Provavelmente está a pensar em solar, eólica, hidroelétrica, etc., só que, neste caso, não tem nada a ver. Deveras importantes, mas para outro texto, para outra edição, para outro enquadramento. Aqui fala-se de outras energias: a imaginaçãom e a criatividade. Recursos que, aliás, quanto mais os usamos, mais se aguçam; quanto mais se manifestam, mais se alimentam a si mesmos. Mas atenção: apesar de serem ambos renovávei, não são a mesma coisa. Ainda que se completem.
Provavelmente está a pensar em solar, eólica, hidroelétrica, etc., só que, neste caso, não tem nada a ver. Deveras importantes, mas para outro texto, para outra edição, para outro enquadramento. Aqui fala-se de outras energias: a imaginaçãom e a criatividade. Recursos que, aliás, quanto mais os usamos, mais se aguçam; quanto mais se manifestam, mais se alimentam a si mesmos. Mas atenção: apesar de serem ambos renovávei, não são a mesma coisa. Ainda que se completem.
"O Homem sonha, a obra nasce”. A frase retirada d’A Mensagem (1934), de Fernando Pessoa, (da qual se omite o início “Deus quer” porque, afinal, temos aqui uma agenda), é o ponto de partida ideal para explicar no que é que diferem estes conceitos que não são sinónimos, mas que se complementam. Na primeira parte, “O Homem sonha”, podemos falar em imaginação; quando “a obra nasce”, em potencial criatividade. É aqui que se estabelece uma das principais distinções entre os dois termos: um existe num plano teórico; o outro, na possibilidade real de se materializar na prática, sendo que o primeiro conceito, por norma, alimenta o segundo. E o primeiro existe num plano teórico porque a imaginação permite viajar para reinos que não são traduzíveis na vida real: podemos idealizar seres míticos e mundos paralelos, podemos entrar e morar num quadro de Dalí, podemos olhar para um objeto mundano e dar-lhe outro propósito na nossa mente. Mas enquanto não o tornarmos palpável, enquanto não tiver aplicabilidade na realidade, ele não deixa as fronteiras da imaginação e a criatividade não se manifesta – aliás, o próprio prefixo da palavra incita à criação, ao ato de criar. Por exemplo, neste momento, estou a imaginar este texto na minha cabeça. Estou a escrever e a equacionar todos os caminhos por onde ele pode seguir, mas enquanto continuar a procrastinar e as linhas não se escreverem para o levar a bom porto, a (discutível) criatividade não acontece.
“A atividade criativa pretende fazer algo com propósito. A imaginação é algo que surge. Enquanto a criatividade trabalha em prol de um produto que existe no mundo real e tem um propósito no mundo real, o produto da imaginação é o ‘objeto imaginado’; é a própria imagem. Essa imagem surge com significado, mas qualquer propósito que contenha é aquele que emerge dela para se cruzar com outros processoscognitivos.” Ann Pendleton Jullian, arquiteta, e John Seely Brown, homem da Ciência, Física, Matemática e Tecnologia, assinam o livro Pragmatic Imagination: Single from Design Unbound, que aborda a distinção entre os dois termos e de onde se retira o excerto anterior e o que se segue: “É precisamente porque à imaginação é dada permissão sem intenção pragmática, que ela encontra correspondências entre coisas que não são óbvias ou fáceis. Encontra correspondências que a razão poderia nunca ver, que poderia considerar improváveis. Joga com as fronteiras. Deixa os pensamentos, por inteiro ou parcialmente, saltar obstáculos. Embora não tenha um propósito intencional, ou pragmático por natureza, é exatamente este tipo de atividade que tem uma possibilidade pragmática num mundo que está a mudar rapidamente e que é radicalmente contingente”. A imaginação não tem um propósito, mas pode ajudar a concretizar propósitos, principalmente aqueles que à partida não se conseguem atingir de forma óbvia. A imaginação permite alimentar a criatividade para que se consiga contornar fórmulas datadas ou que não cumprem objetivos, que não funcionam. É o chamado “pensar fora da caixa” para se chegar a novos resultados e a novos processos – preferencialmente, melhores resultados e melhores progressos.
“Nunca fiz nenhuma das minhas descobertas através do processo do pensamento racional”, admitiu uma vez Albert Einstein, cientista que disse também que “a imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação abraça o mundo.” A imaginação é fantasia mas é essa fantasia que é, ao mesmo tempo, gasolina para a criatividade, porque impele o ser humano a pensar de modo diferente e, consequentemente, a criar de forma diferente – já dizia Pablo Picasso que “o inimigo-mor da criatividade é o bom senso”, linhas corroboradas por Friedrich Nietzsche, que advogava que “cada um deve ter caos em si mesmo para dar azo a uma estrela dançante”, o que mais não é do que uma metáfora para, conforme supracitado, se falar em romper barreiras por forma a permitir ir além do que se conhece.
"A imaginação free-play [que brinca livremente] não subscreve as fronteiras do que se sabe, ou do que se sabe fazer.” Regressemos, pois, aos autores e ao livro Pragmatic Imagination: “É aleatória, intuitiva, e completamente confortável em não saber porque é que vê aquilo que vê. É esta a imaginação que frequentemente associamos ao reino do subconsciente da mente, que ‘corre nos bastidores’ durante o tempo em que nos mantemos acordados e que domina os nossos sonhos… o que distingue a imaginação free-play da imaginação experimental é a sua motivação. A imaginação experimental começa com a questão e/ou a história e prática criativa de um indivíduo. Estes servem como centro de gravidade. Seja para compor músicas, experimentar com gestos e cores em telas, debater-se com a teoria das cordas, a imaginação experimental honra esta busca, é uma brincadeira com foco. A imaginação free-play pode ser capitalizada por uma questão; mas não precisa. Não precisa de centro de gravidade; na verdade, evita um centro de gravidade, preferindo perder-se na brincadeira.” É imaginação pura e sem constrangimentos, que não se preocupa com o possível.
A IMAGINAÇÃO É FANTASIA MAS É ESSA FANTASIA QUE É, AO MESMO TEMPO, GASOLINA PARA A CRIATIVIDADE, PORQUE IMPELE O SER HUMANO A PENSAR DE MODO DIFERENTE E, CONSEQUENTEMENTE, A CRIAR DE FORMA DIFERENTE.
Esta imaginação, que existe na dimensão das impossibilidades e improbabilidades, é fulcral para alimentar também a imaginação experimental que, procurando reverberação na realidade, dá azo à criatividade. A imaginação experimental é uma imaginação com propósito, cujo objetivo é não só existir, mas também permitir que algo de novo e original exista e aconteça. Sir Ken Robinson (1950-2020) foi um escritor, orador e consultor internacional para ONG's e diversos organismos na área das Artes, e abordou da melhor forma esta diferença entre imaginação e criatividade, no seu livro Out of our Minds: Learning to be Creative (2011): “A imaginação é a fonte da nossa criatividade, mas imaginação e criatividade não são o mesmo. A imaginação é a capacidade de trazer para a mente algo que não está presente para os nossos sentidos. Podemos imaginar coisas que existem ou coisas que não existem de todo. […] É o primeiro dom da consciência humana. Na imaginação, conseguimos sair do aqui e agora. Podemos revisitar e rever o passado. Podemos ter uma perspetiva diferente do presente ao colocarmo-nos na mente de outros: podemos tentar ver com os seus olhos e sentir com os seus corações. E na imaginação podemos antecipar muitos futuros possíveis. Podemos não ser capazes de prever o futuro, mas ao agir sobre as ideias produzidas na nossa imaginação, podemos ajudar a criá-lo. A imaginação liberta-nos das nossas circunstâncias imediatas e detém a possibilidade constante de transformar o presente.”
É aqui que entra a criatividade, enquanto passo seguinte da imaginação. “A imaginação pode ser um processo completamente privado da consciência interna. […] O imaginário privado pode não ter nenhum resultado no mundo, de todo. A criatividade sim. Ser criativo implica realizar algo”, defende o autor. E continua: “Chamar alguém de criativo sugere que essa pessoa está ativamente a produzir algo de forma deliberada. As pessoas não são criativas no abstrato; elas são criativas em algo: na matemática, na engenharia, na escrita, na música, nos negócios, seja no que for. A criatividade implica colocar a sua imaginação a funcionar. De certa forma, criatividade é a imaginação aplicada.” É, mas também é mais do que apenas o ser passível de existir na realidade: a criatividade não é apenas a possibilidade de fazer, não é apenas a possibilidade de concretizar. É a potencial concretização com diferença, com algum grau de inovação, “é o processo de ter ideias originais que acarretam valor”, para citar Sir Ken uma vez mais. É também aqui que a criatividade e a imaginação se tocam, se sobrepõem: a criatividade pode ser fruto da imaginação, ou a concretização da imaginação, e ela deve nascer não como cópia, mas como original.
O que não quer dizer que (toda) a criatividade seja invenção de algo novo – é apenas uma nova forma de fazer algo, de ver algo ou de reinventar um produto existente. É uma inovação no sentido em que faz as coisas de forma diferente, mas não tem necessariamente de ser uma invenção – até porque, segundo Mark Twain, “não existe isso de uma nova ideia. Simplesmente pegamos numa série de velhas ideias e colocamo-las numa espécie de caleidoscópio mental”, numa referência ao facto de nos inspirarmos sempre em algo previamente existente para darmos o passo seguinte, para alargarmos as fronteiras que nos constrangem. E a criatividade pode ser criatividade simplesmente porque nos provoca um sentimento novo, porque nos surpreende de forma positiva: um quadro que nos encanta, uma capa de revista que nos move, um produto apresentado de uma forma diferente, mas que não são necessariamente “novidades”. E nem por isso deixam de ter o seu grau de inovação, de surpresa. Interessa, no entanto, sublinhar que imaginação, criatividade, e inovação são uma tríade distinta, mas que se completa e que se toca. O dicionário Priberam diz que a imaginação é a “faculdade com que o espírito cria imagens, representações, fantasias” – sublinhe-se fantasia –, porque imaginar é ser capaz de ver o impossível ou o irreal. Já a criatividade faz uso da imaginação para desencadear o potencial de ideias existentes para criar novas ideias e mais-valias, é a capacidade de imaginar novos conceitos ou produtos que são úteis para a sociedade, quer no plano funcional quer no emocional. A inovação, por sua vez, é um processo através do qual é criado valor e apresentado a uma comunidade sob a forma de uma nova solução, é olhar para algo e encontrar um modo de o melhorar, recorrendo tanto à imaginação como à criatividade. “A inovação é a criatividade aplicada. Por defi nição, a inovação é sempre sobre introduzir algo novo, ou melhorado, ou ambos, e é normalmente assumida como algo positivo.” Assim, segundo Sir Ken, sendo a criatividade resultado da imaginação aplicada e a inovação resultado da criatividade aplicada, os três conceitos estão interligados, mas não são sinónimos uns dos outros. O que os distingue é o enquadramento de propósito que lhes atribuímos: o foco da imaginação toca na impossibilidade; o da criatividade no potencial da possibilidade que só ganha contornos reais quando explorado; e o foco da inovação é a concretização das possibilidades listadas como hipóteses pela criatividade, fazendo acontecer algo de novo ou que comporta novidade. Por isso, a criatividade existe na concretização, mas também existe enquanto a concretização é uma mera ideia possível. A imaginação existe mesmo quando nenhuma das representações que sonhamos e pensamos tem reflexo na dimensão do possível. George Bernard Shaw tem uma boa frase para isto: “A imaginação está no início da criação. Imagina o que quer que deseje, manifesta o que imagina e, pelo menos, cria o que deseja”. Resumindo, todas as nossas ideias têm possibilidades criativas, ainda que precisem de ser limadas para serem concebidas e concretizadas no mundo real.
Com tantas citações e referências, parece que toda a gente tem algo a dizer sobre a imaginação. Mas isso é porque toda a gente pode pensar o que quer que seja sobre a definição de imaginação. E isso é o bom da imaginação. Mas só porque o pensa, não o torna verdade, real e, ainda menos, criativo. Só quando manifesta essas ideias de uma forma que acrescente valor, e que seja palpável e original, é que a sua criatividade é exposta. Se apresentar o conceito de forma totalmente nova, como uma mais-valia e aplicabilidade real, então está a inovar. Por exemplo, este texto foi imaginado e concretizado de forma a acrescentar novas valências, nem que seja ao nível da lista de frases famosas que servem de mantra para a vida. Numa palavra, foi escrito tentando fazer uso da imaginação que alimentou a (discutível) criatividade e gerou alguma inovação (de conhecimento) em 12 mil caracteres, mais coisa menos coisa. Tentou, acima de tudo, criar algum raciocínio lógico nesta tentativa de distinguir, distanciar e, ao mesmo tempo, aproximar, estes dois termos constantemente confundidos – a imaginação e a criatividade –, mas que se alimentam um ao outro, como energias renováveis que são. Mas se falhou a lógica, também não faz mal: “A lógica levá-lo-á do ponto A ao B. A imaginação leva-lo-á a todo o lado.” Obrigada, Albert Einstein.
*Originalmente publicado no The Creativity issue da Vogue Portugal, de março 2021.For the english version, click here.
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