Em colaboração com o coletivo artístico Moments in Time, Kate Moss realiza os seus primeiros NFTs, um conjunto de três vídeos de momentos íntimos da modelo.
Em colaboração com o coletivo artístico Moments in Time, Kate Moss realiza os seus primeiros NFTs, um conjunto de três vídeos de momentos íntimos da modelo: “A Arte para mim sempre foi sobre o momento. Tempo é a única coisa que nunca temos suficiente e que não espera por ninguém, sinto-me intrigada por pensar em quem irá querer um momento meu” diz em conversa com a Vogue UK.
Kate Moss © Getty Images
Kate Moss © Getty Images
NFTs, Non-Fungible Tokens ou Cripto Arte, ganharam recentemente visibilidade com a venda de The First 5000 Days, de Beeple, através da leiloeira Christie’s por 69,4 milhões de dólares. Excessivo? Talvez. Mas quem decide o valor de uma obra senão o mercado? Um NFT representa a propriedade de uma obra, momento ou memória, certificada pelo blockchain, a mesma tecnologia de desenvolvimento de cripto moeda. Em fevereiro deste ano, a NBA Top Shot vendeu o vídeo de um cesto marcado por Lebron James por 208.000 dólares. O vídeo continua disponível no YouTube para quem quiser ver, mas o proprietário do vídeo é agora Jesse Schwarz. Paris Hilton, tendo estado na vanguarda da produção de NFTs, chamou aos seus cães Crypto e Ether, este último com o apelido do futuro marido de Hilton se chamará Ether Reum – ethereum, a cripto moeda em que se transacionam os NFTs.
Um NFT é um objeto sem corpo, que se torna objeto apenas no ato da venda, e pode ser arte ou uma memória ou um símbolo cultural, ou nenhum. A crescente necessidade de posse pode ser vista enquanto resultado de uma sociedade tecnológica imaterial - será no mínimo irónico que o sintoma se torne a solução. Compramos objetos sem corpo para satisfazer a nossa vontade possessiva que, por sua vez, nasce de uma vida desligada do corpo.
Quando Kate Moss diz “quem quererá um momento meu” referindo-se aos seus “momentos” enquanto objetos vendáveis, remete-nos para as Brillo Boxes de Andy Warhol – ampliações físicas das caixas de sabão Brillo, expostas pelo artista enquanto obras de arte. Segundo o filósofo e crítico de arte norte-americano Arthur Danto, o momento de exposição das Brillo Boxes marcou a história da arte e revolucionou a produção artística por demonstrar que a única característica necessária para que um objeto seja uma obra de arte é que se encontre num contexto expositivo. Num mercado, as caixas de sabão seriam apenas caixas de sabão, mas numa galeria, tendo a única alteração das caixas sido a sua dimensão, essas mesmas caixas são obras de arte.
Andy Warhol Brillo Boxes © Getty Images
Andy Warhol Brillo Boxes © Getty Images
Neste sentido, a vida é precisamente um conjunto de momentos, e os momentos da vida de Kate Moss que não são registados são apenas isso – momentos – mas se registados poderão constituir objetos artísticos, não precisando sequer de ser expostos. Deixam-nos com a promessa de que a cripto arte será o futuro da produção e da venda de trabalho artístico não controlado pelo mundo da arte, livre da pré-seleção das instituições e galerias e pronta para dar uma resposta imediata à vontade do mercado e ao gosto pessoal do comprador – um formato artístico que beneficia o artista e o comprador. Em semelhança ao The Artist’s Reserved Rights Transfer and Sale Agreement publicado em 1971 pelo curador Seth Siegelaub e pelo advogado Robert Projansky, o contrato de venda de cripto arte prevê que o autor do trabalho receberá sempre uma percentagem da revenda do trabalho, permitindo ao artista beneficiar da valorização do próprio trabalho. O que falta à cripto arte? Corpo. O seu maior benefício poderá ser o seu maior defeito.
Andy Warhol © Getty Images
Andy Warhol © Getty Images
Torna-se necessário reavaliar o que nos atrai numa obra de arte para além do seu potencial financeiro, e ainda que papel o corpo tem na experiência de apreensão de obras de arte. Muitos artistas performativos consideram todas as exposições momentos performativos, podendo a mera presença de público constituir uma performance. Numa era pós-pandémica é bastante fácil de compreender o valor da presença, que em nada se assemelha a uma imagem. O corpo não acaba na pele, da mesma forma que uma pintura não acaba na superfície da tela. Todos já vimos imagens de Guernica mas ainda assim enchemos a sala do Reina Sofia para presenciar a pintura de Picasso.
Na sua série documental Pretend It’s a City, Fran Lebowitz comenta um episódio de um leilão de arte em que a venda de uma obra foi aplaudida, mas não a obra em si. Também a venda de The First 5.000 Days de Beeple foi “aplaudida”. Mas a obra não.
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