Fotografia: © Getty Images.
A fama é um vício perigoso. Embriagados pelo seu cheiro, é fácil perdermo-nos na euforia da atenção alheia. Mas porque é que esta droga é tão sedutora? E qual é a gravidade da sua ressaca?
No dia três de março, um dos casais mais adorados da reality tv revelou que se tinha separado. Ariana Madix e Tom Sandoval, estrelas de Vanderpump Rules – um programa baseado nas vidas dos trabalhadores de um restaurante em Beverly Hills –, namoravam há mais de nove anos. A Internet entrou em frenesim, não apenas porque o relacionamento tinha terminado, mas com a razão pela qual terminou. Foi revelado que Sandoval mantinha uma relação paralela com outra das estrelas do programa, Raquel Leviss. Pior ainda, o seu caso tinha sido capturado pelas câmaras.
Madix, por seu lado, não só não sabia do affair como considerava Leviss uma das suas amigas mais próximas. O mundo rapidamente demonizou os responsáveis pela angústia de Madix. A polémica, que cativou a atenção até daqueles que desconheciam o programa, tornou-se um fenómeno. Carinhosamente intitulado de Scandoval (uma amálgama de scandal e Sandoval), o caso amoroso tornou-se num circo de publicidade, tão positiva para Madix, como negativa para Sandoval e Leviss. Não bastava ser uma traição da mais alta ordem – a melhor amiga com o namorado –, mas a dupla decidiu mostrar afeto em frente das câmaras, sabendo de antemão que, assim que a temporada do programa estreasse, todos, incluindo Madix, tomariam conhecimento do caso. A onda de ódio provocada por este ato de infidelidade poderá ser (justamente) comparada a um tsunami. Leviss acabou por (injustamente) acarretar com a maioria das críticas. Como podia uma amiga fazer isto a outra mulher? Como era possível não ter qualquer tipo de empatia? E, mais importante, porquê fazê-lo à frente das câmaras? As questões, por mais legítimas que fossem, misturaram-se com a fúria de trolls, ao ponto de a estrela de reality tv ter de se internar num centro de reabilitação para saúde mental. Passados meses, o programa voltou a ser filmado e, ainda que Sandoval tenha voltado como parte do elenco, Leviss ausentou-se, sendo filmada apenas quando os paparazzi a fotografam com pouca maquilhagem no seu quotidiano. Voltamos à questão colocada por milhares de pessoas: porquê fazer algo desta magnitude sabendo que vai ser descoberto pelo mundo? Numa palavra: fama. A atenção mediática que o escândalo trouxe fez dos membros do elenco milionários, vendendo t-shirts com as suas catchphrases, angariando uma audiência que o programa nunca tinha tido e transformando-os em celebridades. Mas, principalmente no caso de Leviss, será que valeu a pena? Será que o êxtase de saberem o seu nome justifica o ódio que sentiu na pele? Será a euforia da fama suficiente para tolerar a sua ressaca?
O apelo da fama não é difícil de entender, esta é sinónimo de sucesso, aprovação, amor, confiança, etc. Porém, para os poucos que a sentem na pele, a fama é mais como uma substância psicoativa, uma droga que afeta a forma como percecionamos a realidade. Escusado será dizer que a validação externa que a fama proporciona é inegavelmente atraente, mas existem fatores que a enquadram na pirâmide das necessidades humanas. O conceito de fama ajuda-nos a combater a temida ideia de mortalidade. É aterrador pensar que o que fazemos neste mundo não só não é importante, como desaparecerá quando morrermos. A azeda perceção da nossa pequenez pode ser futilmente tapada com a ideia de que, ao diferenciarmo-nos dos outros, a nossa fama imortalizar-nos-á no panteão da história da humanidade. Mas, de acordo com estudos psicológicos recentes, a sede de validação alheia e as ponderações existenciais são apenas as variáveis superficiais do problema. Segundo as teorizações do antropólogo americano David Sloan Wilson, a luxúria por fama deve ser entendida de forma patológica, tal como a toxicodependência. Esta constatação é justificada pelo que Wilson intitula de uma desconexão entre o mundo moderno e a nossa capacidade de adaptação enquanto animais. Durante milénios, as nossas mentes foram condicionadas para entender sociedades de uma escala relativamente pequena. O advento da modernidade, assim como da globalidade que a caracteriza, desregulou a forma como estamos habituados a perceber o mundo. De acordo com as teorizações do antropólogo americano, a incapacidade de percecionar a escala da nossa civilização atrofia os nossos instintos sociais, criando necessidades de sermos conhecidos que se aproximam do patológico. Mas a tendência para desejar fama não é comum a todos. Segundo um estudo levado a cabo por Richard Ryan e Tim Kasser, a ambição em ser famoso é característica de um grupo específico de pessoas. Os psicólogos americanos procuraram encontrar o que diferenciava aqueles que ambicionavam fama daqueles que priorizavam autoestima ou amizade (um estudo que, se não tivesse sido feito pré-Scandoval, diríamos que é dirigido a Raquel Leviss). Os indivíduos do primeiro grupo destacam-se por sentimentos pendentes de rejeição social. A fama é o remédio para a negligência parental, a solução para finalmente podermos ser parte do grupo dos miúdos populares. Tendo em conta estas características, não é surpreendente que Ryan e Kesser tenham identificado que este grupo sentia maiores níveis de stress. A procura de algo que é tão dependente de outros como a fama é psicologicamente exigente.
Clarifique-se, no entanto, que o estudo conduzido por Ryan e Kesser não é dogmático e a tipificação social é um jogo perigoso. Independentemente das descobertas dos investigadores americanos, a fama tem um apelo transversal. Outros estudos revelam que a maioria sonha em atingir alguma forma de fama sem qualquer tipo de discriminação. Temos de ter cuidado com o que desejamos: tal como uma droga, a fama torna-se mais perigosa quanto mais a sentimos. De acordo com a tese da psicóloga Robi Ludwig, o sentimento só piora quando atingimos aquilo que desejamos. A natureza efémera da fama faz com que esta apareça e desapareça de forma misteriosa. As pessoas que atingem um certo nível de fama entram numa espiral que Ludwig compara à toxicodependência, preocupadas em alcançar o máximo de notoriedade possível. Este êxtase torna-se sinónimo de autoestima – passa a ser a forma como nos valorizamos. A ideia de que esta pode desvanecer é aterradora e, por essa razão, é imperativo que se mantenha ou aumente o nível de fama. Esta dependência é identificada por Ludwig como perigosa, levando à completa quebra da nossa personalidade, uma bússola moral de forma a preservar o estatuto de celebridade. Mais uma vez remetemos ao exemplo inicial. Ninguém sabe exatamente o que possuiu Sandoval e Leviss para justificar as suas ações. Quando a temporada estava no ar, ambos se desculparam com pretextos de amor, mas, assim que a série terminou, o casal separou-se e, desde então, ambos têm feito entrevistas frequentes que procuram ancorar o seu caso em pretextos variados.
Se a fama é uma droga, estamos a viver o equivalente ao Summer of Love dos anos 70, o boom do uso de drogas psicadélicas. A democratização da fama é latente e é cada vez mais fácil ter o primeiro hit desta “droga.” Na primeira década do milénio, o nascimento da reality tv mudou a forma como pensávamos na fama. A ascensão de estrelas como Kim Kardashian e Paris Hilton fez com que a fama deixasse de ser um símbolo de sucesso, reservado para os que ascendiam ao topo das suas profissões, para se tornar no meio através do qual o sucesso surge. Deixa de ser necessário que se atinja algo para ser uma celebridade, a fama existe por si só. Aliada a esta noção, o boom da Internet e das redes sociais fez com que qualquer pessoa se pudesse tornar famosa de um dia para o outro. Tal como um traficante que oferece gratuitamente a primeira dose, os primeiros três segundos dos cinco minutos de fama são relativamente fáceis de atingir. À medida que as redes sociais se desenvolveram, o termo influencer tornou-se cada vez mais popular. Esta profissão é uma capitalização literal da fama, instrumentalizando a influência social para vender produtos a uma audiência. Aliado ao apelo inicial da fama, a validação externa e o refúgio de preocupações existenciais juntam-se ao ganho monetário. Ainda que o termo influencer tenha sido criado por volta de 2015, a pandemia proliferou a profissão. Sentados em casa com pouco mais do que a Internet para nos entreter, os criadores de conteúdo das redes sociais tornaram-se os nossos melhores amigos, aqueles com os quais tínhamos conversas (unilaterais) todos os dias. A fama, e consequentemente o sucesso financeiro, dos influencers equipara-se ao estrelato tradicional. Para uma audiência jovem, a prosperidade que os seus “amigos” alcançaram com as redes sociais tornou-se uma fonte de cobiça. De acordo com um referendo da Morning Consult, uma empresa de recolha de dados online, 54% da população americana entre os 13 e os 38 anos gostaria de poder tornar-se um influencer. A empresa de pesquisa de mercado Harris Poll constata algo semelhante, indicando que, quando confrontadas com a escolha entre atleta, músico, professor, astronauta ou influencer, mais de 30% das crianças escolhem a última opção. A sede de fama é generalizada e, mais assustador ainda, normalizada. Não se questionam as repercussões que este tipo de fama acarreta. A fama é comprada independentemente do preço. As danças cringe que vemos no TikTok e as partidas perigosas são brincadeiras de criança quando comparadas com o verdadeiro risco. Estamos dispostos a arriscar o que temos e o que não temos para alcançar a euforia de cinco minutos de atenção. Raquel Leviss é um dos casos que nos deve servir como aviso. Isolada de qualquer outra carreira ou das pessoas que considerava amigas, Leviss sofre pelas decisões que fez baseadas no vício da fama. Será que valeu a pena?
Artigo retirado do The Fame Issue, de outubro de 2023. Disponível aqui.
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