescentando que a paragem da produção nas fábricas “na verdade, afeta bastante a nossa produção, ainda que esta seja feita internamente, no nosso atelier. Até agora conseguimos contornar este problema através dos nossos stocks de peças e materiais, mas a produção da nova coleção está atrasada e as colaborações que estavam pensadas e programadas também ficaram em standby.” Uma das piores consequências da pandemia, como aponta Luís Onofre, é o seu fator surpresa, o “ter sido tão abrupta e implicar mudanças diárias para as quais ninguém tem respostas. Há um enorme efeito surpresa associado. Não existem fórmulas exatas e de aplicação imediata. Não houve a possibilidade de prevenir ou minimizar impacto. Fechar uma empresa, mesmo em lay-off, acarreta perdas consideráveis porque os encargos são altos e não há rentabilidade. Temos margem de segurança, mas ela não é infinita.” Nuno Baltazar, tal como a dezena de nomes da Moda nacional que a Vogue entrevistou e que servem de voz a cem vezes mais marcas, encontra-se no mesmo barco: “Claramente a incerteza de [não saber] durante quanto tempo será necessário o distanciamento social será o que mais nos afetará. Sem as habituais ocasiões festivas, a procura de Moda de autor terá uma grande quebra e para a nossa marca será certamente um duro golpe com consequências comprometedoras”, teme o criador com marca homónima. “Se considerarmos um cenário otimista,” analisa Alfredo Orobio, co-fundador da marca Awaytomars, “tomando como exemplo o modelo chinês que depois de três meses teve a curva de contaminações controlada o que permitiu abrir fábricas e comércio, acredito que os impactos podem ser mais palpáveis e fáceis de administrar. Agora, num cenário mais a longo prazo, numa perspetiva de três-seis meses, acho complicado as marcas conseguirem sobreviver sem nenhum tipo de fluxo de caixa.” Porque as estruturas de design nacionais vivem dos dividendos angariados estação após estação, coleções paradas significam interrupção de entrada de lucro a curto prazo, mas com prejuízos muito mais aterrorizantes a médio e longo prazo. Sem capacidade de subsistência pela ausência de vendas e pagamento de faturas, uma próxima coleção pode ser inexistente - ou pior, a própria marca pode sucumbir. “O meu problema”, sublinha Buchinho, “é que a minha marca subsiste sazonalmente. Não tenho um capital de risco que me possa aguentar durante um ano sem ela estar a vender. A marca ou vende sazonalmente ou acaba, é muito simples. Eu não sei se daqui a duas estações, ainda estou a vender roupa. A probabilidade de isso não acontecer é gigantesca.“

Mesmo que se regresse ao mercado mais ou menos incólume, não se sabe muito bem se ele estará preparado para voltar aos hábitos de consumo anteriores, como aponta o criador Hugo Costa: “O que realmente me preocupa é em que estado ficará a nossa economia e de que forma vai condicionar o consumo. O poder de compra em Portugal já é muito débil e uma crise destas que vai muito além de uma crise financeira, vai provocar muitas dificuldades. Espero que sirva para despertar os consumidores para o produto nacional.” “O mais preocupante nesta situação é a incapacidade de previsão para a reativação do negócio”, acrescenta a Parfois, porque também o retalho sente o golpe. “Não podemos avançar com nenhum número exato mas não temos dúvidas que o tráfego nas lojas será inferior e que, como tal, vamos enfrentar uma recessão económica sem precedentes que vai afetar o consumo no geral.” Paulo Gonçalves, Marketing & Communications Manager da APICCAPS, consegue já contabilizar o potencial volume de perdas no setor do calçado: “O primeiro impacto, e imediato, é a quebra do consumo, que estimamos que seja de 22,5% este ano. Ou seja, serão comercializados menos 5.100 milhões de pares de calçado em todo, apenas este ano. É verdadeiramente terrível. Há, seguramente, muitas empresas, em especial PME, que não vão resistir a este período. Empresas com muita história, muito potencial, responsáveis por muitos postos de trabalho que, por uma razão ou outra, vão sucumbir. E é pena. Mas também há uma mensagem de esperança: temos no nosso universo marcas com 70 e 80 anos. Marcas que resistiram a uma Grande Guerra. Também vão conseguir superar esta fase terrível.” As visões fatalistas são largamente equilibradas por laivos de otimismo e aposta na batalha. O que quer que aconteça, ninguém irá ao chão sem dar luta, acreditando que, na incerteza, há espaço para esperar o melhor (dentro do pior): “Antes de falar sobre o impacto do contexto COVID-19 é importante lembrar que o setor da joalharia portuguesa vinha a registar um dos melhores momentos da sua história”, sublinha Nuno Marinho, presidente da AORP (Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal). “Como resultado da forte aposta na sua modernização e internacionalização, as exportações subiram de 20 para 100 milhões de euros. O que nos leva a concluir duas coisas: que o setor vê a sua trajetória de crescimento e aspirações congeladas, mas que, pelo lado positivo, nunca esteve tão bem preparado para enfrentar a crise como agora. E baseio este otimismo na forma como as empresas se capacitaram, diversificaram os seus negócios e mercados e sobretudo canais de comunicação, tendo no e-commerce um potencial aliado para colmatar a fragilidade do comércio tradicional.” “Todos os indicadores que possuíamos levavam-nos a concluir que 2020 seria um ano de afirmação do calçado português nos mercados externos. Agora é tempo de nos reerguermos e de nos reinventarmos.”, confirma Paulo Gonçalves.

"Há, seguramente, muitas empresas, em especial PME, que não vão resistir a este período. Empresas com muita história, muito potencial, responsáveis por muitos postos de trabalho que, por uma razão ou outra, vão sucumbir. E é pena. Mas também há uma mensagem de esperança: temos no nosso universo marcas com 70 e 80 anos. Marcas que resistiram a uma Grande Guerra. Também vão conseguir superar esta fase terrível.” - Paulo Gonçalves

Reinventar parece ser a palavra de ordem para ultrapassar tempos vindouros. Um verbo que, mais do que pensar fora da caixa, é pensar em formas de adaptação a uma conjuntura que não tem precedentes e, consequentemente, falha em oferecer soluções validadas. Marinho, da AORP, adianta que, qualquer que seja a direção da curva económica, “aplicar-se-á a teoria de evolução de Darwin: a sobrevivência não dos mais fortes ou dos mais inteligentes, mas do que se souberem adaptar. É inegável que o mundo vai mudar, porque o seu impacto social é enorme. O consumidor não é só afetado a nível financeiro, mas sobretudo a nível social e psicológico, alterando – de forma muito significativa – o seu padrão de consumo, necessidades, expectativas e relação com as marcas. E portanto, mais do que nunca, não se trata de ganhar espaço face à concorrência, mas ganhar espaço na mente – e diria mais – no coração do nosso consumidor (relação racional vs emocional).” E isso passa por fazer o melhor de uma situação que não foi prevista. “O foco não deve ser no problema, mas na nossa flexibilidade e capacidade de adaptação à mudança. E as empresas serão tão mais fortes quanto se souberem adaptar e, com isso, evoluir”, continua o presidente da Associação. “A criatividade foi, sem dúvida, uma das skills mais desenvolvidas durante a quarentena. As marcas tiveram tempo para pensar, criar, experimentar, testar e gerar parcerias. […] Há sempre algo de muito estimulante nestes períodos, que é a capacidade de reinvenção.” A aposta no online e nas versões digitais de lojas foi potenciada pela conjuntura: quem já a tinha, afinou; quem não tinha, sentiu a necessidade premente de instituí-la rapidamente. “A estratégia que tínhamos definida para a marca no início de 2020 está a sofrer algumas alterações durante este mês, de forma a adaptar-se a esta situação (algo) imprevista. Como exemplo, a aposta no online intensificou-se e estou a trabalhar em coleções-cápsula de tecidos para diferentes propósitos: interiores, máscaras, vestuário…”, confessa a designer Constança Entrudo, acrescentando que a situação a obrigou a olhar o seu trabalho de maneira diferente. Luís Onofre corrobora: “Lidar com um problema, com esta dimensão, é um desafio em si mesmo e pode ser também a oportunidade de nos reinventarmos. Surgem novas ideias e uma maior capacidade de adaptação de produtos e estratégias. Para mim, a ideia chave é dar mais acesso ao consumidor. Estar mais próximo das suas necessidades”.

 “O foco não deve ser no problema, mas na nossa flexibilidade e capacidade de adaptação à mudança. E as empresas serão tão mais fortes quanto se souberem adaptar e, com isso, evoluir.” - Nuno Marinho 

Mais do que ser usado para comunicar produto, o digital está a ser usado para comunicar, ponto. Acima de tudo, com o cliente, confirma Orobio: “O importante para as marcas agora é não se capitalizar na crise, mas valorizar o que a crise tem mostrado importante. As relações entre pessoas e comunidades, o senso de coletividade e ajuda ao próximo. Marcas que se conseguirem conectar com o seu consumidor desta maneira serão lembradas quando a máquina começar a funcionar.” Hugo Costa confirma: “As pessoas reinventaram formas de aproximação, de comunicação. Sinto que, apesar de distantes, as pessoas estão mais próximas umas das outras.” Entrudo concorda: “[…] Tenho publicado nas redes sociais este processo [de pesquisa durante a quarentena]. O resultado tem sido interessante, pois sinto que tem havido uma grande aproximação das pessoas à marca e, consequentemente, as vendas têm vindo a aumentar. É só mais um sinal de que a moda precisa de tempo e de um profundo slow down.” Não é a única a senti-lo. “É fundamental reforçar a proximidade com os clientes da marca”, garante Nuno Baltazar. “Essa será uma das vantagens de vivermos num país pequeno, de sermos projetos pequenos, é possível conhecer os nossos clientes de forma mais pessoal. […] Apesar das diferenças temporais e de contextos, historicamente os períodos pós-guerra sempre foram momentos de efervescência, criativos e de grandes transformações na história da moda. […] Temos consciência que, durante um grande período, se não de forma definitiva, os hábitos de consumo vão mudar e essa será a nossa forma de assumir enfrentar este desafio", acrescentando que “o desenvolvimento de Moda de autor faz muito mais sentido como projeto de slow fashion.”

Nesta conversa alargada com diferentes profissionais da indústria, o tema dos ritmos e do upcycling como forma de ultrapassar os tempos vindouros foi um assunto popular e consensual. “Acho que mais importante do que os impactos na marca, que serão claros, temos de olhar para as consequências na indústria, no comportamento de consumo, nos modelos de produção, planeamento, logística etc. Estamos diante de um momento onde o impacto será tão grande que estimulará uma revolução na indústria como um todo, revolução esta que há muito se falava mas que estava a ser deixada de lado porque o modelo que vivíamos ainda funcionava. Queríamos uma indústria mais sustentável, mas o modelo do fast-fashion ainda funcionava muito bem para o consumidor. Queríamos uma indústria mais automatizada, mas os salário baixos em países emergentes ainda convinha para as marcas. Para mim, esse é o maior desafio e pode ser que seja a grande oportunidade na nossa indústria de se reinventar.”, adianta Alfredo Orobio. “Foi tempo de repensar alguns negócios”, sublinha Paulo Gonçalves. “No final, acredito que a grande conclusão seja que teremos de ser mais inclusivos, promover um comércio mais justo, livre e equilibrado. No setor do calçado, mais de 85% do calçado é produzido num único continente, a Ásia. Um único país, a China, assegura 65% da produção mundial de calçado. Não é sustentável.” O mindset parece ser unânime. “Acho que o que vai ter que acontecer é que as pessoas vão ter que rentabilizar o que têm dentro de portas, tanto os fornecedores como os clientes, e isto eventualmente poderá passar por não produzir muita coisa, nos próximos tempos - ou praticamente nada”, Luís Buchinho lança o mote. “Haver uma rentabilização das coisas que estão paradas, porque elas não são propriamente lixo, são simplesmente roupas que pertenciam a um ritmo de coleções que se calhar agora, pelo menos nesta fase e por um bom par de estações, vai ter que ser feito de um modo completamente diferente daquilo a que estávamos habituados. Acho que esse é que vai ser o grande paradigma.” Constança Entrudo alinha na mesma ideia: “Acredito que uma das consequências desta situação será a elevação dos valores em torno da sustentabilidade, e a cultura materialista será ainda mais questionada assim como o excesso de consumo e as práticas comerciais e de produção irresponsáveis. Acredito que isto possa vir a ser uma oportunidade para as marcas pequenas se evidenciarem e as grandes se reinventarem.” Luis Onofre também está de acordo: “Temos de ser mais pragmáticos e ir ao encontro de uma lógica de consumo mais essencial e sustentável, mesmo no mercado de luxo. Reforçar a tónica na emoção do cliente que descobre uma coleção no momento em que a compra. […] Na Moda, vivemos um frenesim frenético que é esgotante e que precisa de ser reorientado. As temporadas abrem muito cedo e exigem uma constante renovação de coleções e lançamentos intermédios. Temos de ser mais concisos. […] Quer queiramos quer não, a emoção perde-se ao longo dos seis meses e neste momento precisamos de agarrar o consumidor.” Buchinho vai mais longe: “O mundo tinha tanta oferta, que estava a desvalorizar completamente a [Moda]. Passou a ser uma coisa banal. E a Moda não é banal. […] A Moda tem que voltar a ser especial, porque a moda deixou de ser especial. E passou a ser rápida, e a Moda não tem de ser rápida. Nós não somos rápidos.”

 “Acredito que uma das consequências desta situação será a elevação dos valores em torno da sustentabilidade, e a cultura materialista será ainda mais questionada assim como o excesso de consumo e as práticas comerciais e de produção irresponsáveis. Acredito que isto possa vir a ser uma oportunidade para as marcas pequenas se evidenciarem e as grandes se reinventarem.” - Constança Entrudo

Também não são de ficar de braços cruzados. Se há algo positivo nesta crise, é ter renovado, estabelecido ou fomentado o espírito de equipa, mas não só: “Umas das curiosidades a que assisti nas últimas semanas foi um reforço da capacidade de entrega e de entreajuda inter-pares. Vi empresários, outrora concorrentes, a colaborarem de forma próxima e articulada. Este exercício terá, agora,‹ de ser perpetuado no tempo. O Governo tem procurado ser solução. O conjunto de medidas apresentadas é, no geral, bastante interessante, ainda que porventura insuficiente. Segundo o FMI, esta será a pior recessão desde a Grande Depressão, nos anos 30 do século passado. Ao nível do consumo, considerando que a situação atual não é de todo sustentável, porque cria desequilíbrios, acredito que as escolhas devem ser mais consistentes. O apoio à produção local – e local aqui entenda-se a Europa – é não só desejável, como imprescindível para contribuir para o mundo mais justo, solidário e inclusivo.‹Que este período negro sirva, também, para despertar consciências”, deseja Gonçalves da APICCAPS. O Governo é, então, vital para a recuperação? Há um sim generalizado, mas não aceite como uma responsabilidade inteiramente do Governo. A recuperação da Moda nacional passa pelo apoio transversal aos diversos setores económicos, mas não se esgota aqui: passa também pelo consumo maior da parte do público pelo que é nacional e também por renovar o sentido de comunidade, mas também, de Moda nacional, enquanto design e mercado: “Acredito que o Estado tem um papel fundamental no auxílio emergencial não só para as empresas mas para os cidadãos. É essencial que consigamos, principalmente, deixar aceso o desejo e poder de compra dos consumidores, para que depois possamos focar em ações de consumo nacional e local. Ninguém vai consumir nada se não tem dinheiro ou se existe o medo da incerteza do futuro. Estamos a falar de itens de consumo emocional e precisamos que o Estado aja de forma consistente para que o lado emocional não seja abalado por muito tempo.”, defende Orobio, acrescentando que “a Moda é certamente uma indústria de relevância em Portugal, e tem se tornado cada vez mais importante parte do PIB - precisamos sim de um trabalho de valorização e incentivo fiscal mais sustentável e menos volátil, mais do que um selo, precisamos de um […] planeamento estratégico da indústria como um todo que possa ser implementado de forma consistente e que não seja impactado pelas mudanças de ideologia governamental.”‹

Mas a solução não passa apenas pelo foro governamental: “A união e a criação de um sentido de coletivo no mundo da Moda nacional é essencial à recuperação dos setores. Além disso, estamos mais do que nunca alinhados na estratégia e na mensagem do que é a produção nacional e a sua diferenciação a nível internacional”, garante Marinho, advogando que o “caminho da Moda Nacional enquanto setor unido já vinha a ser percorrido e se hዠum‹ silver lining numa crise é a capacidade de acelerar mudanças.” Então, numa palavra, passaremos esta crise através da união? “Acredito que da parte das associações haja essa vontade e intenção muito clara de criar sinergias entre setores, como uma‹ espécie de ecossistema em que as forças se unem para gerar equilíbrio. Quanto mais denso e coeso, mais forte e imune.” remata Nuno. Se isso acontecer, dá resposta à preocupação de Gonçalves, da APICCAPS, que opina que “andamos [marcas de Moda nacionais] muitas vezes desgarrados. Claro que todos temos as nossas preocupações, os nossos projetos, mas acredito vivamente que nos falta, no essencial, um espírito colaborativo mais vincado. Foram dados passos no passado recente. Na minha opinião, ainda não foram suficientes. Temos procurado, ao longo dos anos, promover uma maior aproximação entre as empresas de calçado e os nossos criadores, por exemplo. Mas esse trabalho fica sempre muito aquém do que seria expectável. O potencial é muito grande, mas por uma qualquer razão de menor relevância acaba por ser desaproveitado. Não deixo de sentir alguma frustração”, desabafa. Talvez seja este o momento do vai ou racha, de fomentar essa união na indústria de Moda, até agora forte na amizade, parca na entreajuda: “É, sem dúvida, uma boa altura para mudar o paradigma,” acredita Nuno Baltazar. “Se isso passa por criar um selo único para a Moda Nacional não sei… Mas é certamente o momento para iniciativas colaborativas. No nosso estúdio estamos a desenvolver um projecto a que chamamos NUNO BALTAZAR Co.LAB*, que pretende alavancar vários desafios de colaboração entre diferentes designers de Moda meus colegas, ilustradores ou outros artistas em projectos multi-disciplinares. Estas iniciativas visam valorizar projectos autorais, desenvolver ferramentas de comunicação conjunta e de partilha. Re-posicionar a Moda de autor no patamar onde deve estar. É tudo um problema de escala. Se não conseguimos ser competitivos com marcas internacionais, partindo de uma enorme desvantagem de capacidade de investimento, é o momento certo para assumirmos que a menor dimensão pode ser um factor diferenciador e não de desvantagem.”

“Acredito que o Estado tem um papel fundamental no auxílio emergencial não só para as empresas mas para os cidadãos. É essencial que consigamos, principalmente, deixar aceso o desejo e poder de compra dos consumidores, para que depois possamos focar em ações de consumo nacional e local. Ninguém vai consumir nada se não tem dinheiro ou se existe o medo da incerteza do futuro. Estamos a falar de itens de consumo emocional e precisamos que o Estado aja de forma consistente para que o lado emocional não seja abalado por muito tempo.” - Alfredo Orobio

Seria então, interessante, criar um selo de Moda nacional? “Não deixamos de ser criativos, individualistas e egoístas”, confessa Hugo Costa. “Incluo-me nesta descrição. A perspetiva tão própria e individual do design de Moda, faz com que haja alguma afastamento criativo. Mas eu adorava colaborar com outros criadores nacionais, numa espécie de cruzamento de ADN de marca. […] Acho que nunca é tarde para defendermos, juntos, as marcas/criadores, e promover junto do consumidor final, parece-me o melhor dos caminhos.” Paulo Gonçalves concorda: “Considero essencial que exista um reforço da ligação entre empresas e criadores. Os criadores têm um talento inato, capaz de gerar diferenciação e riqueza. As empresas têm o capital, dimensão e capacidade de resposta. Que bom que seria se fosse possível chegarem a uma plataforma de entendimento”, remata. “Por princípio, rejeito a ideia de ‘ajuda’ às marcas portuguesas”, desabafa Nuno Baltazar. “Acho um conceito pobrezinho e desajustado. Infelizmente, não temos uma associação de designers que possa, junto dos organismos mais adequados, defender medidas que permitam a sobrevivência das empresas dos designers. Porque somos, na grande maioria, empresários e sócios-gerentes de microempresas, à semelhança de tantas outras no país, mas com características próprias e que requerem medidas adequadas. Lutamos sozinhos e isolados pela sobrevivência das nossas marcas. Trabalhamos no limbo entre o tecido económico e o tecido cultural. Obviamente essa indefinição torna os designers e os seus projetos muito mais vulneráveis num momento de crise. […] Paralelamente a tudo isto e não menos importante, existe um enorme trabalho de cada um dos designers no sentido de valorização do seus projetos, quer na qualidade e diferenciação do que apresentam, quer na forma como comunicam. Se esse trabalho for bem feito e em rede, os portugueses vão entender o enorme valor acrescentado que têm em consumir moda de autores nacionais. Sem paternalismos! Vão valorizar as peças pela sua qualidade, diferenciação e experiência.” Porque a união passa também por aumentar a audiência nacional (e internacional) no que toca a comprar Moda feita em português. “Passa muito pela reeducação do consumo, para uma valorização dos produtos nacionais, e talvez apelarmos a algum associativismo entre marcas e designers nacionais, para nos tornarmos mais dinâmicos e interessantes para o público em geral. Precisamos entender que a maioria da população nacional não conhece mais do que um ou dois designers/marcas nacionais. Isto é uma questão cultural”, defende Hugo Costa. “A questão de comprar produtos portugueses é um assunto que já devia fazer parte do vocabulário do dia a dia dos portugueses, salve quando não existem produtos portugueses no mercado”, confirma Miguel Vieira. “Todas as minhas criações têm inscritas a frase Fabricado em Portugal, não é made in Portugal, mas sim ‘fabricado’, escrito em português.”

"Paralelamente a tudo isto e não menos importante, existe um enorme trabalho de cada um dos designers no sentido de valorização do seus projetos, quer na qualidade e diferenciação do que apresentam, quer na forma como comunicam. Se esse trabalho for bem feito e em rede, os portugueses vão entender o enorme valor acrescentado que têm em consumir moda de autores nacionais." - Nuno Baltazar

O que é que nos falta, então? “Falta só ter coragem de dar os primeiros passos. […] Agora temos este abanão que pode ser motor de muitos projectos felizes, com identidades individuais mas com esse sentido de grupo”, encoraja Nuno Baltazar.Sentido. O sentido a seguir, o que faz sentido, o sentido económico… seja que sentido for, o que parece mais óbvio é o sentido de grupo, de facto. Não há uma fórmula certa na incerteza de um futuro de imprevistos, mas, seguramente, as que existem, não passam pela divisão da classe e muito menos pela ausência de apoio. Idealmente, como defendem Buchinho, Onofre e Hugo Costa, teríamos um grande conglomerado que pudesse trazer alguma margem de manobra às nossas marcas mas, não havendo, que esse conglomerado de suporte seja feito, em parte, pelo Estado, apoiando este setor como aos outros; mas acima de tudo pela concentração entre criadores e uma maior consciencialização do consumo em português. Já preferimos as mercearias locais e até questionamos porque é que as laranjas vêm de Espanha quando as há tão boas ali no Algarve; olhamos para códigos de barras e símbolos a vermelho e verde com um “P” em destaque para fazermos compras com consciência. Procuramos frequentar mercados e lojas de bairro para “apoiar” os pequenos negócios, mas esquecemo-nos continuamente de tomar consciência do nosso armário. Ele até pode já não ter muito espaço de sobra, mas nas nossas mentes há ainda muito espaço para consciencializar sobre consumir Moda lusa. Não precisa de ser exclusivamente, mas precisa de ser incluída no nosso mindset. E no mindset do público internacional, que só lá chega com a promoção interna: ir lá para fora de cá de dentro (do nosso vestuário). Acima de tudo, porque para a economia recuperar, é preciso não parar de consumir: não quer dizer de forma desenfreada, mas saber consumir, com consciência (nacional). Para que o 5-6-0 seja para sempre 1-2-3, comprar português.

*Os códigos de barras que indicam produtos nacionais começam pelo trio de algarismos 560.

Texto originalmente publicado em maio 2020, na edição Happy Together da Vogue Portugal.E o acesso às esntrevistas completas é por aqui.For the english version, you can read here.

 

Sara Andrade By Sara Andrade

Relacionados


Moda  

Soul and Steel

22 Nov 2024

Moda   Eventos  

Uma viagem em primeira classe para a época festiva com a nova coleção Mango Selection

22 Nov 2024

Guestlist   Tendências  

Eye patches: o segredo para um olhar rejuvenescido

22 Nov 2024

Moda  

Sinfonia de estilo: como o guarda-roupa cria uma identidade musical

21 Nov 2024