As mães não são só aquelas que têm filhos. Aliás, nas redes sociais, a palavra "mãe" é bem mais que um adjetivo, é um verbo, um nome, e, acima de tudo, um título que se merece.
"She put slayonaise in the mother burger.” Uma viagem internáutica pode ser difícil de compreender. Seria de pensar que, ao saber inglês, a língua universal da Internet, se conseguiria compreender a maioria do que se encontra nas redes sociais. Mas o discurso online não se encontra em nenhum dicionário (exceto, claro, o urban dictionary) e para o saber é necessário navegar centenas de referências, muitas das quais têm a sua origem há décadas. Foi ao longo da existência das redes sociais que este labirinto linguístico se construiu. Através de memes, referências da cultura popular e, frequentemente absurdismo absoluto, o inglês coloquial é distorcido ao ponto do irreconhecível. Navegar em sites como o Twitter (sim, continuamos a recusar-nos a chamar-lhe X) é uma tarefa que para as mentes ignorantes à cultura online pode ser desafiante. “Call the plumber! The mother toilet is flushing.” Sem conhecimento prévio, é quase impossível decifrar o que a frase significa. Mas, para os que entendem, a frase não passa de um simples elogio, equivalente a algo como “Estou espantado com a qualidade desta canção.” Os elogios online são, por si só, uma expressão artística complexa. “She ate” (ela comeu), “Get off my neck” (sai do meu pescoço), “You’re mother” (tu és mãe) – todas são equivalentes a “bom trabalho.” O último termo, em específico, é das maiores honras que podem ser concedidas a alguém nas redes sociais. A distinção é normalmente dada a mulheres, ainda que esta não seja uma regra sólida. Afinal, quando se trata de slang online, quanto mais inesperado (ou incorreto) melhor, é assim que os memes evoluem, constantemente testando o limite da semiótica a favor da comédia. Quando se trata de linguagem online, a lógica comum é irrelevante e o absurdo é deus.
Segundo esta lei basilar, mother é um estatuto atingível, sinónimo de icónico. Mas uma mother é bem mais que apenas um ícone, é uma pessoa que é vista pela sociedade, ou melhor, pela comunidade online, como uma força de conforto e proteção. Perguntar de onde vem a expressão mother não é a pergunta correta para entender de onde vem esta tendência linguística tão peculiar. Não necessitamos de viajar até ao berço da humanidade para localizar a origem etimológica de mother (mãe), a travessia é bem mais curta, basta ir até ao século XVIII. De acordo com Paul Baker, autor do livro Fabulosa! The Story of Polari, Britain’s Secret Gay Language, a origem de mother da forma como é usada nos dias que correm foi registada pela primeira vez em 1720. Segundo o investigador, do que sabemos, a estreia do termo foi uma honra dada a Margaret Clap, a dona de um café em Londres que, pelos quartos disponíveis no seu prédio, possibilitava a intimidade homossexual numa época em que esta era considerada um crime da mais alta ordem. Na época, qualquer ato sexual entre dois homens era punível com a pena de morte. Ao possibilitar a oportunidade, Clap estava literalmente a salvar a vida de dezenas de pessoas. Esta decisão deu-lhe o título de “Mother Clap”. A proprietária do café foi até ao extremo de mentir para que um dos seus hóspedes não fosse condenado. No entanto, eventualmente, as autoridades entenderam o que se passava na “Molly House”, como o café era conhecido, e a mother dos gays britânicos do século XVIII foi presa durante dois anos, sedimentando- se na história queer.
Que o termo mother tenha a sua raiz na linguagem queer não é exatamente surpreendente – a maioria dos termos coloquiais dos dias de hoje derivam da fonte da linguagem que a comunidade LGBTQIA+ construiu ao longo de séculos de opressão. Tea, trade, slay – as expressões tornaram-se parte do vocabulário da juventude que cresceu online. Mas as origens destas palavras, por mais divertidas que sejam de usar, não nascem da comunidade queer dos dias de hoje, são símbolos de sobrevivência. A expressão mother, em específico, vem da ballroom scene, uma subcultura que nasceu e prosperou entre as comunidades afro-americanas e latinas nas grandes metrópoles dos Estados Unidos. A cultura do ballroom é uma complexa mistura de drag, arte e dança. Para os mais leigos, pense-se na canção Vogue, de Madonna, uma das primeiras incursões mainstream da expressão artística. O termo mother é, na ballroom scene, usado quase literalmente. Não, não em termos biológicos, mas afetivos. A subcultura organiza-se em famílias de dançarinos e a mother é a líder de cada família, a pessoa responsável pelo apoio emocional que se espera de uma mãe.
A proximidade da cultura ballroom da comunidade queer em geral fez com que o termo fosse adotado por uma grande parte de pessoas LGBTQIA+. A expressão não é apenas uma forma de organização dentro de uma expressão artística, é um reflexo da história queer. Nomes com definições rígidas como mãe, pai ou irmão são interpretados de forma menos séria por uma comunidade que, historicamente, foi obrigada a construir as suas famílias de raiz. Uma mãe pode não ser um parente biológico, mas uma pessoa que se encontra numa fase posterior à infância e que dá um apoio maternal. É necessário entender o conceito de família escolhida para se chegar a qualquer tipo de conclusão quando se trata de linguagem queer. Claro que, na era de Rupaul’s Drag Race e Queer Eye, a opressão enfrentada pela comunidade LGBTQIA+ é diferente daquela do passado. Os mainstream media aceitam, em geral, expressões abertas de homossexualidade. Com raízes firmes na cultura afro-americana queer, a linguagem queer cresceu para o resto da comunidade e floresce, eventualmente, na cultura mainstream. Nos dias que correm, a palavra é adotada de forma cómica. “She flew to the mother plane and crashed into the cuntogon,” “He ate contaminated food at the mother buffet” – há frases que é melhor deixar por traduzir. Por mais difícil que seja de entender de vez em quando, o termo é usado e abusado, mas sempre como um elogio da mais alta ordem. Claro que, como seria de esperar, evolui de um mesmo adjetivo. A sua forma mais comum é como verbo através da reconhecível expressão mothering: I mother, you mother, he/she/they mother, we mother, they mother. O recitar do verbo faz parte da iniciação para qualquer utilizador do Twitter e pode ser usado para qualquer pessoa. Zendaya mothered em Challengers (2024), Beyoncé afirmou-se mais uma vez como mother no álbum Cowboy Carter e, na capa de março da Vogue Portugal, Ashley Graham está mothering. Não é coincidência que o termo seja usado quase exclusivamente em mulheres. Não que mother seja exclusivo ao género feminino, mas, por norma, a feminilidade é a qualidade que se pretende elogiar. Celebridades como Lady Gaga ou Beyoncé há muito que acolhem a distinção. Desde 2009 que a primeira se intitula de mother monster e, no seu álbum Renaissance (2022), inspirado na cultura de ballroom, Beyoncé pronuncia-se mother of the house of Renaissance. Por norma, se uma celebridade é considerada um ícone da comunidade LGBTQIA+, é automaticamente intitulada de mother. De qualquer forma, se alguém nos chamar mother só há uma coisa a responder: obrigado.
Originalmente publicado no The Mother Nature Issue, disponível aqui.
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